
Em entrevista ao jornal A Crítica, Dorival de Oliveira, gerente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Estado de Mato Grosso do Sul (SetLog/MS), destacou o compromisso do sindicato em participar da Rota Bioceânica como uma nova via de exportação para o Brasil.

A rota pretende otimizar o escoamento de produtos brasileiros pelos portos do norte do Chile e promover uma integração econômica e cultural entre os países sul-americanos. Dorival ressaltou a importância de modernizar as leis aduaneiras no Brasil, pois o atual sistema burocrático é um grande obstáculo para o comércio exterior, resultando em demoras significativas nos processos.
Ele ainda frisou que, para que a rota funcione plenamente, o país precisa investir em infraestrutura, treinamento de profissionais e estabelecer acordos internacionais mais eficientes, à semelhança de blocos como a União Europeia. Confira a entrevista na íntegra:
A Crítica: Qual a importância de estar fazendo parte desse momento para MS?
Dorival: É com grande satisfação que temos acompanhado e lutado para que essa rota seja concluída rapidamente. Queremos oferecer uma nova opção de trabalho para as pessoas da nossa região e uma alternativa eficiente e econômica para os produtores escoarem seus produtos, utilizando os portos do norte do Chile. Além disso, buscamos promover a integração entre os povos dessa região, pois somos todos um só, Guarani Kaiowá e outras etnias que formam esse grande povo nativo da América do Sul.
A Crítica: E essa rota vai além de uma simples rota rodoviária, transformando não apenas a relação econômica, mas também a relação cultural e o desenvolvimento da região...
Dorival: Sim, essa rota recebe o nome de Rota de Integração justamente por isso. A ideia é integrar todas essas comunidades, pois, historicamente, nós brasileiros sempre tivemos o olhar voltado para o Oceano Atlântico, deixando de lado a região oeste do país. Isso se deu por conta de barreiras como a língua, a falta de infraestrutura e obstáculos físicos. Agora, com essa estrutura sendo criada e essa rodovia em desenvolvimento, acreditamos que teremos uma interação muito maior com nossos irmãos aqui da América do Sul.
Dorival participou do Giro Estadual de Notícias
A Crítica: Quando falamos sobre a criação dessa ponte, também nos referimos à atenção especial que o governo brasileiro e os demais governos da região devem ter, especialmente no que diz respeito à segurança pública. E como isso vem sendo trabalhado ao longo desse processo?
Dorival: Desde o início, nossa preocupação foi incluir não apenas as autoridades, mas também o meio acadêmico nesse projeto de integração. Sabemos que apenas a dimensão comercial não seria suficiente; é fundamental o apoio das comunidades locais e a interação de todos, para que os benefícios sejam amplos. Isso é especialmente importante para o pequeno produtor, que terá a oportunidade de acessar um mercado muito maior para seus produtos. No entanto, para que tudo isso funcione, precisamos de segurança pública, garantindo um tráfego seguro e sem obstáculos. Queremos que nossos vizinhos sul-americanos também possam vir ao nosso estado e ao Brasil com tranquilidade. Precisamos criar condições para que o Mercosul e outros instrumentos de integração funcionem na prática, e não apenas na teoria. Hoje, nossos principais negócios são com a Ásia, enquanto as relações comerciais com a América do Sul ficaram em segundo plano.
A Crítica: Neste ano, um grande número de pessoas, incluindo empresários e autoridades, participou daquela expedição e percebeu a forte presença do setor. Qual foi o principal retorno que vocês obtiveram dessa experiência com a Rota Bioceânica?
Dorival: Desde 2013, a diretoria do SetLog/MS tem se dedicado a buscar alternativas mais eficientes e econômicas para o escoamento da produção. Promovemos campanhas e, após a definição do traçado, podemos afirmar com orgulho que a rota escolhida foi aquela que o SetLog propôs, resultado de diversas reuniões com autoridades do Brasil, do governo federal, estadual, e dos governos do Paraguai e da Argentina. Esse traçado foi definido como o ideal, pois, quando o setor produtivo participa desse processo, conseguimos agir de forma mais ágil e precisa.
É importante destacar o empenho do governo paraguaio, que assumiu a maior parte das obras, com o trecho rodoviário praticamente concluído e a ponte internacional em avançado estágio, financiada com recursos da Itaipu paraguaia. Essa ponte, que já tem mais de 60% das obras concluídas, deve estar pronta até o final do próximo ano, dependendo da liberação pelas autoridades.
A Crítica: Um dos grandes desafios para a implementação completa da Rota Bioceânica é a melhoria das rodovias e a coordenação aduaneira entre os países envolvidos. Como o sindicato e o SetLog estão colaborando atualmente com outras entidades e autoridades para superar esses obstáculos?
Dorival: Desde o início, temos mantido diversos encontros com associações e representantes da sociedade, tanto do Brasil quanto dos países vizinhos, para tratar desses desafios. Um exemplo concreto é o curso de logística que criamos em Mato Grosso do Sul, focado no Corredor Bioceânico, que conecta dois oceanos. A primeira turma desse curso formou 25 técnicos este ano, já capacitados para atuar na rota.
