
Dr. Alberto Jorge Félix não é só um nome conhecido entre famílias de Campo Grande. Com 40 anos de experiência em pediatria e responsável técnico pelo Imunitá – Centro de Imunização, ele acompanha de perto a evolução das doenças que afetam crianças e adolescentes. Na manhã de 19 de agosto, falou ao vivo a uma rede estadual de rádio com ampla audiência digital. Na pauta: a volta do sarampo às Américas e os perigos de ignorar a vacinação. Com tom sereno e direto, o médico defendeu a imunização como “um dever social” e pediu atenção especial à situação em áreas de fronteira.

A CRÍTICA – O sarampo havia sido erradicado no Brasil. Por que voltamos a falar sobre essa doença?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Porque o vírus está circulando de novo nas Américas. Já tivemos casos na Bolívia, Argentina, México e nos Estados Unidos. Com o fluxo intenso de pessoas entre países, a doença pode chegar ao Brasil novamente. A cobertura vacinal caiu nos últimos anos e isso nos deixa vulneráveis. Se a gente baixar a guarda, o sarampo volta — e volta rápido.
A CRÍTICA – O surto na Bolívia preocupa o senhor?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Muito. Mais de 200 casos já foram registrados por lá neste ano. O risco é maior em regiões de fronteira, como Corumbá e Ladário, onde há trânsito frequente de pessoas. Já tivemos casos importados no Brasil em outras ocasiões. O vírus é altamente contagioso. Uma pessoa infectada pode transmitir para 90% dos não vacinados com quem tiver contato.
A CRÍTICA – Quem deve se vacinar?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Todas as pessoas entre seis meses e 59 anos devem ter suas doses atualizadas. As crianças tomam a primeira dose da tríplice viral aos 12 meses e a segunda aos 15 meses. Agora, com o risco elevado, recomendamos uma dose extra — a chamada dose zero — a partir dos seis meses. Adultos até 29 anos devem ter duas doses registradas. Entre 30 e 49 anos, uma dose é suficiente. Se a pessoa não lembra se tomou ou perdeu a caderneta, deve procurar a unidade de saúde mais próxima. É melhor tomar uma dose a mais do que ficar desprotegido.
A CRÍTICA – Essa orientação vale para quem já teve sarampo?
ALBERTO JORGE FÉLIX – A pessoa que já teve a doença geralmente desenvolve imunidade. Mas, em caso de dúvida, o mais seguro é se vacinar. A vacina é segura, eficaz e está disponível gratuitamente no SUS.
A CRÍTICA – O que diferencia o sarampo de outras viroses?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Além de ser extremamente contagioso, o sarampo pode ter complicações graves. Em crianças pequenas, pode causar pneumonia, otite, encefalite. Em adultos, também pode ser perigoso. A doença começa com febre, mal-estar, tosse, conjuntivite e manchas vermelhas no corpo. Mas o problema maior é a rapidez com que ela se espalha.
A CRÍTICA – Quais os impactos da baixa cobertura vacinal?
ALBERTO JORGE FÉLIX – A queda na cobertura abre brechas para o vírus circular novamente. Nós perdemos o certificado de país livre do sarampo em 2016 e só recuperamos em 2024. Foi uma conquista. Mas manter esse status exige esforço contínuo. Não adianta termos 70% ou 80% de vacinados. Para conter o sarampo, a cobertura precisa estar acima de 95%.
A CRÍTICA – Além da vacina, o que mais pode ser feito?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Manter as crianças bem alimentadas, hidratadas, com rotina saudável e evitar exposição em períodos de infecção. Mas nada substitui a vacina. Ela é a principal defesa que temos. É obrigação de todos manter a carteira de vacinação em dia.
A CRÍTICA – Como o senhor vê o papel das campanhas de comunicação nesse cenário?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Essas campanhas são essenciais, ainda mais agora, com o volume de informações falsas circulando. A população precisa confiar na ciência. A vacina do sarampo é uma das mais eficazes que existem — tem entre 97% e 99% de eficácia. Falar sobre isso em rádio, TV, redes sociais e nas escolas é indispensável.
A CRÍTICA – O senhor sente que há resistência à vacinação?
ALBERTO JORGE FÉLIX – Em parte, sim. Há dúvidas, medo, desinformação. Mas muitas vezes é só falta de orientação mesmo. Quando a informação chega de forma clara, a maioria das pessoas entende a importância. A vacina é um ato de amor e responsabilidade.
