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THIAGO MELIM BRAGA

"O desafio no País é grande, mas o objetivo é promover a discussão aberta sobre o tema"

O advogado falou sobre o livro "O Suicídio Assistido no Brasil - Uma Análise Constitucional e Legal", e enfatizou a necessidade do debate sobre o tema, envolvendo o Direito, medicina, fisioterapia, biologia, filosofia, sociologia e antropologia

17 julho 2024 - 11h00Carlos Guilherme
O advogado Thiago Melim Braga
O advogado Thiago Melim Braga - (Foto: Rafael Rodrigues)

Em entrevista ao jornal A Crítica, o advogado Thiago Melim Braga, falou sobre o livro "O Suicídio Assistido no Brasil - Uma Análise Constitucional e Legal".

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Braga destacou que a prática do suicídio assistido é atualmente considerada inconstitucional no Brasil, conforme os artigos 121 e 122 do Código Penal. Ele enfatizou a necessidade de um debate multidisciplinar sobre o tema, envolvendo não apenas o Direito, mas também a medicina, fisioterapia, biologia, filosofia, sociologia e antropologia.

"A obra é fruto de quatro anos de pesquisa intensa, e acredito que as críticas e o dissenso são essenciais para fundamentar e aprimorar os argumentos apresentados", revela. Confira a entrevista completa:

A Crítica: Qual a definição do suicídio assistido no Brasil?

Thiago: Antes de falar sobre o suicídio assistido, gostaria de esclarecer que, durante a construção da tese de doutorado e a produção do livro, não há qualquer intenção de fazer apologia ao suicídio. O suicídio é um problema sério que deve ser tratado pelas autoridades públicas e por iniciativas de promoção de saúde mental e física para a população. Portanto, a ideia do trabalho não é defender o suicídio em si, mas sim abordar o suicídio assistido dentro da perspectiva de uma morte digna e da dignidade da pessoa humana.

Respondendo objetivamente à sua pergunta, o suicídio assistido é a abreviação da vida realizada pela própria pessoa, seja ela doente ou paciente em determinada condição. Não é uma prática permitida em qualquer situação, mas sim em casos de doenças graves, incuráveis ou em fase terminal, que causam dores excruciantes ao paciente. Nesses casos, o paciente pode necessitar de auxílio, o que caracteriza o suicídio medicamente assistido, quando uma junta médica, incluindo profissionais de ciências da vida ou não médicos, está envolvida.

A questão central é realizar essa abreviação da vida do paciente com base na perspectiva da dignidade.

O advogado Thiago Melim Braga

A Crítica: Vimos que o senhor abordou diversos conceitos como autonomia, dignidade da pessoa humana, eutanásia, ortotanásia, distanásia e mistanásia. Essas palavras serão recorrentes ao longo do livro. Gostaria que o senhor explicasse brevemente a diferença entre esses termos.

Thiago: Hoje, vou tentar esclarecer brevemente esses conceitos. Todos eles estão relacionados à morte digna e à morte medicamente assistida. No livro, separamos três possibilidades que consideramos respeitar a dignidade. A morte digna é o respeito à passagem da vida para a morte, considerando os valores éticos e morais do paciente ou da pessoa naquela condição.

Dentro dessa perspectiva, temos o suicídio assistido ou suicídio medicamente assistido, e a eutanásia. A principal diferença entre eles é quem realiza o ato final. No suicídio assistido, a própria pessoa, que está em condições físicas de praticar o ato, realiza a ação. Na eutanásia, por alguma incapacidade física, outra pessoa deve realizar o ato. Um exemplo emblemático disso é o caso retratado no filme "Mar Adentro," onde a pessoa ficou tetraplégica e não podia ministrar a medicação para abreviar sua vida.

A ortotanásia é deixar o processo de morte ocorrer naturalmente, ministrando cuidados paliativos para evitar o sofrimento, mas sem interferir no processo de morte que já se iniciou.

Por outro lado, temos a distanásia, que é a obstinação terapêutica, onde se utilizam tratamentos médicos que não alteram a condição do paciente, prolongando sua vida sem melhorar seu diagnóstico ou prognóstico, prejudicando sua dignidade. A mistanásia, por sua vez, refere-se a uma espécie de morte coletiva utilizada por estados não democráticos como política de governo.

Essas são as principais diferenças entre esses conceitos.

A Crítica: Analisando o cenário atual, observamos as dificuldades e desafios que a população enfrenta em diversos segmentos, como ao sofrer um acidente ou ao se afastar do trabalho. Na sua visão, quais são os desafios constitucionais que o nosso país enfrenta hoje em relação ao suicídio assistido?

Thiago: Hoje, essa prática é considerada inconstitucional. Temos o Código Penal que, especialmente no artigo 121, trata do homicídio, e no artigo 122, proíbe a instigação, auxílio e incitação ao suicídio. Houve um projeto de lei para alterar o Código Penal, que é de 1.940, e ele passou por uma alteração recente em 2019. Contudo, as propostas legislativas no Congresso Nacional, tanto na Câmara quanto no Senado, continuam criminalizando essas práticas. Portanto, atualmente, o suicídio assistido não é permitido.

Os desafios constitucionais incluem a ideia de inviolabilidade e o direito à vida serem vistos como absolutos e não renunciáveis. Essas questões técnicas dificultam um debate mais franco e objetivo, criando barreiras para qualquer mudança legislativa, seja por emenda constitucional ou por alteração de leis ordinárias. Por exemplo, o artigo 60, parágrafo quarto, da Constituição, define as cláusulas pétreas, entre elas os direitos e garantias fundamentais, o que torna as mudanças ainda mais complexas.

No entanto, é importante observar que, em outras realidades mundiais, temas como esse também foram proibidos antes de serem regulamentados. Em Portugal, por exemplo, a Lei 22/2023 foi objeto de debate por anos antes de ser aprovada recentemente.

No Brasil, o desafio é grande, mas o objetivo do livro e deste espaço de debate é promover a discussão aberta sobre o assunto.

A Crítica: Quanto tempo levou para criar o livro? E acredito que houve algumas dificuldades para abordar as questões éticas e morais no livro como um todo... Foi muito difícil?

Thiago: Foi muito difícil. Foram quatro anos de pesquisa. Este livro é fruto de uma tese de doutorado, então foram três anos e meio de muita pesquisa e escuta ativa de outras opiniões, não só do Direito, mas de outras áreas, pois este é um tema multidisciplinar. Não é só o Direito que se ocupa dele; a medicina, a fisioterapia, a biologia, a filosofia, a sociologia e a antropologia também se ocupam desse tema. É importante ouvir esses atores.

Foi uma construção baseada em críticas, e estamos abertos a receber críticas quando publicamos um livro como este. Dentro de uma perspectiva democrática, é assim que conseguimos melhorar e fundamentar cada vez melhor nossos argumentos. Não é com todos concordando, mas através do dissenso que aprimoramos nossas ideias.

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