
O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre vai ser super importante para confirmar se o processo de desaceleração que houve no segundo trimestre continua ou não e se será aberto espaço para o Banco Central cortar a taxa básica de juros, hoje em 15% ao ano, segundo avaliação do economista-chefe do BMG, Flávio Serrano.

Ele observa que o resultado do PIB do segundo trimestre, que avançou 0,4% ante o trimestre anterior, teve uma desaceleração importante. O PIB do primeiro trimestre havia crescido 1,4% na comparação com o quarto trimestre de 2024 e foi revisado hoje, 2, pelo IBGE, para 1,3%.
O ponto central agora é saber como se comportará a atividade entre julho e setembro, com a entrada de R$ 60 bilhões na economia por conta do pagamento dos precatórios, ressalta o economista.
Serrano observa que o nível de endividamento das famílias está subindo e ainda não é possível saber quanto será direcionado desses recursos extras para o pagamento de dívidas e quanto irá para consumo. “Isso vai ser fundamental para vermos o impacto desses desembolsos sobre a atividade econômica no terceiro trimestre.”
Como o sr. avalia a economia nesse segundo trimestre do ano?
O PIB cresceu 0,4%, ficando ligeiramente acima da nossa expectativa de 0,3% de expansão no período. Pelo lado da oferta, houve surpresas positivas na agricultura, que caiu apenas 0,1%, e na indústria, que cresceu 0,5%. Nossas projeções apontavam queda 1,4% na agricultura e crescimento de 0,2% na indústria. Pela ótica da despesa, consumo das famílias cresceu 0,5%, exatamente o que projetávamos. Entretanto, os demais componentes da demanda doméstica ficaram mais fracos que o esperado. Gasto do governo caiu 0,6% contra nossa expectativa de crescimento de 0,2%, e a formação bruta de capital fixo caiu 2,2%. Nós esperávamos queda de 0,6 ponto. Os resultados mostram que a demanda doméstica desacelerou um pouco mais que o esperado, mas esse comportamento foi compensado pelo bom desempenho do setor externo, uma vez que as importações caíram menos do que esperávamos: retração de 1,7% ante recuo de 3,1% projetado. No geral, os dados do segundo trimestre confirmam a trajetória de desaceleração da demanda doméstica, ponto importante para o arrefecimento da inflação nos próximos meses.
Como o sr. avalia a queda de 2,2% no investimento? Essa virada na formação bruta de capital fixo é em função dos juros elevados?
Podemos falar que sim. Tem também um pouco do crescimento muito forte do primeiro trimestre, que avançou 3,1%. Foi um crescimento muito robusto. Quando acontece isso, geralmente pode ocorrer uma devolução de parte do crescimento. Às vezes, também acontece isso quando cai, porque pode ter fatores atípicos influenciando. Lembrando que, no primeiro trimestre, teve aquela questão da plataforma de petróleo, da Petrobras, que entrou no investimento e puxou o resultado para cima. No segundo trimestre não teve isso. Mas vimos queda na produção de bens de capital e a construção civil também está fraca. Todos esses setores dependem mais da dinâmica de juros. Os juros já vem altos há um certo tempo e começam a fazer efeito na economia. Vemos alguns setores que já mostram o impacto. Outros menos porque, por exemplo, o consumo das famílias não é só juros, também tem renda. E como o mercado de trabalho está forte e a renda está crescendo rapidamente, isso mitiga parte do efeito do juros. Por isso, o consumo das famílias desacelera em relação ao primeiro trimestre, mas ainda cresce de maneira relativamente robusta. É um crescimento de 0,5%, que anualizado chega a 2%.
O recuo do crescimento PIB de 1,4% no primeiro trimestre para 0,4% no segundo trimestre é uma desaceleração significativa?
Sim. Mas aqui também não podemos esquecer que a agricultura cresceu mais de 10% no primeiro trimestre. Agora está ligeiramente negativa. Reflete um pouco de como é feito o cálculo do PIB agropecuário. A agricultura tem questões específicas que explicam a desaceleração.
O que o sr. espera para o terceiro e o quarto trimestres?
Estamos começando a coletar informações da atividade do mês de julho. As projeções para julho mostram números não muito fortes. Na quarta-feira, 3, deve sair a produção industrial e esperamos queda de 0,3%. O desempenho do comércio deve ficar mais ou menos andando de lado. Serviço pode ser um pouco mais forte em julho. Mas um ponto importante é que em julho houve desembolsos de precatórios, que somaram R$ 60 bilhões. Pode ser que esses desembolsos de precatórios possam estimular a demanda doméstica agora no terceiro trimestre, como aconteceu no primeiro trimestre do ano passado. Tem um risco de que tenha um número um pouco mais forte (do PIB) no terceiro trimestre por causa dos precatórios.
Como assim?
Temos visto as famílias com o nível de endividamento subindo. Elas podem usar esses recursos para reduzir endividamento ou consumir. Quanto vai virar consumo e quanto pode virar pagamento de dívidas, não sabemos. Isso vai ser fundamental para vermos o impacto desses desembolsos sobre a atividade econômica no terceiro trimestre.
Quanto o sr. projeta de desempenho de PIB para o terceiro trimestre?
