
Muitas pessoas me procuram, na escola ou no convívio social, para saber a partir de que momento da vida de uma criança é possível começar o ensino das virtudes. Os estudos e os escritos sobre o ensino das virtudes foram postos pela primeira vez por grandes filósofos, como Platão e Aristóteles, há cerca de 400, 300 a.C. Os grandes mestres deixaram um legado aos estoicos e também a Tomás de Aquino, santo da Igreja Católica, filósofo, professor e nomeado Anjo da Escola.

Na visão aristotélica, o homem é formado por três potências: a afetividade, a vontade e a inteligência. O filósofo afirmava que, para se formar homens resilientes, fortes, justos, temperantes, bons governantes e de bem, é necessária uma educação, desde a mais tenra idade, fundamentada em virtudes. Tomás de Aquino foi um grande admirador e estudioso delas. Em suas obras, analisou os escritos dos filósofos gregos e trouxe excelentes contribuições sobre as virtudes cardeais, sendo elas: temperança, fortaleza, justiça e prudência. Além dessas, temos também as humanas - ordem, sinceridade, obediência, pudor, generosidade, amizade, patriotismo, entre outras.
Mas, quando falar ou ensinar virtudes ao meu filho? Quanto antes melhor, mas nunca é tarde para começar. Portanto, a partir do momento que uma criança entende que ela é um ser humano e que não é mais uma extensão da mãe (próximo aos seis meses de vida), o trabalho pode ser iniciado. É claro que um bebezinho é movido pela rotina que a mãe, que a família e que os demais cuidadores disponibilizam para ele, mas é na organização dessa rotina - alimentação, sono, higiene e brincar - que iniciamos o contato com a temperança e as ordens, “controlando” e organizando a vida do bebê. Já com um ano de idade, a criança começa a demonstrar as suas preferências, as suas paixões, os seus desejos, as suas vontades e, quando ela é contrariada, raramente obedece na primeira vez. Normalmente, chora, contesta, se joga no chão ou arremessa o que tiver nas mãos. Nesse momento, ela está se descobrindo e, também, investigando e testando as pessoas que estão à sua volta, principalmente, os genitores. Então, se você não ensina a criança, desde pequena, que ela não pode ter tudo e que não é tudo na hora que quer, ela terá grandes chances de crescer sem um freio, tanto do ponto de vista interno (emocional e intelectual) quanto do externo (social).
Os grandes mestres deixaram um legado aos estoicos e também a Tomás de Aquino, santo da Igreja Católica, filósofo, professor e nomeado Anjo da Escola
Todos nós precisamos ter freios. Eles são importantes para desfrutarmos, com prudência, a liberdade. Servem para aprendermos a identificar e a lidar com os momentos de perigo, a afastar os vícios, a controlar nossos impulsos e a agir com respeito e tranquilidade nas diversas circunstâncias da vida. Por isso, devemos introduzir aos pequenos, de maneira simples e prática, a virtude da temperança. Por exemplo, as crianças e os adolescentes devem saber que não podemos viver em função das coisas, mas, sim, em função do tempo. Eles precisam entender que temos horários para estudar, para dormir, para rezar, para alimentar-se e para brincar/divertir-se. Compreender também que, quando não respeitamos essa organização da rotina, podemos ter consequências, como o baixo desempenho escolar e a aquisição de doenças por falta de sono, de higiene ou de uma alimentação saudável. Com isso, podemos afirmar que “tudo tem um onde, guardo já” e “tudo tem um quando, faço já”. Ao ensinar a criança e o adolescente a cumprirem com seus deveres, você estará, também, exercitando a virtude da fortaleza, pois é só por meio de esforços e de sacrifícios diários que conquistamos as grandes coisas.
No contexto doméstico, a virtude da ordem é muito simples de ser trabalhada. Podemos explicar para a criança que o quarto dela é o local para guardar os seus objetos pessoais, que a cozinha é onde ficam os utensílios de alimentação e que a sala é um ambiente coletivo, portanto, não pode ser um playground, pois é um espaço para toda a família usar. Na sequência, exemplificamos as consequências de não ser uma pessoa ordenada, pois, quando eu não sei onde estão os meus pertences, ao procurá-los, certamente vou me atrasar, porque perco tempo nessa ação.
Gosto muito de um pensamento do professor e escritor David Isaacs que diz, assim: “é impossível um ser humano viver a ordem interior se não viver a ordem externa”. A criança aprende e se organiza, inicialmente, pelo ambiente externo. Então, vale a reflexão: como queremos que nossos filhos sejam organizados se, quando eles entram no nosso quarto, veem sapatos jogados, toalhas de banho sobre a cama, gavetas transbordando de roupas não dobradas, ou percebem que sempre estamos atrasados para os compromissos? Nós somos o maior modelo que eles podem ter. Aristóteles já dizia: “imitar é natural ao homem”. Nessa linha, que sejamos os melhores exemplos dos nossos filhos desde bem cedo. Nosso papel enquanto pais é mostrar, nas pequenas atividades diárias, exemplos de atos virtuosos.
No contexto doméstico, a virtude da ordem é muito simples de ser trabalhada
No início, quando colocamos tudo isso num contexto prático da vida familiar, parecerá difícil e mecânica a criação de novos hábitos. Mas, com o tempo e por meio de conversas constantes e assertivas, sempre antecipando para seu filho o que você espera dele e o porquê você espera que ele se comporte de tal maneira, os resultados serão cada vez mais positivos. Selecione, no começo, de um a dois hábitos que sejam relevantes e invista seu tempo, seu conhecimento e sua paciência para desenvolvê-los. Após instalados, trace outros novos. Não coloque grandes metas em curto prazo. Procure manter o ambiente familiar repleto de carinho, mas atuando com firmeza, sempre que necessário. Não tenha dúvida de que tudo isso exigirá esforços e dedicação e não receie pedir ajuda a pessoas experientes no assunto. Com o decorrer dos meses, o clima familiar será outro. Garanto a você que será bem melhor. É só perseverar e exercitar bastante as virtudes da paciência e da fortaleza. Lembre-se: seu filho deve ser o seu melhor projeto de vida. Jamais desista dele.
*Talita Martins é pedagoga e mestre pela UFMS em Saúde, Educação e Desenvolvimento e diretora da Escola Harmonia.
