
Um tema que ganha relevo no contexto do debate acerca do contencioso judicial tributário: a adoção de medidas administrativas e o fortalecimento dos meios adequados de solução de conflitos, em um ambiente marcado pela solução dialogada.

Pesquisas[1] têm sido direcionadas para identificar as causas da alta litigiosidade em matéria tributária, levantando diversas hipóteses, das quais destacamos: o excesso de produção de normas e as deficiências relacionadas à elaboração, interpretação e aplicação da legislação tributária, a imprevisibilidade da jurisprudência e a morosidade em razão do fluxo e etapas de tramitação dos processos.
No âmbito da cobrança judicial usual, deparamo-nos com um baixo grau de recuperação do crédito tributário, demora na tramitação dos processos e elevados custos com a máquina administrativa. Atenta a esses fatores, a advocacia pública tem inovado e ofertado instrumentos que conferem em maior eficiência na arrecadação e, ao mesmo tempo, oportunizam conformidade fiscal ao contribuinte. Com isso, a idealizada melhoria do ambiente de negócios e o positivo impacto no desenvolvimento econômico dos entes federados.
Na nossa visão, estamos a falar de uma nova era na relação fisco-contribuinte. Ganham destaque nessa agenda princípios do Código de Processo Civil de 2015, como a consensualidade e a cooperação processual.
As procuradorias têm institucionalizado processos e procedimentos que externam filtros recursais, mediante dispensas de interposição de recursos baseadas em precedentes qualificados, e seletividade, a partir de pisos mínimos, para a inscrição da dívida ativa e o ajuizamento de execuções fiscais. Fixam-se fluxos de cobrança administrativa, como a prévia busca de bens, o protesto, a notificação extrajudicial e a oferta de parcelamentos.
Nessa lógica, a oportunização da transação tributária, abrangendo, inclusive, editais acerca de temas de disseminada controvérsia jurídica, e a regulamentação de institutos como o negócio jurídico processual e o pedido de revisão da dívida inscrita revela que os passos têm sido rumo a uma relação cooperativa e negociada.
Nessa direção, destaco a aplicação pelas procuradorias estaduais do Tema 1184 de repercussão geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)[2] que legitima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência do interesse de agir em abono ao princípio da eficiência administrativa.
O ajuizamento de execução fiscal passa a depender, cumulativamente, da tentativa de conciliação ou solução administrativa e do protesto de título, salvo motivo de eficiência administrativa. O valor mínimo do débito para justificar a mobilização da justiça deve ser razoável e proporcional segundo a Corte Suprema.
Registre-se, inclusive, que o atual trâmite de ações de execução fiscal não impede, segundo o STF, que os entes federativos peçam a suspensão do processo objetivando a adoção dessas medidas administrativas, devendo comunicar ao juiz acerca do prazo pertinente.
Sob esse raciocínio, instituindo tratamento racional e eficiente na tramitação das execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário, a Resolução 547 CNJ, de 22 de fevereiro de 2024, voltada para a aplicação daquele precedente (Tema 1184), exemplifica a tentativa de conciliação (parcelamento ou vantagem na via administrativa) e as hipóteses de dispensa do prévio protesto (comunicação aos serviços de proteção ao crédito; anotação da CDA em órgãos de registro de bens e direitos; e indicação de bens ou direitos penhoráveis do devedor na petição inicial da execução fiscal).
O referido normativo estabelece, ainda, a obrigação de extinção das execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000 quando do ajuizamento, sem que haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que positivo este ato, não tenham sido localizados bens penhoráveis.
Recentemente, aquela normativa restou alterada pela Resolução CNJ 617, de 12 de março de 2025, que determina, igualmente, a extinção, em qualquer fase processual, das execuções fiscais sem indicação do CPF ou CNPJ e a inclusão do crédito inscrito em dívida ativa no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin), de que trata a Lei Federal 10.522, de 19 de julho de 2002.
Outra eficaz medida imposta pelo novo regulamento refere-se à obrigação dos cartórios de notas e de registro de imóveis de realizarem a comunicação à prefeitura acerca das mudanças na titularidade de imóveis, observada a periodicidade de 60 dias, sem a cobrança de emolumentos aos entes públicos.
Merece resgate a experiência exitosa no estado de Mato Grosso do Sul do programa EXFIS Eficiente", no ano de 2024, materializada por meio do termo de cooperação judiciária interinstitucional firmado entre o Tribunal de Justiça, a Procuradoria-Geral do Estado, as Procuradorias Municipais, os Poderes Executivos Estadual e Municipais e o Tribunal de Contas Estadual, que harmonizou procedimentos e rotinas com foco na desjudicialização e no cumprimento do Tema 1184 do STF e dos citados normativos do CNJ, desencadeando na extinção de inúmeras execuções ficais.
Inovação que merece destaque – e cuja operacionalização depende da atuação em rede das advocacias públicas federal, estadual e municipal – é o uso do Cadin pelos estados, Distrito Federal e municípios para registro dos devedores inscritos na dívida ativa desses entes, mediante convênio com União (PGFN), conforme autorizou a Lei 14.973, de 16 de setembro de 2024, que alterou a Lei de 2002 (10.522). A medida contribui para constituir em mora e comprovar a inadimplência do devedor.
Destacamos, nesse rol de medidas administrativas, a averbação pré-executória, com base no artigo 25 da Lei 13.606/2018, que inseriu na Lei do Cadin (Lei 10.522/02) o artigo 20-B, para permitir à Fazenda, em caso de não pagamento do crédito inscrito em dívida ativa, "averbar a CDA nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis".
Ainda que em parte tenha sido mitigado o uso do instituto, já que para o STF[3] a Fazenda Pública pode averbar mas não decretar a indisponibilidade de bens sem decisão judicial ou direito ao contraditório, a averbação promove a transparência da dívida ativa, já que evita alienações fraudulentas e protege terceiros de boa-fé que tenham adquirido o bem.
Outra eficaz medida que permite à advocacia pública concentrar esforços nos créditos com maior perspectiva de recuperação consiste na criação de Núcleos Especiais de Cobrança de Créditos Fiscais, os quais, valendo-se de sistemas e cruzamento gerencial das mais diversas bases de dados, localizam o patrimônio dos devedores e realizam a classificação conforme a capacidade de pagamento (o chamado rating da dívida ativa do ente).
Merece um debate próprio, ainda, o PL 2488/2022, que tramita no Senado e propõe criar a nova Lei de Execução Fiscal, com previsão da "execução fiscal extrajudicial", cujo procedimento será realizado junto ao tabelionato de protesto, sendo exclusiva para créditos de pequeno valor.
A reflexão que fica é que esses e outros instrumentos têm impulsionado a advocacia pública para um lugar de maior destaque que o mero exercício do controle de legalidade da dívida e sua cobrança na esfera judicial, mas, sim, um papel importante na modernização da gestão da dívida, com evidente aperfeiçoamento de suas atividades, da governança e do autocontrole.
[1] A título de exemplo: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf
[2] RE 1.355.208, Rel. Ministra Cármen Lúcia, j. 19/12/2023.
[3] ADI 5886, Rel. Ministro Marco Aurélio, j. 09/12/2020.
(*) Ana Carolina Ali Garcia é Procuradora-geral do Estado de Mato Grosso do Sul, especialista em Direito Tributário pelo IBET e MBA em PPPs e concessões pela FESPSP. Secretária-geral e relatora da reforma tributária no âmbito do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg).
