
Nesta terça-feira (26), Campo Grande completou 126 anos. A cidade que cresceu ao som dos trens viu, mais uma vez, os trilhos do passado dividirem espaço com o presente. Na comemoração, teve corrida, pódio, arte e memória.

Enquanto a cidade celebrava com a tradicional Corrida do Facho, nos arredores do centro um vagão de trem esquecido ganhava nova vida. A arte chegou ali pelas mãos de Leonardo Mareco, artista visual de 27 anos — e também vice-campeão da corrida, pela equipe masculina da Turma do Longo.
Leonardo Mareco, artista visual e vice-campeão pela equipe Turma do Longo, durante a Corrida do Facho nos 126 anos de Campo Grande
O grupo conquistou o segundo lugar na prova masculina, enquanto a equipe feminina foi campeã. “Mais do que medalha, foi superação e trabalho em equipe”, escreveu a turma nas redes sociais.
Mas Mareco não parou na linha de chegada. Pouco depois, estava diante do vagão abandonado no terminal de cargas de Campo Grande — o chamado Porto Seco —, colando uma grande imagem: uma criança preta de frente para o trem, com a palavra “arteiro” escrita acima.
A ideia nasceu após uma troca de mensagens com o amigo Duka Martins, diretor do curta-metragem que registra o processo criativo de Mareco. Duka havia feito imagens de drone do pátio ferroviário e, ao vê-las, Leonardo visualizou a obra ali.
“Minha arte busca ocupar lugares esquecidos. Os trens fazem parte da história da cidade, mas a gente quase não vê mais”, explicou.
Chegar ao topo do vagão não foi simples. Não havia escada, o vento era forte, a estrutura metálica estava enferrujada. Mas, com a ajuda de Duka, ele conseguiu subir. “Confesso que tive medo da altura”, disse.
A colagem já existia. Faltava só uma palavra. "Arteiro", como a mãe o chamava na infância, surgiu como forma de ressignificar o termo. “Arteiro também é quem cria, quem tem coragem. É quem ocupa os espaços com arte.”
A intervenção aconteceu num cenário de abandono. O vagão é um dos vários que estão parados no pátio do terminal, cuja obra foi concluída em 2020, com R$ 30 milhões de investimento, mas até hoje não entrou em operação. (Clique aqui e confira o vídeo).
Campo Grande tem uma história ferroviária que remonta a 1914, quando os primeiros trilhos da Noroeste do Brasil chegaram à cidade. A ferrovia ajudou a formar bairros, movimentou o comércio, trouxe imigrantes, deu ritmo ao crescimento.
Hoje, parte dessa história está tombada pelo Iphan, mas boa parte segue esquecida. A antiga Rotunda, por exemplo, onde se faziam manutenções das locomotivas, está em ruínas. Outros pontos, como o Armazém Cultural, foram restaurados e ganharam novo uso.
A arte de Mareco, colada com cola e coragem, provoca o olhar. É um lembrete de que o passado ainda mora aqui. Que a cidade pode parar, mas a arte segue em movimento.
E assim, no dia em que Campo Grande soprou 126 velinhas e o povo correu pelas ruas com tochas na mão, um artista subiu num vagão e deixou ali um presente: uma obra feita de memória, afeto e tinta.
