
Mato Grosso do Sul vive um momento econômico único no Brasil, com um dos menores índices de desemprego do país e avanço nas cadeias produtivas. A avaliação é do vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-MS), Hudson Garcia, que falou sobre os diferenciais do estado. Segundo ele, a economia sul-mato-grossense é “um ponto fora da curva” e poderá apresentar crescimento de dois dígitos no PIB.

Durante a entrevista, Garcia também destacou a importância do XV Encontro de Economistas da Região Oeste (Eneoeste), marcado para os dias 30 e 31 de outubro, em Campo Grande. Confira a entrevista:
A Crítica: Considerando o atual cenário econômico, qual é o verdadeiro termômetro da economia sul-mato-grossense e também da brasileira?
Hudson: Bom, primeiro é importante separar as coisas. O Mato Grosso do Sul vive um momento bastante diferenciado em relação ao restante do país. Costumo dizer que somos um ponto fora da curva, um verdadeiro outlier. Os indicadores econômicos que observamos aqui no estado não refletem, necessariamente, a realidade do Brasil como um todo.
Se pensarmos, por exemplo, no índice de desemprego, o nosso é o quarto menor do país, com apenas 2,9% da população desocupada. Quando falamos em mobilidade — ou seja, na capacidade das pessoas de mudarem de vida — o Mato Grosso do Sul também lidera o ranking nacional. Isso mostra que vivemos um cenário distinto da média brasileira. É claro que ainda enfrentamos problemas estruturais, como o déficit de armazenagem que você mencionou há pouco, mas, no geral, estamos indo muito bem graças a políticas voltadas para o crescimento econômico.
Inclusive, acredito que nesta ou na próxima semana será divulgado o Produto Interno Bruto (PIB) do estado, e não se surpreenda se o crescimento ultrapassar dois dígitos. Esse avanço tem sido impulsionado principalmente pela iniciativa privada, com destaque para as cadeias produtivas da celulose, mineração, grãos e proteína animal. São setores que geram grandes oportunidades — e é importante que os nossos ouvintes estejam atentos para aproveitá-las.
Já no caso do Brasil, um país de dimensões continentais, as disparidades regionais são muito marcantes. Há muitas diferenças sociais. Para se ter uma ideia, no Nordeste, o número de beneficiários de programas assistenciais é maior do que o de trabalhadores registrados pela CLT. Isso é um termômetro claro de que boa parte da população ainda não tem acesso ao emprego formal, o que afeta diretamente a renda e o poder de compra.
A Crítica: MS já está inserido nessa agenda? E, se ainda não estiver, o que falta para que o estado esteja de fato integrado a esse novo modelo econômico?
Hudson: Eu entendo que o Mato Grosso do Sul talvez já seja o protagonista dessa nova economia. É importante que todos compreendam que, mesmo que no dia a dia a gente não fale muito sobre isso, as coisas estão acontecendo. Hoje, na própria estrutura governamental do estado, já existem secretarias específicas que tratam diretamente desses temas — como as de Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e também as voltadas aos Povos Originários, que não podemos deixar de mencionar, já que temos uma grande população indígena em Mato Grosso do Sul.
Tudo isso está sendo pensado dentro de uma política pública. Quando olhamos para os desafios do Mato Grosso e também do Mato Grosso do Sul, ainda há variáveis que precisam ser enfrentadas. Por exemplo, embora tenhamos uma parcela expressiva da população beneficiada por programas sociais, ainda existe um número significativo de pessoas que sequer estão mapeadas, que não aparecem nessas estatísticas. O Estado vem trabalhando justamente para identificar e alcançar essas pessoas, garantindo que elas não fiquem à margem das políticas públicas.
E, claro, mesmo com todo o crescimento que observamos, ainda há questões de infraestrutura que precisam ser resolvidas, principalmente nos municípios. Não é mais aceitável chegar a uma cidade e ver que o primeiro símbolo visível é o de uma empresa de crédito. Isso mostra que, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para levar soluções reais e sustentáveis às cidades, onde de fato as pessoas vivem.
A Crítica: Como o senhor analisa a discussão da Reforma Tributária no País?
