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Comidas gostosas, dinheiro escondido, histórias e ensinamentos. Essas são algumas das lembranças mais comuns dos brasileiros quando o assunto é “vó” e “vô”. O Dia dos Avós é comemorado nesta segunda-feira (26) e o caderno Light mostra como a presença dos avós na vida dos netos pode ser considerada um patrimônio cultural brasileiro.

Quem nunca recebeu um “dinheiro para o lanche” dos avós? Mas claro, acompanhado de um “não conte para ninguém”. Ou até mesmo comeu aquela comida gostosa de vó até a barriga doer? Sem falar na falta de regras e limites, afinal, na casa dos avós tudo é liberado, seja dormir até mais tarde ou fazer somente o que gosta.
Janaína Araújo, 20, pode falar com prioridade sobre o assunto. A estudante de Jornalismo nascida e criada em Três Lagoas relata que sempre foi muito grudada aos avós maternos, Emília Santos de Araujo e Oswaldo de Araújo. “Até os meus 8 anos de idade eu cresci na fazenda onde meu pai trabalha até hoje. Depois de um tempo, minha mãe mudou para a cidade para trabalhar. Quando ela estava nesse período de estudar e fazer prova para concurso, eu acabava ficando com meus avós, então, sou muito grudada neles”, explica.
Janaina, aos 13 anos, com a irmã e avós - (Foto: Arquivo pessoal)
Por ficar muitos momentos com os avós, muitas lembranças surgem para Janaína. Uma das coisas mais marcantes é, definitivamente, a comilança típica dos mais velhos, além das histórias dos tempos antigos. Alguns estereótipos de avós ficaram marcados na neta.
“A minha avó sempre faz muita comida. Quando eu chego lá ela sempre quer servir alguma coisa, uma bolachinha, um suco, e falando para comermos mais. Não adianta dizer que está satisfeita, minha avó sempre vai insistir para colocar mais coisa para dentro. Eles estão sempre contando histórias da época deles também, apesar de meu avô ser mais ‘caladão’. Sempre tem papo sobre quintal, cozinhar, que é um interesse em comum dos dois”, recorda.
Outra coisa que a estudante não deixa de mencionar é a costumeira angústia dos avós com o mundo moderno. “Um dos maiores estereótipos de avós, para mim, é a preocupação dos dois. Saí de Três Lagoas e fui para Campo Grande estudar, então os dois, que são de cidades pequenas e interioranas, ficaram com aquela preocupação do tipo: tome cuidado, olha a cidade grande e tudo mais”, conta.
Uma curiosidade interessante em sua vida é a questão do seu aniversário coincidir com o Dia dos Avós, o que, hoje em dia, rende presentes e risos entre ambas as partes. “Eu demorei para descobrir essa coincidência, foi somente aos 12 anos que eu entendi que as celebrações batiam. Eles sempre comemoram o meu aniversário, e eu fiquei chocada, tipo, como assim todo aniversário eles fazem algo para mim e eu nunca faço para eles. Aí naquele aniversário fiz uns presentes para eles, cartinhas e desenhos, e entreguei. Eles também não sabiam dessa coincidência e ficaram super felizes”, lembra.
A data dedicada aos avós não é só comemorada no Brasil. Portugal e Espanha, por exemplo, também separaram esse dia para celebrar os laços, em referência ao dia de Santa Ana e São Joaquim, avós de Jesus Cristo. Em outras partes do mundo, a festividade é um dia antes, no dia 25, com o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, sendo lembrada, inclusive, pelo Papa Francisco num vídeo especial divulgado nesta sexta-feira (23).
Algo inegável é que, além dos estereótipos, o que fica marcado na vida dos netos são as memórias, especialmente para aqueles que já perderam seus entes queridos.
“Melhor amiga e cúmplice” são os adjetivos que definiam dona Ivanir Ximenes, ou Ivana para os íntimos, avó paterna da acadêmica Emily Alves de Lima, 22. A neta conta como sua criação foi rica e afetuosa ao lado da “segunda mãe”.
