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REPRESENTATIVIDADE

Lui relata seu entendimento e história como pessoa não-binária: "Um processo constante"

Depois de muitas palestras sobre gênero e sexualidade no início da faculdade, a identificação veio no ano passado quando conseguiu expressar sua performance de gênero

25 junho 2021 - 08h00Victória de Oliveira
Lui Soares teve um longo caminho até se entender como não-binário, e relata ser uma construção constante
Lui Soares teve um longo caminho até se entender como não-binário, e relata ser uma construção constante - (Foto: Arquivo Pessoal)

Reconhecer a si mesmo leva tempo. Lui Soares, 24, entendeu-se como pessoa não-binária com gênero fluído após um término de relacionamento, mas desde a infância não se enxergava dentro de um corpo cisnormativo. Depois de muitas palestras sobre gênero e sexualidade no início da faculdade, a identificação veio no ano passado – quando conseguiu expressar sua performance de gênero.

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Lui contou ao Light que sua relação com a não-binariedade é um entendimento constante. “É uma construção social. Não é algo que a pessoa descobre, e pronto. Ele nunca acaba. É um processo tão fluído que você vai se expressando conforme seu autoconhecimento. Não é simples, é algo muito mais complexo”, relata.

Antes de entender sua identidade gênero, conta que tinha algo a mais em seu corpo, mas não sabia o que era. “O processo de conhecimento foi bem complicado. Quando eu era criança, tinha um lado ligado ao feminino. Na adolescência, me identifiquei como homossexual, mas sempre tive a questão da feminilidade negada. Eu não me via dentro de um corpo normativo, hétero e cisgênero. Descobri a arte drag queen e achei que fosse isso, mesmo nunca tendo executando”, recorda.

Lui é trans não-binário - (Foto: Arquivo Pessoal)

Você já deve ter se deparado na internet com o termo “gênero não-binário”, que, apesar de não ser novo, ganhou muita repercussão nas últimas semanas por conta de celebridades que se identificam como não-binárias.

Pessoas que fogem do binarismo são aquelas que não se delimitam dentro da dualidade feminino e masculino. Algumas não se sentem nem como um nem como outro, já outras, como é o caso de Lui, por exemplo, ficam entre os dois gêneros.

Antes de aprofundar mais questões sobre a não-binariedade, é importante entender dois conceitos ligados ao gênero: cis e trans. O primeiro refere-se a indivíduos que se identificam com o gênero do nascimento, isto é, quando uma pessoa que nasce em um corpo feminino se identifica como tal e vice-versa, enquanto o segundo está ligado a não-identificação com o gênero dado no nascimento, ou seja, uma mulher que veio ao mundo no corpo masculino e não se entende como um homem é uma pessoa transexual.

De acordo com João Vilela, psicólogo e secretário estadual do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade do Mato Grosso do Sul (IBRAT/MS), pessoas não-binárias são inseridas na transexualidade, uma vez que essas são todos os indivíduos que não se identificam com o gênero que foi imposto no nascimento. Explica, ainda, que essa identidade é um “guarda-chuva”, que abarca várias identidades dentro de si, como, por exemplo, agênero (pessoa isenta de gênero) e gênero fluído (que transitam entre o masculino e feminino).

Ele esclarece, também, que a expressão de gênero é uma construção social. “Dentro da psicologia, a identidade de gênero é uma construção social, até porque as coisas lidas como masculinas ou femininas vão mudando de acordo com as épocas, com a cultura e com a sociedade”, explica.

A não-binariedade está relacionada a um processo político, uma vez que quebra os padrões sociais de dicotomia de gênero. “É extremamente político, porque sai fora da hegemonia da sociedade. O não já traz toda uma negação do binário, que é a dicotomia feminino e masculino, designado desde o nascimento para o indivíduo ter uma performance diante aos papeis sociais expostos na sociedade. Ser não-binário é contra uma normativa muito presente na comunidade, é um aspecto que traz todo um movimento político e de afirmação que foge apenas do masculino e feminino”, conta Lui.

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Opta por ser chamado pelos pronomes elu/ele - (Foto: Arquivo Pessoal)

Outro ponto de expressão de pessoas não-binárias é por meio da linguagem neutra. Nesse caso, as palavras são adaptadas para quebrar a identificação por gênero. Um exemplo são os pronomes ele e ela, que no neutro viram elu. Substantivos terminados em a/o levam, muitas vezes, a letra e no final: amigo/amiga/amigue. Há palavras, no entanto, que não mudam sua forma, por já serem neutras gramaticalmente, como é o caso de estudante e presidente.