Além disso, estamos em diálogo com o norte do Paraguai e outros parceiros para desenvolver uma infraestrutura de apoio. Afinal, não basta apenas a estrada; precisamos de postos de combustível, redes de serviços, restaurantes e acomodações logísticas para garantir o bom funcionamento da operação. Esse trabalho vem sendo realizado com sucesso, e nossos parceiros estão ansiosos para começar a utilizar essa rota, já que suas legislações parecem permitir decisões mais ágeis. Eles estão prontos e aguardam que iniciemos de fato essa integração.
A Crítica: Como vocês estão atuando para contribuir no efetivo da mão de obra?
Dorival: Aqui no território brasileiro, temos dialogado com as prefeituras das regiões por onde a rodovia passa, já que serão as áreas mais impactadas inicialmente. Nosso objetivo é oferecer capacitação e treinamento ao pessoal local, e o Sistema S tem sido um grande apoio nesse processo, com propostas de treinamento contínuo ao longo do território nacional. Estamos atentos à questão da falta de mão de obra, um desafio que é nacional e se intensifica no estado devido ao pleno emprego.
Um exemplo claro das ações do SetLog é a parceria com o governo do Estado e o Sest Senat, que permitiu a mudança de categoria de CNH para mais de 7.000 motoristas, qualificando-os para atuar profissionalmente no transporte. Além disso, estamos planejando, para o próximo ano, um curso de formação de motoristas internacionais, preparando-os para operar na rota. Queremos que esses profissionais estejam prontos para lidar com as adversidades e desafios, como diferenças de idioma, costumes e legislação.
A Crítica: Fazer essa integração com os municípios e até mesmo com os outros países é uma tarefa difícil?
Dorival: Já estamos no quinto Fórum de Integração do Corredor Bioceânico e da Rota de Integração, que acredito ocorrerá agora em fevereiro do próximo ano, aqui em Campo Grande. Esse fórum já foi realizado no Paraguai, Argentina e Chile, e agora será a vez do Brasil sediá-lo. Nosso objetivo é reunir todos os envolvidos na cadeia de transporte e logística para discutirmos os desafios, identificar o que ainda falta e definir as ações necessárias para a plena utilização da rota.
Estamos prontos para começar a operar, mas aguardamos que o governo brasileiro realize os ajustes e liberações necessárias nas fronteiras que essa rota atravessa.
A Crítica: E falta muita coisa?
Dorival: Este ano, a responsabilidade do Brasil foi a reestruturação do trecho de 2007, que já está em andamento, incluindo o acesso de Porto Murtinho até a ponte. Esse trecho, de aproximadamente 13 quilômetros, já foi licitado, o canteiro de obras está montado, e espera-se que até 2026 tudo esteja concluído, incluindo a concessão do parque aduaneiro e o recinto alfandegário. No entanto, sabemos que, com o governo federal, é sempre prudente considerar um prazo adicional.
Porto Murtinho é uma cidade pequena, e atividades de comércio exterior exigem profissionais que nem sempre estão dispostos a se estabelecer em locais com infraestrutura limitada. Isso torna desafiador para a Receita Federal e outros órgãos de comércio exterior alocar pessoal para esses centros aduaneiros. Mesmo assim, acreditamos que o governo brasileiro, junto com o governo estadual, está comprometido com o projeto e deve colaborar para que essa infraestrutura de imigração e aduana esteja operando até o final do próximo ano. Dessa forma, poderemos realmente começar a utilizar o Corredor Bioceânico na Rota de Integração Latino-Americana.
A Crítica: Dorival, ao falar sobre a situação aduaneira, notamos, ouvindo profissionais que dependem disso regularmente, que há muitas queixas sobre a demora e a necessidade de mais agilidade. Como você vê esse cenário no nosso país atualmente, e como acredita que a rota pode trazer mudanças nesse aspecto?
Dorival: A questão aduaneira no Brasil depende muito do Congresso Nacional. Precisamos de leis mais modernas e ágeis para que os órgãos responsáveis pelo comércio exterior possam aplicá-las de forma eficiente. Atualmente, o transporte rodoviário de cargas entre países ainda é bastante complicado, pois o regramento é o mesmo para um porto ou um ponto de fronteira. Um navio, por exemplo, pode ter um único destino, o que reduz a burocracia, enquanto o trânsito rodoviário enfrenta mais barreiras.
O Congresso brasileiro precisa se debruçar sobre essa questão, e embora haja projetos em andamento, sabemos que o processo legislativo pode ser demorado. É crucial que tenhamos novas leis e acordos que nos coloquem em condições equivalentes aos outros países. Para se ter uma ideia, o Paraguai possui mais tratados de comércio internacional que o Brasil. Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com países vizinhos, sofre as consequências desse atraso, ficando muitas vezes refém das leis que dificultam o comércio exterior.
Enquanto em países vizinhos é mais fácil para qualquer empresa realizar operações de comércio exterior, aqui é um processo complexo. Nossa bancada federal deve atuar para evitar que situações como a de Corumbá ou Ponta Porã, onde um caminhão pode ficar retido na fronteira por até 15 dias, continuem acontecendo. Precisamos de algo similar ao modelo da União Europeia ou ao acordo entre México, Estados Unidos e Canadá, que permite a circulação simplificada. Atualmente, para realizar uma exportação aqui, são necessárias até 18 cópias carimbadas do mesmo documento — uma burocracia que precisa ser superada para que o Brasil avance no comércio exterior. Confira a entrevista na íntegra:
