
Nem sempre o desejo de ter um filho se concretiza no tempo ou da forma que se imaginava. Quando as tentativas não resultam em gravidez, o impacto não se limita aos tratamentos: saúde física e mental, relacionamentos, autoimagem e vínculos familiares são colocados à prova. Esse peso se torna ainda maior porque, culturalmente, a infertilidade continua sendo vista como um problema do corpo feminino. Essa percepção distorcida direciona o olhar para as mulheres e concentra nelas a maior parte da responsabilidade emocional, clínica e simbólica do processo.

Em cerca de 40% dos casos, a infertilidade decorre de fatores masculinos. Ainda assim, as mulheres são, na maioria das vezes, as primeiras a serem investigadas, medicadas, examinadas e cobradas. A pressão se acumula dia após dia, e o sofrimento se deposita não apenas em seus corpos, mas também em seus pensamentos.
Isso não significa que os homens não sofram. Eles sofrem, muitas vezes, calados; e, por falta de espaço ou por exigência cultural, tendem a internalizar suas angústias. Mas, mesmo quando o sofrimento está presente dos dois lados, a resposta social à infertilidade é desigual: enquanto os homens são poupados de perguntas e julgamentos, as mulheres seguem como principais alvos da cobrança. Espera-se que estejam disponíveis, resilientes e preparadas. E, quando a pressão vem mascarada de conselhos que nada acrescentam, é a saúde mental feminina que sente o impacto primeiro.
No espaço familiar, onde se esperaria proteção, surgem cobranças veladas. Perguntas sobre “quando virão os netos”, comparações com outras gestações e sugestões genéricas sobre fé ou paciência contribuem para uma sensação de inadequação que adoece. Ainda que muitas dessas falas partam do desejo de ajudar, operam a partir do senso comum, ignorando a complexidade emocional da infertilidade.
É preciso romper esse ciclo. O sofrimento psíquico de quem tenta engravidar não pode seguir sendo deslegitimado. Cada tentativa frustrada representa uma perda real, e o luto não é menor só porque não pode ser visto. A família pode ser parte do problema, mas também da solução. Validar as emoções, respeitar o tempo e o processo alheios e evitar pressões são formas concretas de cuidado.
Ao fim e ao cabo, vale a máxima: há silêncios que sustentam mais do que mil discursos. Pois, na maior parte das vezes, não é a ausência de palavras que machuca, e sim o excesso delas, ditas para calar o próprio desconforto.
Se não souber o que falar, ofereça um abraço. Ele costuma dizer tudo.
(*) Autora de “Muito além do positivo”, Thalyta Laguna é psicóloga perinatal e pesquisadora na área de saúde reprodutiva.