O professor da rede básica de ensino, Paulo Nicolau, relata que esse tipo de expressão é totalmente aceita dentro da linguística. “A língua é dinâmica, está em constante mudança. Ela assume um caráter arbitrário, não há quem defina ou especifique o nome e gênero das coisas. A linguagem se torna um elemento que, além de organizar e justificar o posicionamento não-binário, ainda o representa e materializa”, argumenta.

O professor também reforça o caráter social e político da não-binariedade. Ele explica que essa identidade é fruto do movimento baseado em representações sociais. “Se existe o neutro na linguagem, isso é justificativa de que há também o neutro no social, dispensando o conceito natural de masculino e feminino”, esclarece.

Um grande ponto da linguagem neutra e, consequentemente, do movimento não-binário é o uso de pronomes, tendo em vista que eles são utilizados como uma maneira de referência a alguém. Como já citado, o pronome neutro correto é elu/delu, porém, é necessário perguntar a pessoa com qual ele se sente mais confortável em ser chamada. No caso de Lui, a preferência é por elu ou ele, e optou por ser tratado como a primeira opção.

Elu conta que é adepto da linguagem neutra, especialmente em documentos, pois é onde se sente incluído, e reforça que, no dia-a-dia, não possui pronomes específicos e gosta de todos. “Gosto do pronome neutro, mas, algumas vezes, gosto de ser tratado no feminino, algumas no masculino – e é o que mais causa espanto, por ser muito ligado a questão do machismo. Fico entre ela/ele, mas não tenho tanta questão com os pronomes utilizados”, comenta.

Sua história com a neutralidade da língua começou em palestras, mas não foi muito bem compreendida a princípio. “Quando algum evento coletivo utiliza a linguagem neutra, eu me sinto representado sim. A primeira vez que eu ouvi foi em um evento. O palestrante usou os termos todas, todos e todes. Da primeira vez eu ignorei, mas ele repetiu mais umas duas ou três vezes. Quando eu parei para prestar atenção e pesquisar, foi onde me identifiquei. Sabe aquela sensação de coletivo? ”, relembra.

Um episódio marcante em sua vida relacionado a esse tipo de linguagem foi um ataque virtual que sofreu dentro do meio acadêmico, onde estuda Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Por ser presidente da atlética de seu curso, tem o costume de montar posts de acolhida aos calouros nas redes sociais.

Em um deles, utilizou a expressão “Sejam bem-vindes caloures” e não foi bem aceito por outros membros da universidade. Elu conta que o recado parar em um grupo de Facebook como uma piada e que as reações não generosas e apontavam a frase como errada, por não estar dentro das normas gramaticais.

Lui gosta de brincos gigantes e não abandona o batom vermelho - (Foto: Arquivo Pessoal)

Esse não é o único tipo de preconceito com o qual lida. “Uma das coisas que mais me impactam ainda, apesar de eu não ligar, são os olhares das pessoas. Mas isso é uma forma de eu criar um escudo e ser forte diante às críticas e julgamentos. É uma forma de mostrar que eu existo e que não vou tirar meu salto ou meu batom por causa do desrespeito dos outros, que é uma obrigação individual. Vou apenas seguir em frente e continuar me expressando como sou”, destaca. Acrescenta que mora com sua avó, quem o apoia muito.

“Vermelho? Gostei!”, afirmou quando viu o neto utilizando um batom pela primeira vez. Lui conta que não teve uma “aceitação” da parte dela, pois é algo normal e intrínseco em sua vida. “Não explico meu gênero a outras pessoas, porque não cabe a elas me aceitarem. É quem eu sou. A aceitação cabe somente a mim, até porque essa questão é algo totalmente individual e interno, então, você quem precisa se aceitar”. Conheça mais da história de Lui em seu Instagram.

No meio artístico

Da esquerda para direita, respectivamente, Demi Lovato, Miley Cyrus, Cara Delevigne, Ruby Rose, Sam Smith e Sara Ramírez - (Foto: Reprodução/Internet)

Em maio, a cantora e atriz internacional Demi Lovato contou em publicação em seu Instagram que se identifica como pessoa não-binária. Além dela, outras personalidades como Sam Smith, dono do hit “Stay With Me”, Sara Ramírez, mais conhecida por sua personagem “Callie” na série “Grey’s Anatomy”, Miley Cyrus, Ruby Rose e a modelo Cara Delevigne também possuem essa identidade de gênero.

Bárbara Paz

Bárbara Paz contou à podcast sua não-binariedade - (Foto: Reprodução/Internet)

No Brasil, Bárbara Paz, atriz, relatou recentemente ao podcast “Almasculina” sua não-binariedade. "Sou uma pessoa inquieta. Uma mulher, um homem, não binária. Descobri que sou não binária há pouco tempo. Um amigo meu falou que eu era, e eu acreditei, entendi", afirmou.

Os youtubers Bryanna Nasck e Noah explicam seus relatos com o não binarismo em vídeos emocionantes. Confira:

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