
O controle das contas públicas é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Nas esferas municipais, esse controle se realiza, principalmente, pelo acompanhamento e julgamento das contas dos prefeitos. Contudo, por muitos anos, houve intensa controvérsia sobre quem tem competência para julgar as contas dos prefeitos: seria a Câmara Municipal ou os Tribunais de Contas?

Esse impasse foi finalmente resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 982, que trouxe luz sobre a matéria e esclareceu definitivamente as atribuições de cada órgão.
O que decidiu o STF na ADPF 982? A ADPF 982 foi ajuizada pela ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) contra decisões judiciais que anularam penalidades aplicadas a prefeitos, na condição de ordenadores de despesas, pelos Tribunais de Contas.
Por unanimidade, o STF julgou procedente a ação, fixando entendimento no sentido de que:
Quando o prefeito atua como ordenador de despesas, ele deve prestar contas diretamente aos Tribunais de Contas, que têm competência plena para julgar essas contas de gestão, aplicar multas, determinar ressarcimentos ao erário e imputar débitos, independentemente de qualquer manifestação da Câmara Municipal.
Por outro lado, as chamadas contas de governo, que se referem à avaliação da execução orçamentária, financeira e patrimonial do município como um todo, permanecem sob a competência da Câmara Municipal, que as julga com base em parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas — este de natureza opinativa, nos termos do art. 31, §2º da Constituição Federal.
A Tese Firmada pelo STF: O Plenário do Supremo fixou, com clareza, a seguinte tese jurídica:
(I) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário;
(II) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal, o julgamento das contas de Prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas;
(III) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea 'g', da Lei Complementar nº 64/1990.
Por que essa decisão é tão relevante? A decisão do STF resolve um problema antigo, especialmente em municípios de menor porte, onde é comum o prefeito acumular funções e atuar também como ordenador de despesas, gerindo diretamente recursos, contratos, licitações e pagamentos.
O julgamento da ADPF 982 fortalece o papel dos Tribunais de Contas na fiscalização técnica e patrimonial dos recursos públicos, especialmente no combate a atos de má gestão, desvios e danos ao erário.
Por outro lado, preserva a autonomia dos parlamentos municipais no exercício de sua função política de julgamento das contas de governo, mantendo o equilíbrio entre os poderes locais.
Esse avanço jurisprudencial traz mais clareza, segurança jurídica e eficácia ao sistema de controle externo no Brasil.
*Advogado, Especialista em Direito Público, Conselheiro Seccional da OAB/MS, ex-Presidente da Comissão dos Advogados Publicistas da OAB/MS
