
Há muitos motivos para o suicídio

A primeira vez que tive contato com a temática do suicídio, de maneira franca e despida de pudor, foi com a leitura do conto O Búfalo, de Clarice Lispector, escrito na década de 1960 e publicado na coletânea Laços de Família. Na história, acompanhamos uma mulher, vestida com casaco marrom, andando pelo zoológico à procura de um rosto que desperte seu ódio o suficiente para cumprir o que foi lá fazer: matar a si mesma. Busca coragem no leão, no macaco, no camelo, na girafa, no quati — e nada. Sofria de amor, ou melhor dizendo, de desprezo pelo homem amado. Enfim, encontra um bicho que desperta a violência necessária para, com a faca que carregava no bolso, tirar a própria vida. A mulher, de quem não sabemos o nome — porque poderia ser qualquer uma dos milhares que se suicidam todos os anos — não quis partir sozinha: ela exige a companhia da leitora, do leitor, até seu último momento.
Por que a mulher do conto se mata? Por desgosto de amor. Porém, como já demonstrava Émile Durkheim em seu famoso livro O Suicídio, publicado ainda no fim do século XIX, são vários os motivos que levam uma pessoa a tirar a própria vida. É certo, também, que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se a pessoa tivesse tido a oportunidade de uma escuta acolhedora e a coragem de colocar suas dores em palavras.
Às vezes, a pessoa não quer morrer, mas sim alívio para o sofrimento
Um outro exemplo literário é o de Severino, retirante, do poema dramático Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Sentindo-se naufragado no mar da miséria, sem forças para sair do lamaçal em que via apodrecer sua vida, ele pergunta de maneira direta e franca ao Seu José, mestre carpina: que diferença fazia se, em vez de continuar, pulasse fora da ponte e da vida. Severino encontrou um ouvido atento e teve a coragem de colocar em palavras toda a angústia que estava sentindo, e encontrou o que, no caso dele, foi a melhor saída: a de permanecer na vida. Assim como Severino, muitas pessoas querem, na verdade, encontrar um pouco de alívio para o sofrimento — que, às vezes, pode ser comparado a um enorme oceano vazio, incapaz de ser vencido por qualquer ponte.
Ouvir exige coragem
Para escutar uma pessoa em tamanha angústia e sofrimento é preciso ter coragem — e somente deve fazê-lo quem tiver equilíbrio mental e emocional suficiente. Seu José, mestre carpina, não fugiu da conversa, não deu sermão nem lição de moral. Não tentou mostrar que a vida é bonita e que vale a pena ser vivida. Ele manteve o diálogo, deu oportunidade para Severino expressar tudo o que sentia, e somente depois, com a celebração do nascimento de seu filho feita pelos vizinhos e pelas ciganas, foi que Severino pôde perceber que, no caso dele, a vida, mesmo que pequenina, severina, era digna de ser vivida.
Ouvir encoraja a pessoa em sofrimento a falar
O psicanalista francês Jacques Lacan, que também era médico psiquiatra, nos ensinou que, para ouvir outra pessoa, não é necessário compreendê-la. Se alguém que está pensando em suicídio encontrar quem tenha coragem e abertura subjetiva suficientes para escutá-la — sem julgamentos, condenações ou mesmo sem compreender seus motivos — é possível que encontre força para falar de sua angústia e sofrimento. Quando ela fala, de modo honesto e livre, sente alívio, o que abre caminho para talvez perceber que não deseja, de fato, pular fora da ponte e da vida, e acabe reencontrando razões para sentir que sua existência vale a pena. De fato, abrir os ouvidos, a mente e, se possível, o coração para ouvir alguém em sofrimento pode salvar uma vida.
Que a vida valha a pena!
(*) Francisco Neto Pereira Pinto é psicanalista, professor e escritor. Doutor em Letras. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins. Autor de Saudades do meu gato Dom. Instagram: @francisconetopereirapinto.