Hudson: Eu já acompanho o tema da reforma tributária há muitos anos, desde suas primeiras versões. E, no início deste mês, tive a honra de conversar com o ex-deputado Bernard Appy justamente sobre os próximos passos dessa proposta. O que posso adiantar, em primeira mão, é que a reforma tributária é um caminho sem volta.
A implantação do imposto sobre valor agregado — o IVA —, modelo que já é utilizado na Europa e até em países vizinhos, como o Paraguai, veio para ficar. O que ainda está em discussão são as leis complementares, que estão sendo votadas e que terão impacto direto sobre os municípios.
Do ponto de vista estratégico, o que enxergamos para o Mato Grosso do Sul é uma oportunidade de adensar ainda mais as nossas cadeias produtivas — e isso significa atrair novos negócios e empreendimentos alinhados às nossas vocações econômicas. Falo aqui da celulose, da proteína animal, da mineração e dos grãos. Vamos ver cada vez mais empresas de segunda e terceira geração surgindo a partir dessas cadeias. Nesse contexto, a carga tributária deixa de ser o fator mais determinante, porque o estado já oferece matéria-prima e infraestrutura adequadas para o crescimento das indústrias.
Ainda há muita especulação sobre qual será a alíquota final da nova tributação. Mas, com base nas conversas que tive com especialistas, posso garantir que a tendência é de redução de carga tributária — acompanhada, porém, de um aumento significativo na fiscalização. Ou seja, não haverá mais espaço para o “jeitinho”.
Além disso, a expectativa é que, nos próximos dois anos, tenhamos também a promulgação de um novo Simples Nacional, com o mesmo princípio: redução de impostos, mas com maior controle. Já não se discute mais se o modelo é bom ou ruim — a questão agora é ajustar os mecanismos para garantir clareza sobre quanto será pago e de que forma. E, ao transferir a cobrança para o consumo, surge outro desafio: precisamos atrair mais pessoas para dentro do estado. É isso que vai permitir ampliar a base tributária e aumentar a arrecadação. A meta, inclusive, é que Mato Grosso do Sul alcance a marca de 3 milhões de habitantes nos próximos anos.
A Crítica: Os influenciadores de finanças pessoais ajudam a democratizar o debate econômico no país ou acaba empobrecendo a discussão sobre economia?
Hudson: Hoje, vivemos uma avalanche de ‘gurus’ na internet. São pessoas que se aproveitam de gatilhos mentais para vender fórmulas mágicas de sucesso, e essas teorias acabam se espalhando como verdades absolutas. Isso cria um grande desafio para quem trabalha com informação séria e precisa desmistificar muitos desses discursos.
A proposta de trazer o Eneoeste para o Mato Grosso do Sul vai justamente na contramão disso. Queremos discutir economia de forma séria, profissional e responsável, com foco em desenvolvimento sustentável. Sofremos com o bombardeio de influenciadores que prometem riqueza instantânea — “como ganhar um milhão em poucos meses” ou “sete passos para a fortuna” —, mas a verdadeira riqueza que podemos produzir é o conhecimento aliado ao tempo aplicado.
O que eu quero propor aos nossos ouvintes é uma reflexão: o quanto você está conseguindo colocar o seu conhecimento em prática para gerar impacto positivo na sua vida e na das pessoas ao seu redor? O desenvolvimento sustentável nasce disso — de qualidade de vida, de entender suas próprias necessidades e as dos outros. E isso, Carlos, nenhum influenciador pode ensinar.
As temáticas do Eneoeste não serão voltadas apenas a economistas. Quero deixar isso muito claro. Você, pequeno empreendedor, venha participar. Você, jovem estudante que ainda não escolheu sua carreira, venha também. E até quem já é aposentado — sua experiência é valiosa e precisa ser compartilhada. O Eneoeste é um fórum aberto de discussão, que busca transformar debate em ação e ação em impacto. E isso só é possível com a participação de todos.
Este é o momento de se programar, especialmente quem vem do interior, para estar conosco nos dias 30 e 31 de outubro. As inscrições podem ser feitas pelo site https://coreconms.org.br/.