“A ligação com a minha avó é desde muito cedo. A minha mãe trabalhava em três períodos para sustentar a casa e não tinha muito tempo disponível, então minha avó ajudava ela a cuidar de mim e da minha irmã. Acho que não tenho uma só memória de infância que não seja ao lado dela. Era com ela que eu dormia, ia ao médico, via filmes e novelas, dançava ao som da sua cultura paraguaia e confidenciava minhas alegrias e angústias. Ela me marcou muito, me viu crescer”, relata Emily.
Emily com a avó e a irmã - (Foto: Arquivo pessoal)
Os detalhes dessas lembranças, além de deixar o coração quentinho, são os que registram o amor em diferentes formas. No caso de Emily, assistir a um simples filme já é motivo suficiente para lembrar da avó com gratidão. “Eu amava nossa rotina simples: acordar de manhã, ir à escola, brincar depois do almoço e poder ver a Sessão da Tarde na companhia dela. Eu sempre abria o ‘berreiro’ ao menor sinal de que algum animal pudesse morrer durante o filme, e ela sempre brincava comigo cantando ‘eita mulher chorona, chora feito uma sanfona’. Na época eu ficava muito brava mas hoje lembro e dou risada”, brinca.
Quando o assunto é evitar a bronca dos pais, a gente sabe que correr para as asas dos avós é algo quase natural e divertido, principalmente pela dose extra de paciência e afeto dos bons velhinhos para os ensinamentos da vida. “Dona Ivanir era minha conselheira. Quando eu fazia besteira na escola e ligavam em casa para avisar, antes de falar para a minha mãe, ela conversava comigo para me fazer entender que aquilo não era certo e dizia ‘eu não quero ver sua mãe brigando com você, por isso tem que se esforçar’. Eu sinto muito que ela não pôde ver em vida a pessoa que me tornei. Ela sabia quem eu era de verdade, por isso sempre encorajava a ser sincera comigo mesma”, afirma Emily.
Apesar de saber que “a vida é trem-bala, e a gente é só passageiro prestes a partir”, como na canção de Ana Vilela, a dor que fica quando um ente querido se vai é imensurável. A avó de Emily faleceu em setembro de 2016, deixando saudade e um vazio permanente na jovem.
“Eu nunca pensei que ia perder ela para os momentos mais importantes da minha vida, era irreal. Uma das minhas tatuagens é sobre a última foto que ela tirou sorrindo, durante o aniversário de 15 anos da minha irmã também em 2016, onde ela estava feliz, sorridente, comendo e brincando. Se eu soubesse que era seu último momento com tanta alegria, eu ia permanecer grudada, pegando aquela mãozinha até o final da festa”, lamenta.
Emily fez até uma tatuagem para homenagear a avó - (Foto: Arquivo pessoal)
A tatuagem, segundo Emily, é uma forma de eternizar na pele a sua foto favorita da sua pessoa favorita no mundo. “Quando eu fiz a tattoo, foi algo emocionante. Ela sempre me chamava de ‘filha’, ‘coração de ouro’ ou de ‘minha rosinha’, por isso o desenho tem referências sobre isso”, explica.
O que acalenta Emily em mais um Dia do Avós sem a sua “paraguaia” é tê-la amado intensamente no tempo em que passaram juntas e ter demonstrado isso da melhor maneira possível. “Desde a minha infância ela falava: ‘eu oro todo dia para Deus que quando eu der trabalho ou não seja mais independente, Ele me leve. Não quero sofrer nesta Terra, quero ir dormindo’. Ela passou os últimos meses de vida em casa e sei que ter descansado foi a melhor coisa. O que mais sinto falta é não poder ser vulnerável por ela não estar aqui, falta do abraço e do cheiro. Ela vive em mim, e se foi sabendo o quanto eu a amava e apreciava. Eu só gostaria de ter tido mais tempo”, declara.
Para uma data tão especial, vale ressaltar o privilégio em poder comemora-lá ao lado dos seus velhinhos favoritos, ou seja, fazer valer a pena cada segundo desse amor incondicional. "Aproveitem muito a presença, os conselhos, as histórias que todos os avós contam. Os abraços e beijos também. Essas coisas marcam nossa vida da forma mais positiva, e todo esse sentimento que mantemos dentro do peito mantém eles vivos na gente, sabe? Somos uma extensão da história deles e eu fico muito feliz e grata por ter tido minha avó do lado por tanto tempo”, finaliza Emily.
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