
A maior vulnerabilidade da economia brasileira é a fiscal, diz o economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto. Segundo ele, um ajuste em 2027 é inevitável. “O País hoje está posicionado de forma que, se nada fizer, a política fiscal é completamente insustentável no tempo.” Embora a atividade aquecida gere arrecadação, o gasto é muito forte. “O Brasil tem de ser muito mais ambicioso na consolidação fiscal”, afirma.

Porto nota que a atividade desacelera, porém tem sintomas de superaquecimento e precisa de um equilíbrio melhor entre demanda doméstica e crescimento potencial para que a inflação possa convergir à meta. “Não dá para contar com a apreciação do câmbio para sempre”, afirma o economista, que acaba de reduzir para 4,6% a projeção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2025, mencionando também o preço de commodities mais baixo.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida na sede do Citi, onde ele recebeu a reportagem do Estadão/Broadcast.
Como o senhor vê o rumo da política monetária no Brasil?
O cenário inflacionário vem melhorando. O suficiente? Não. Mas o processo de reancoragem das expectativas, induzido por uma inflação corrente mais baixa, deve continuar e abrir espaço para um ciclo gradual de corte de juros a partir de janeiro. A reancoragem pode ser potencializada pela desaceleração econômica e pelo ganho de credibilidade do Banco Central.
O presidente do BC, Gabriel Galípolo, ganhou credibilidade?
Credibilidade não é um cenário binário: de ganhou ou perdeu. É contínuo. O BC vem ganhando credibilidade desde o começo do ano, mas ainda não é plena, quando todo mundo acredita no que o BC diz que vai fazer. Nenhuma das expectativas de inflação de longo prazo está em 3%. O ganho de credibilidade deve continuar até o final do ano se o BC mantiver juro parado em 15%.
Com a saída dos diretores Diogo Guillen e Renato Gomes no fim de 2025, o Copom começará 2026 com uma diretoria totalmente indicada pelo presidente Lula. Isso pode gerar algum impacto em termos de credibilidade?
O risco existe, mas o BC faz um trabalho de harmonização do discurso dos diretores que é importante, mostrando que a desancoragem das expectativas é claramente um desconforto de todo o colegiado. Não incorporamos no nosso cenário que essa mudança na diretoria implicará alteração na percepção de credibilidade. Se isso acontecer, o risco é uma política ainda mais dura.
Não há o risco de o BC errar ao manter um juro tão elevado por muito tempo e provocar um efeito colateral na atividade?
Vou fazer uma associação com o câmbio. Se ele apreciar, é um fator para jogar a inflação para baixo — de forma temporária. O câmbio apreciou a R$ 5,30, mas, se permanecer em R$ 5,30 nos próximos 12 meses, o efeito benéfico sobre a inflação se dissipa. Ou seja, a deflação de alimentos vai se dissipar. E a inflação volta a orbitar na sua tendência anterior, que em geral vai estar mais atrelada à inflação de serviços, que não para de subir. Alguns componentes de serviços já estão em 7%, e isso está intrinsecamente relacionado ao mercado de trabalho. O Brasil hoje tem todos os sintomas de uma economia superaquecida.
Pode detalhar esses sintomas?
O Brasil está com uma inflação superior à meta, principalmente em non-tradables (bens não comercializáveis). Cresceu nos últimos quatro anos bem acima do considerado potencial, acima de 3%. Trouxe a taxa de desemprego à mínima histórica, a 5,6%, com o salário subindo próximo de 9%, indicando que estamos próximos do pleno emprego — se é que já não estamos. Um quarto sintoma é o déficit em conta corrente, que não para de aumentar, principalmente por uma queda do saldo comercial derivada de um crescimento da importação. O BC precisa colocar o crescimento econômico em uma trajetória mais balanceada em relação ao crescimento potencial de médio e longo prazo para a inflação convergir para a meta. Não dá para contar com a apreciação do câmbio para sempre.
Esse saldo negativo em conta corrente preocupa?
