
Uma manutenção de rotina no farol de Cape Bruny, na Tasmânia, sul da Austrália, acabou revelando um pedaço esquecido da história local. O pintor Brian Burford, que realizava serviços no interior da estrutura tombada, encontrou escondida dentro de um buraco na parede uma garrafa de vidro lacrada, que guardava cuidadosamente uma carta escrita à mão datada de 1903. O conteúdo detalha as melhorias feitas no farol naquele ano, quase sete décadas após a construção original, em 1838.

A descoberta foi divulgada neste sábado (2) pelo jornal britânico The Guardian e rapidamente chamou atenção por seu valor histórico e simbólico. Segundo a gerente de patrimônio histórico do Serviço de Parques e Vida Selvagem da Tasmânia, Annita Waghorn, o pintor ficou emocionado ao perceber que havia encontrado uma verdadeira cápsula do tempo.
“Ele ficou tão animado que me ligou e disse que havia encontrado uma mensagem em uma garrafa”, relatou Waghorn ao jornal.
A garrafa estava firmemente vedada com uma rolha envolta em betume — uma substância de aspecto semelhante ao asfalto —, o que exigiu trabalho especializado para abrir o frasco sem danificar seu conteúdo.
O delicado processo de extração e leitura da carta foi realizado por especialistas do Museu e Galeria de Arte da Tasmânia. “A garrafa estava selada com uma rolha revestida de betume, o que dificultou a abertura”, explicou Cobus van Breda, restaurador do museu, em entrevista à emissora pública ABC.
Após remover cuidadosamente o conteúdo — duas folhas de papel envelhecido, mas surpreendentemente bem preservadas, a equipe do museu levou alguns dias para conseguir decifrar o texto manuscrito, que traz informações sobre reformas realizadas no farol em 1903. Entre as melhorias listadas estão a instalação de uma nova escada, um piso renovado, uma sala de lanterna e a substituição da lente.
Ainda que o nome do autor da carta não tenha sido revelado, os especialistas acreditam que a mensagem tenha sido deixada por operários ou responsáveis pela obra realizada no início do século XX. O gesto, comum em algumas construções da época, era uma forma de registrar a intervenção para futuras gerações, algo que, no caso do farol de Cape Bruny, levou mais de um século para ser redescoberto.
“É um testemunho emocionante do cuidado e da visão daqueles que trabalharam aqui antes de nós”, afirmou Waghorn. “A carta fala de maneira simples sobre modificações físicas, mas carrega um valor imensurável sobre como essas pessoas enxergavam seu trabalho e o futuro.”
Erguido em 1838, o farol de Cape Bruny é uma das estruturas coloniais mais antigas da Tasmânia e desempenhou papel fundamental na segurança da navegação ao sul da ilha por mais de um século. Hoje desativado como equipamento de sinalização marítima, ele integra o sistema de patrimônio histórico da Austrália e é um dos principais pontos turísticos da região.
Com localização isolada e vista panorâmica do mar da Tasmânia, a estrutura se manteve praticamente intacta, resistindo ao tempo e às intempéries. A manutenção realizada por Burford fazia parte de um projeto contínuo de preservação da edificação histórica.
Com o conteúdo já preservado e decifrado, a carta de 1903 será agora colocada em exposição permanente no Museu e Galeria de Arte da Tasmânia. A expectativa é que a descoberta fortaleça o interesse pela história da região e atraia visitantes interessados em conhecer de perto esse achado raro. “É incrível pensar que uma mensagem ficou aguardando por 120 anos até ser revelada”, comentou van Breda. “Estamos orgulhosos de preservar esse pequeno pedaço da nossa história para as futuras gerações.”
A carta será exibida ao lado da garrafa original e de réplicas da lente e outros componentes do farol mencionados no documento. Um painel digital explicará ao público o contexto histórico das reformas realizadas na virada do século e o papel dos faróis na colonização da costa australiana.
A descoberta reacende o fascínio por mensagens em garrafas, uma tradição romântica e simbólica que atravessa séculos. Mais do que simples bilhetes, essas mensagens representam conexões entre tempos distintos e, muitas vezes, entre pessoas que jamais se conhecerão.
No caso do farol de Cape Bruny, a garrafa não traz um pedido de socorro ou um poema lançado ao mar, mas sim o registro técnico de uma obra. Ainda assim, seu valor não é menor. Ao contrário: revela a seriedade e o cuidado com que os trabalhadores do passado viam suas funções, e o desejo de deixar um legado, ainda que anônimo.
A reação do público e da comunidade local tem sido de entusiasmo e curiosidade. O governo da Tasmânia pretende incentivar outras pesquisas em prédios históricos da região, que podem esconder segredos semelhantes. A equipe que trabalha na manutenção do farol já avalia a possibilidade de haver outros documentos escondidos em pontos ainda não explorados da estrutura.
Para Annita Waghorn, a garrafa encontrada no Cape Bruny representa um elo inesperado entre passado e presente. “É como se aquelas pessoas estivessem falando conosco, mais de cem anos depois. Isso nos faz pensar sobre o que deixaremos para quem vier depois de nós.”
