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Fernando Chemin Cury

Um esclarecimento necessário ao estado democrático de direito

2 outubro 2012 - 10h16

Nos últimos dias, aqui e acolá, tivemos oportunidade de visualizar, nos mais diversos veículos de comunicação, reportagens sobre o embate travado entre a multinacional Google e o Poder Judiciário do estado de Mato Grosso do Sul. Algumas delas absolutamente tendenciosas e parciais, lançando sobre as costas do Judiciário e do magistrado prolator da decisão que determinou a condução do diretor da empresa à Delegacia, por estar em flagrante delito por crime de desobediência, a pecha de autoritários e violadores da liberdade de expressão.

Alguns esclarecimentos precisam ser feitos.

É inegável que a liberdade de expressão é uma conquista democrática do povo e um direito fundamental previsto na Constituição Federal. É tida como a própria expressão da liberdade, nas palavras do Ministro Aires Brito. Todavia, como acontece com todo direito fundamental, a liberdade de expressão não é absoluta. Aliás, nem mesmo a vida o é, posto que a própria CF prevê a possibilidade da pena de morte nos casos de guerra declarada.

Assim como a liberdade de expressão, existem outros direitos que também são fundamentais para um Estado Democrático de Direito. A intimidade, a honra e a vida privada também são direitos garantidos pelo núcleo fundamental da Constituição Federal. É exatamente por isso que o Poder Judiciário, em muitos casos, é chamado para intervir em situações que envolvem episódios onde a liberdade de expressão acaba por ser utilizada com fins absolutamente difamatórios e injuriosos, não só contrastando com outros direitos de igual envergadura previstos na CF, como também se desvinculando do real propósito de informar.

Em casos tais, compete a esse Poder a atribuição e a prerrogativa de dirimir esses conflitos e, na hipótese concreta, dizer qual o direito deve prevalecer naquele momento, se a liberdade de expressão ou o direito à honra, à intimidade ou à vida privada de alguém.

É da própria essência e fundamental à existência de um Estado Democrático de Direito que as decisões do Poder Judiciário sejam cumpridas, pois é a esse Poder que o Estado, através da Constituição Federal, outorgou a função de dizer o Direito.

É natural que também faz parte da Democracia o direito de contestar as decisões judiciais, direito esse que também é assegurado pela Constituição da República, sendo exercido através dos recursos e demais meios de impugnação previstos no ordenamento jurídico. O que não é admissível é permitir que uma pessoa, seja ela física ou jurídica, nacional ou estrangeira, se arrogue no direito de descumprir uma ordem judicial apenas e tão somente porque não concorda com seu conteúdo.

No sistema jurídico vigente, toda pessoa que recebe uma determinada ordem do Estado, através do Poder Judiciário, tem a possibilidade de contestá-la através de recursos às instâncias superiores, sendo exatamente por isso que existem os Tribunais de Justiça e até mesmo os Tribunais superiores. Caso essa ordem não seja revertida, cumpre ao destinatário cumpri-la ou, caso contrário, está sujeito a sofrer as consequências pelo eventual descumprimento.

O Diretor da empresa Google, ao receber a ordem judicial, tinha todo o direito de recorrer da decisão e, diga-se de passagem, assim o fez. Ocorre que seu intento não alcançou o resultado que pretendia e, portanto, a decisão que determinou a retirada do malfadado vídeo envolvendo um candidato à Prefeitura de Campo Grande deveria ter sido imediatamente cumprida.

O fato de essa decisão ter sido proferida em caráter liminar, nem de longe, retira sua imperatividade e o dever do destinatário da ordem de cumpri-la. Apesar de estar sujeita a recurso, a decisão liminar vale desde a sua publicação e compete à parte obrigada atendê-la. Caso a empresa Google obtivesse êxito em seu recurso, bastaria que a multinacional recolocasse o vídeo no Youtube, mas o que não é admissível é que essa empresa – diga-se mais uma vez –, se arvore no direito de não cumprir a determinação judicial, sob a esdrúxula justificativa de que analisou o vídeo e não detectou motivos para sua exclusão. Definitivamente, essa conduta é atentatória ao Regime Republicano e ao Estado Democrático de Direito!

Infelizmente, no dia-a-dia forense tem sido uma constante esses descumprimentos por parte de empresas com imenso poderio econômico e social. Medidas menos rígidas como a imposição de multas, lamentavelmente, não têm surtido o efeito desejado, já que para elas é mais vantajoso descumprir a ordem e, futuramente, desembolsar valores que, dentro da sua realidade, são absolutamente irrisórios.

É exatamente por isso que o Poder Judiciário deve agir com a firmeza e a rigidez necessárias para fazer valer as suas ordens, seja lá quem seja o seu destinatário, pois, somente assim, estará legitimando a própria razão de sua existência e solidificando o Regime Republicano e a própria Democracia.

Oxalá todos os juízes tenham a mesma coragem e o destemor corretamente manifestado pelo magistrado Flavio Saad Peron!

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(*) Fernando Chemin Cury é juiz da 1ª Vara Cível de Aquidauana

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