
Em entrevista ao A Crítica, o presidente da Acrissul, Guilherme, fez duras críticas à indústria frigorífica, acusando-a de se aproveitar do “tarifaço” anunciado por Donald Trump para reduzir artificialmente o preço da arroba em mais de 10%, enquanto produtores arcavam com prejuízos.

Ele afirmou que o impacto previsto no mercado de carnes não se concretizou e defendeu que benefícios do governo sejam destinados ao campo, não apenas a exportadores.
Guilherme também destacou a importância de promover a carne do Mato Grosso do Sul no exterior, a necessidade de maior previsibilidade nos preços e a expectativa de valorização da arroba para até R$ 350 nos próximos meses. Confira a entrevista na íntegra:
A Crítica: Desde a Expogrande, no início do ano, temos visto a Acrissul, trabalhando para manter o movimento durante todo o ano, e não apenas em abril. Como tem sido o resultado dessas ações aqui no Parque de Exposições Laucídio Coelho em 2025?
Guilherme: Bom, manter o Parque de Exposições é um grande desafio. É uma área extensa, que recebe diversas atividades ao longo da semana. Hoje, contamos com escritórios instalados aqui dentro, além de uma escola de equitação, uma de prova de tambor e outra de laço. São essas atividades que mantêm o parque vivo no dia a dia.
A localização também é um ponto forte: estamos em uma área central, de fácil acesso. As atividades equestres têm um grande engajamento, com mais de 300 crianças e adolescentes participando das aulas e se envolvendo com esse universo.
Nosso objetivo é ampliar cada vez mais esse movimento, atraindo empresas ligadas ao agronegócio, para consolidar o Parque de Exposições como um polo de negócios voltado para o setor.
A Crítica: Como a Acrissul tem acompanhado esse cenário? E como têm sido os trabalhos da entidade diante dos últimos eventos, especialmente no que diz respeito ao setor produtivo?
Guilherme: Bom, o nosso papel é estar sempre atentos a tudo o que acontece no segmento, oferecendo informação ao produtor rural para que possamos ser assertivos e indicar os melhores caminhos. Monitoramos constantemente o cenário da pecuária, não apenas em Mato Grosso do Sul, mas em todo o Brasil.
Recentemente, tivemos a questão do “tarifaço” anunciado por Donald Trump. Já no dia seguinte ao anúncio, alertamos que a queda dos preços era artificial e que não fazia sentido a reação da indústria frigorífica. Na prática, as empresas se aproveitaram da notícia para reduzir, de um dia para o outro, mais de 10% do valor pago pela arroba ao produtor.
Fizemos uma análise dos números, avaliamos o volume exportado aos Estados Unidos e os mercados onde poderíamos realocar esse produto. Reafirmamos aos produtores que aquela situação seria passageira e orientamos que vendessem apenas o necessário para cobrir custos, mantendo o rebanho, pois não acreditávamos que aqueles preços se sustentariam.
E o tempo confirmou nossa análise: 30 dias depois, o mercado se estabilizou e ficou claro que a redução inicial foi exagerada. Os frigoríficos, nesse período, lucraram muito, enquanto quem realmente arcou com o prejuízo foi o produtor rural.
Infelizmente, anteontem o governo anunciou benefícios para os exportadores, quando, na verdade, quem sofreu com a desvalorização da arroba foi o produtor. Na minha opinião, esses incentivos deveriam ser direcionados ao campo, por meio de medidas econômicas e linhas de crédito subsidiadas para os pecuaristas, e não para a indústria frigorífica.
A Crítica: Houve um certo pânico, principalmente entre a população com a ideia de que o preço da carne iria subir porque haveria redução na oferta. Então, para esclarecer, essa preocupação não procede, certo?
Guilherme: De forma alguma. Quando olhamos apenas os números de exportação para os Estados Unidos, em dólares, eles parecem expressivos. Mas, no contexto geral, o Brasil destina apenas 2% da sua produção nacional de carne bovina ao mercado norte-americano — um volume que é facilmente realocado para outros destinos.
Nos últimos dois ou três anos, enquanto aumentamos as vendas para os Estados Unidos, que hoje são nosso segundo maior mercado, também abrimos novos canais de exportação. Atualmente, o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e possui alternativas sólidas para realocar sua produção. Estamos, por exemplo, em negociações avançadas com o Japão, um mercado estratégico que deve começar a receber nossa carne nos próximos meses. Além disso, já houve aumento de envios para países como México e Chile.
Por isso, aquele impacto previsto no início não se concretizou. Sempre alertamos que não haveria problema, nem justificativa para a queda acentuada no preço pago ao produtor ou para alta no preço ao consumidor final. O mercado seguiu estável.
Mais uma vez, quem se beneficiou foram os frigoríficos, que aproveitaram a situação para reduzir o preço da arroba. Em Mato Grosso, por exemplo, a cotação que estava entre R$ 320 e R$ 325 caiu para R$ 290 já no dia seguinte ao anúncio.
E aí eu pergunto: após o anúncio da ajuda do governo para as indústrias frigoríficas e exportadoras, o que elas fizeram no dia seguinte com o preço da arroba? Aumentaram? De forma alguma. Esse é o tipo de indústria com a qual o produtor precisa ter cuidado: quando surgem notícias ruins, elas se aproveitam para baixar o preço; mas quando aparecem notícias boas, nada fazem e nada muda.
A Crítica: O governo federal anunciou na última quarta-feira a MP do Plano Brasil Soberano. Como a Acrissul avalia esse anúncio do presidente Lula, especialmente em relação ao impacto para o setor de produtores?
