
A PEC 12/22, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, prevê a unificação de todas as eleições brasileiras a partir de 2034. A medida, apesar de festejada por muitos, desperta sérias preocupações quanto aos seus impactos sobre a qualidade da democracia no país.

Segundo o parecer do senador Marcelo Castro, relator da PEC, a proposta tem dois pilares centrais: a economia de recursos públicos e ganho em ordem e previsibilidade. Em tese, eleitores votariam para nove cargos eletivos: vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, três senadores, governadores e presidente da República. À primeira vista, trata-se de uma proposta sedutora. Mas basta um olhar mais atento para perceber que o custo político dessa "eficiência" pode ser alto demais.
A economia de recursos públicos, embora relevante, não se sustenta como justificativa suficiente para transformar o calendário eleitoral de um país de dimensões continentais e profundas desigualdades sociais e educacionais. Afinal, qual é o valor exato dessa economia? E, mais importante: ela compensaria o distanciamento do eleitor em relação ao processo democrático, especialmente no que diz respeito às pautas locais?
Outro aspecto que merece atenção, sob a ótica econômica e estrutural, diz respeito à atuação da Justiça Eleitoral brasileira, reconhecida pela excelência na condução do processo eleitoral. Atualmente, o sistema funciona em ciclos bienais, com equipes treinadas para lidar com registros de candidatura, análise de prestações de contas e julgamento das demandas judiciais relacionadas ao respectivo pleito.
Com a unificação das eleições a cada cinco anos, o volume de trabalho seria concentrado em um único ciclo, somando candidaturas municipais, estaduais e federais de forma simultânea. Considerando os dados do próprio TSE, somente as eleições de 2022 e 2024 totalizaram, juntas, cerca de 491 mil candidaturas. Reunir esse contingente em um único pleito implicaria uma sobrecarga na estrutura da Justiça Eleitoral, o que pode, paradoxalmente, gerar novos custos operacionais, ao invés de reduzi-los.
Unificar eleições significa, na prática, submeter a escolha de vereadores e prefeitos - que lidam com os problemas mais cotidianos da população, como saúde básica, transporte, saneamento e educação infantil, ao turbilhão das campanhas federais. Em uma única disputa eleitoral, misturaríamos debates sobre política externa, macroeconomia e segurança nacional com discussões sobre o asfalto da rua e a creche do bairro. O risco de invisibilidade das pautas municipais é enorme.
Além disso, os candidatos a cargos locais estariam sujeitos à "onda" eleitoral das candidaturas majoritárias federais e estaduais. A força de lideranças locais independentes tende a diminuir, assim como o espaço na propaganda gratuita e o acesso aos recursos do fundo partidário. A eleição municipal perderia autonomia política e ficaria refém de coligações e interesses das esferas superiores.
A proposta também impõe um desafio cognitivo ao eleitorado. Em apenas 45 dias de campanha, o cidadão precisará analisar e decidir sobre nove cargos com funções e competências muito distintas. Em um país com baixos índices de educação política, a complexidade da escolha pode comprometer a qualidade do voto. Quanto mais ampla a oferta de cargos em disputa, maior o risco de decisões apressadas ou baseadas apenas em afinidades ideológicas superficiais.
Do ponto de vista democrático, o espaçamento maior entre as eleições, passando de dois para cinco anos, também pode gerar a percepção de enfraquecimento da democracia. O comparecimento às urnas é, para muitos brasileiros, o principal e único momento de conexão com o debate público. Reduzir essa frequência tende a diminuir o senso de pertencimento político e a participação popular.
É legítimo buscar mais racionalidade e economia na condução do processo eleitoral. Mas é preciso cautela. A democracia não se mede apenas pelo custo das urnas, e sim pela qualidade do voto e da representação. Unificar todas as eleições pode até parecer eficiente no papel, mas representa um risco real de desarticulação da política municipal, esvaziamento do debate local e enfraquecimento dos laços entre eleitor e eleito.
Se queremos fortalecer a democracia brasileira, o caminho não é unificar as eleições, mas qualificar a participação, aprofundando o debate e garantindo ao eleitor a maior quantidade de boa informação, para que façam suas escolhas de forma consciente e soberana.
Somente o argumento econômico não pode colocar em risco a relação do eleitor com as pautas locais e um maior lapso temporal para exercer o sufrágio.
(*) Juliano Tannus é sócio advogado do escritório Tannus Advogados Associados Conselheiro Seccional da OAB/MS. Ex-juiz eleitoral no TRE/MS, ex-ouvidor do TRE/MS, ex-diretor da Escola Judiciária Eleitoral do TRE/MS.