Estamos com um déficit de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), acima da média histórica, de 2,3%. E há 12 meses, era de 2%. Saímos de um sinal verde para amarelo — que merece atenção — nas contas externas. Subimos o déficit em conta corrente, não mais coberto por investimento direto há seis meses. Não estamos no sinal vermelho ainda, especialmente porque o Banco Central está fazendo o seu trabalho. Não que o BC mire a conta corrente, mas um dos efeitos colaterais de taxa de juros muito alta é fazer a economia desacelerar. E aí comprime a importação e contém o aumento do déficit em conta corrente, sem contar que o juro mais elevado atrai capitais.
Voltando ao superaquecimento da economia, ele não geraria um resultado fiscal melhor?
Numa economia superaquecida, há resultados fiscais muito mais sólidos, porque a arrecadação, em geral, é bem mais sensível ao ciclo econômico do que o gasto público. Mas continuamos gerando déficit fiscal. E não é porque a arrecadação não está forte. Ela cresce numa velocidade muito forte. É porque o gasto é muito forte também. A maior vulnerabilidade da economia brasileira é a fiscal.
E como é possível resolver isso?
A mensagem principal é que o Brasil tem de ser muito mais ambicioso na consolidação fiscal. Isso não é uma crítica a esse governo, é ao que estamos vendo nos últimos anos: o País cresce muito acima do potencial desde 2021, e desde lá temos gerado déficits primários sistemáticos mesmo com uma arrecadação crescendo muito forte. Estamos em tempo de vacas gordas, temos de poupar para sinalizar que temos uma trajetória fiscal sustentável.
Qual sua avaliação sobre a proposta que está na Comissão de Assuntos Econômicos para limitar o teto da dívida em 80% do PIB?
Quando uma criança tem febre, não é quebrando o termômetro que se resolve. É preciso tratar da natureza do problema. Uma medida como essa pode agravar a situação, gerando um problema de financiamento de curto prazo. A solução é endereçar o problema fiscal na sua natureza, que é a velocidade incompatível de crescimento do gasto público e/ou uma discussão de aumento de carga tributária para colocar o resultado primário no terreno positivo, potencialmente acima de 2%. Se não discutirmos isso, nunca vamos estabilizar a dívida. Em 2027, por exemplo, é inadiável uma discussão da reforma previdenciária. Precisamos discutir carga tributária, em especial crédito tributário.
Em relatório recente, consta que a expectativa do Citi é de dólar a R$ 5,40 no fim de 2025. Qual o motivo disso?
No exterior, houve aumento de tarifa nos Estados Unidos, de 2% do ano passado para 18% agora e indo para 20%, o que encarece a importação e reduz o comércio mundial. As economias vão se tornar menos eficientes, com tendência de crescimento global mais baixo, o que geralmente está associado a fluxos de capitais para países emergentes menores. Em paralelo, também sugere um preço de commodity, variável importante para o real, mais baixo. Para o Brasil, o cenário global tende a ficar onde está ou ser menos benigno. No cenário doméstico, o investimento direto no País não cobre mais todo o déficit em conta corrente e o capital necessário para financiá-lo pode ficar mais restrito. E há um cenário eleitoral com uma incerteza muito grande, que em geral faz os investidores ficarem mais cautelosos em alocar seus portfólios.
O cenário eleitoral já afeta preços de ativos?
O câmbio e o CDS — “Credit Default Swap” é um derivativo financeiro que funciona como um contrato de seguro contra o calote de um título de dívida — no Brasil são explicados por fatores globais, o que sugere que o cenário eleitoral ainda não está fazendo preço. O segundo ponto é que, em eleição, importa a percepção de política econômica dos respectivos candidatos, ponderada pela probabilidade de vitória de cada um deles. Quanto mais tivermos uma campanha mais centrista, com discussão de propostas, o ambiente tende a ser mais construtivo para preços de ativos. De mais populismo, mais radicalismo eleitoral, desagradável aos preços. E estamos vendo para onde estão indo as variáveis fiscais. O País hoje está posicionado de forma que, se nada fizer, a política fiscal é completamente insustentável no tempo.
