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OPINIÃO DO LEITOR

Pé-de-meia Licenciaturas: essencial, mas manco

Especialistas apontam contradição ao deixar de fora estudantes de licenciaturas digitais, mesmo em locais onde a EaD é a única opção viável.

3 fevereiro 2025 - 11h31Por Pedro Chaves* e Ronaldo Mota**
Na imagem, Pedro Chaves (à esquerda), ex-senador e educador, e Ronaldo Mota (à direita), professor e ex-secretário de Educação Superior, destacam a importância da educação digital e a inclusão da EaD nas políticas públicas de formação docente.
Na imagem, Pedro Chaves (à esquerda), ex-senador e educador, e Ronaldo Mota (à direita), professor e ex-secretário de Educação Superior, destacam a importância da educação digital e a inclusão da EaD nas políticas públicas de formação docente. - (Foto: Arquivo)

O Ministério da Educação está de parabéns por instituir o Programa Pé-de-Meia Licenciaturas, via a Portaria da Capes nº 6, de 15 de janeiro de 2025. Trata-se de relevante e imprescindível iniciativa no fomento à formação de professores para a educação básica.

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É lastimável, no entanto, que, mais uma vez, o Governo Federal, ao excluir os alunos de cursos de licenciatura ofertados na modalidade de Educação a Distância (EaD), reforce seu antagonismo, sem causa, à educação digital.

Carece de substância qualquer projeto de inclusão e ampliação do acesso à educação superior, bem como de melhoria de qualidade, que não contemple que caminhamos, a passos acelerados, em direção a uma educação híbrida (que conjugue os bons predicados dos ensinos presencial e online), flexível (adaptável a diferentes contextos e propósitos) e, principalmente, personalizada (cada educando tem um DNA de aprendizagem, próprio e único).

Se queremos formar futuros professores, cujas atividades profissionais se darão daqui a alguns anos, seria total devaneio menosprezar o papel das plataformas digitais de aprendizagem. Elas terão, progressivamente, papel cada vez mais relevante. Não há como pensar em aprendizagem personalizada sem conhecer os alunos, via as suas pegadas digitais, e construir, na escala necessária, trilhas de aprendizagem adequadas e customizadas.

A realidade educacional contemporânea aponta que estamos migrando para um cenário onde o aprender a aprender se sobrepujará à simples transmissão de conteúdo. A cognição simples dará espaço à metacognição, ou seja, a capacidade de estimular o educando a refletir sobre a própria reflexão, preparando os estudantes para a aprendizagem permanente ao longo de toda a vida.

Sem dúvida, que, em tese, os elementos acima podem e devem estar presentes tanto na aprendizagem presencial como a distância. Acertaria o MEC se prestigiasse os cursos de licenciatura bem avaliados pelo INEP/MEC, sejam eles em que modalidade fossem. Porém, ao exigir que somente alunos presenciais são elegíveis ao Programa proposto, o MEC sinaliza, mais uma vez, contrariamente à educação digital.

Além disso, desconsidera a realidade de muitos estudantes brasileiros cujos perfis de aprendizagem se adequam ao mundo digital, assim como aqueles que residem em localidades onde simplesmente não há oferta de cursos presenciais. Lembrando que em milhares de municípios EaD é a única opção e um dos focos corretos do Programa é formar professores que atendam essas carências em regiões onde elas são mais evidentes.

Destaque-se que a educação a distância é reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, como equivalente à educação presencial, prescrevendo ainda que: “Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”.

Programa Pé-de-Meia Licenciaturas do MEC exclui alunos de cursos EaD.
Programa Pé-de-Meia Licenciaturas do MEC exclui alunos de cursos EaD.

Ao excluir esses alunos de Educação a Distância, fere-se a LDB, reforça-se preconceitos infundados contra a educação digital e tenta-se inverter a direção do tempo, imaginando que estamos formando docentes para atuarem no século passado. Não há nenhum sentido, atualmente, em formar professores sem uma forte familiaridade com o uso de múltiplas plataformas digitais de aprendizagem. Ao se optar, exclusivamente, por formandos presenciais, há sim o risco, à luz da realidade atual, de termos formandos que desconhecem por completo elementos básicos da educação digital.

Por fim, chega a ser curioso que o Governo Federal não enxergue que esse preconceito tem a mesma raiz associada à sua dificuldade de entender o papel das tecnologias digitais no mundo contemporâneo, implicando diretamente em sua declarada e reconhecida fragilidade em se comunicar adequadamente nas redes. Não são fatos isolados; são complementares e elucidativos.

*Senador da República/MS (2016-2019), relator do Projeto da BNCC no Senado Federal e ex-reitor da Uniderp.

**Professor Titular de Física aposentado da Universidade Federal de Santa Maria e ex-secretário nacional da Educação Superior do MEC.

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