Guilherme: Olha, mais uma vez, para os produtores rurais, esse plano não faz o menor sentido, porque não trará benefícios diretos para nós. Quem realmente vai se beneficiar são as indústrias exportadoras, e esse recurso vai parar nas mãos de poucos — especificamente das empresas que exportam para os Estados Unidos.
Para exemplificar, basta olhar o dado divulgado ontem pelo JBS: no segundo trimestre deste ano, a empresa registrou lucro de 530 milhões de dólares, um aumento de 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso deixa claro que o mercado da carne bovina está indo muito bem.
Entendo, sim, que é importante oferecer apoio a setores que não possuem um mercado internacional tão forte quanto o da carne bovina. Posso citar, por exemplo, a tilápia e o café, que realmente merecem mais atenção, pois não contam com um comprador tão expressivo quanto os Estados Unidos.
Portanto, acredito que alguns segmentos do agronegócio precisam ser priorizados nesse tipo de medida. No caso da carne bovina, nossa preocupação com a realocação no mercado é praticamente zero.
A Crítica: Como o senhor avalia a comitiva do Governo do Estado para Ásia?
Guilherme: Acredito que essa viagem internacional seja de extrema importância para mostrar todo o potencial do Mato Grosso do Sul. Precisamos apresentar ao mundo o que temos de melhor e o que podemos oferecer. Vejo que o governador Eduardo Riedel e toda a sua equipe têm feito isso com grande competência.
Meu desejo é que chegue o dia em que os compradores internacionais não queiram apenas a carne brasileira, mas especificamente a carne produzida no Mato Grosso do Sul. Para isso, precisamos desenvolver programas que promovam nossa produção de forma direcionada, vendendo lá fora a carne sul-mato-grossense, e não apenas a do Brasil como um todo.
O governo federal já realiza um trabalho importante nesse sentido, mas, em nível estadual, o momento é de fortalecer nossa marca própria. O governador tem percorrido outros países, mostrando a qualidade da carne produzida aqui, e isso é fundamental. Falo especificamente da pecuária porque é o setor em que a Acrissul atua, mas sei que o governo tem feito esse trabalho em diversas áreas, evidenciando a grande potência que é o nosso estado.
A Crítica: Qual é o maior desejo do produtor do Estado?
Guilherme: Olha, acredito que o grande desejo do produtor rural, quando falamos de carne bovina, é ter maior previsibilidade nos preços. Hoje, a produção começa lá atrás, com a inseminação de uma vaca para gerar um bezerro. São nove meses até o nascimento e, depois disso, mais 18 a 30 meses para engordar o animal e colocá-lo à venda para o frigorífico. Ou seja, o produtor inicia um processo que leva cerca de três anos, três anos e meio, sem saber exatamente qual será o valor recebido pelo seu produto no momento da venda.
Essa falta de previsibilidade é um ponto que, se corrigido no futuro, traria grande benefício para o setor. É importante lembrar que, de um dia para o outro, já vimos o preço da arroba cair de R$ 320 para R$ 290. Essas rupturas de mercado preocupam muito, ainda mais porque o custo de produção não cai — pelo contrário, está sempre aumentando. Assim, a arroba acaba oscilando, enquanto as despesas seguem em alta. Ter algum tipo de mecanismo de previsão de mercado seria, na minha opinião, a principal meta para o produtor rural nos próximos anos.
Há um ano, o cenário projetado era de alta na arroba, já que estávamos entrando em um ciclo de menor produção de gado. Isso é algo natural da pecuária: com menos animais disponíveis para abate, o preço tende a subir. A expectativa era de que, nos próximos dois anos, a arroba aumentasse de forma consistente, podendo até chegar a R$ 400 ainda em 2025.
No entanto, essa alta não se concretizou como o mercado previa. O valor ficou estagnado na faixa dos R$ 300 a R$ 320. Ainda temos alguns meses pela frente, mas, diante do cenário mundial atual, tenho dúvidas de que veremos a arroba a R$ 400 aqui no Mato Grosso do Sul. Acredito, porém, que um patamar próximo de R$ 350 seja possível nos próximos meses.
Hoje, a arroba está em tendência de alta, com escalas de abate curtas e falta de pastagem causada pelas geadas fortes que atingiram o sul do estado. Isso deve gerar escassez de animais para abate nos próximos dias, o que reforça minha expectativa de valorização da arroba para o produtor rural nos anos seguintes.
A Crítica: Como estão os preparativos para a Expogrande 2026?
Guilherme: A cada ano, o desafio é o mesmo: buscar entregar uma feira maior, melhor e mais estruturada, fazendo os ajustes necessários para oferecer um evento de excelência aos produtores rurais e à população de Campo Grande e de todo o Mato Grosso do Sul. Graças a Deus, temos registrado uma evolução constante, tanto no público quanto no volume de negócios realizados no Parque de Exposições, com movimentação financeira expressiva. Nos últimos três anos, todos os indicadores superaram os resultados das edições anteriores.
O grande desafio é justamente tornar a feira cada vez mais robusta. Por isso, já estamos trabalhando na Expogrande 2026. A previsão é iniciar as primeiras vendas ainda em agosto, com prioridade para quem participou da edição de 2025. Esses expositores terão dez dias exclusivos para confirmar presença. Após esse período, abriremos a comercialização para novos interessados.
Nossa expectativa é chegar ao final do ano com 100% dos espaços vendidos, consolidando a feira no cenário nacional. Hoje, a Expogrande já está entre as cinco maiores feiras agropecuárias do Brasil, e seguimos firmes para fortalecer ainda mais essa posição.