O terceiro trimestre vai ser super importante para vermos como a economia se desenvolve. Se continua em curso a desaceleração da atividade ou não. Se esses efeitos dos precatórios acabam estimulando ainda mais a economia. Estamos levando em consideração uma parte do resultado vindo desses efeitos. O desembolso foi importante e estamos estimando um crescimento do PIB um pouco maior do que imaginávamos anteriormente. Estávamos com números próximos de zero para o terceiro e quarto trimestres. Agora, estamos com crescimento de 0,3% para o terceiro e zero no quarto. Pode escorregar uma parte para o quarto trimestre. Por isso, o segundo semestre será tão importante para termos a confirmação desse processo de desaceleração da atividade que, lá na frente, vai estar abrindo espaço para o BC (Banco Central) cortar juros. Sem isso, não deveria ter muito espaço para cortar juros.
E o ano de 2025 fechado?
Para o ano fechado de 2025 projeto crescimento de 2,2%.
O sr. mudou o projeção para o ano fechado?
Tinha 2,1% e mudei para 2,2% por conta desses desembolsos (dos precatórios). Mas não estou mudando agora com base nos dados divulgados recentemente. Ao longo de setembro, começaremos a ter um cheiro do que pode ser esse resultado do terceiro trimestre. Por enquanto, estamos trabalhando com hipóteses. Tem uma parte que é de inércia da economia, de efeito defasado de juros, de mercado de trabalho com desemprego baixo. Essa parte está calculada. Mas tem um ponto que chamamos de exógeno, que vem de fora, que não está na conta, que é justamente esse efeito dos precatórios. Não conseguimos estimar com precisão. Por isso os próximos dois meses, setembro e outubro, vão ser super importantes para coletarmos informações e termos uma ideia, se, de fato, teve impacto ou não.
O ressarcimento aos pensionistas e aposentados do INSS das fraudes e o novo crédito consignado estão considerados nessa conta?
Sim, mas não temos os impactos, eles não são claros. São pontos que podem acabar ajudando a atividade nos próximos meses e evitar uma desaceleração maior. Por exemplo, isso pode fazer com que, mesmo no quarto trimestre, o PIB não fique próximo de zero, mas atinja 0,3%. E o PIB deste ano fique perto de 2,5%.
Quando teremos realmente uma desaceleração mais robusta da economia, um efeito dos juros?
Já estamos tendo a desaceleração da atividade, ela está em curso.
Por que está lenta?
Porque existem elementos que estão evitando uma desaceleração maior. Acabamos de falar que tem 0,6% do PIB entrando de precatórios que não estavam na conta. O governo desembolsa, paga as pessoas, paga as firmas, as empresas, entra o dinheiro que não estava na conta. Há um problema: de um lado, tem o Banco Central subindo juros e, do outro lado, há novas medidas que estão tentando fazer com que o governo não desacelere. Então, a desaceleração (da atividade) fica mais lenta. E a desaceleração da inflação fica mais lenta também. Como consequência, demora mais para cortar juros. Na verdade, o cenário do Boletim Focus aponta uma melhora na margem . É uma coisa muito boa. Pode ajudar o BC a pensar em cortes para o final do ano e começo do ano que vem.
O sr. acha que esse cenário pode retardar um pouco o corte dos juros?
A resistência da economia e, principalmente, o mercado de trabalho apertado, eles operam para atrasar o processo. Por outro lado, preços de alimentos com queda, preços de bens industriais em queda, a queda das expectativas de inflação são fatores que ajudam e podem antecipar o processo.
Quando o BC vai decidir cortar juros?
Quando tiver elementos suficientes que reforcem o processo de convergência (da inflação) para a meta. Daqui até o final do ano, estaremos coletando informações para saber o ritmo de desaceleração da atividade, como a inflação está rodando na margem, se as expectativas de inflação continuaram caindo ou não. Se continuar em curso tudo isso que eu falei, a inflação ficar bem comportada, a atividade desacelerar e o Focus melhorar, vai ter corte de juros.
Se o efeito dos precatórios bater no consumo e a economia se acelerar no terceiro e tendo reflexos no quarto trimestre, isso poderia retardar o corte dos juros?
Poderia retardar.
Hoje o mercado está trabalhando com corte de juros no primeiro trimestre. Ele seria adiado para o segundo trimestre?
Não, depende. O início do processo de flexibilização (dos juros) vai depender da evolução do cenário daqui até lá. Tem bastante tempo. Estamos falando de quatro meses inteiros e, eventualmente, mais três meses do ano que vem. As coisas em seis meses mudam muito rapidamente. Em termos globais, no mercado doméstico, enfim, tem muita coisa para acontecer. Esperamos o início dos cortes (dos juros) em janeiro do ano que vem. A questão é não só dos precatórios, mas da própria resiliência do mercado de trabalho que coloca um pouco em risco essa janela de queda dos juros. Tem esse impulso dos precatórios, mas tem o mercado de trabalho que ainda está forte. Isso pode fazer com que tenhamos de esperar ainda mais para começar a cortar juros. A questão da resiliência do mercado de trabalho e, principalmente, a questão da dinâmica da renda, colocam um pouco de risco na desaceleração da atividade.
Qual será o efeito do tarifaço no PIB? Onde vai pegar?
Na verdade, pega no setor exportador. As empresas que exportam produtos para os Estados Unidos são afetadas diretamente. Não sabemos ao certo a magnitude. Quando uma empresa é exportadora, ela pode buscar novos mercados. A maior parte dos nossos produtos vendidos para os Estados Unidos são commodities. Então, é possível direcionar a produção de um lado para o outro. Agora há outros produtos muito específicos para o mercado americano. Cada setor vai reagir de um jeito. Mas o efeito líquido é queda na atividade, porque vamos exportar menos.
Quanto o sr. projeta de crescimento de PIB para 2026?
Crescimento de 1,6%.
Será uma bela desacelerada, não?
Deveria. Com juro real de 10% há um ano e pouco, a economia tem de frear.
