
No 1º semestre de 2025, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul (PGE/MS) consolidou sua presença estratégica na formulação e execução de políticas públicas, garantindo segurança jurídica e promovendo inovação. Sob a liderança da procuradora-geral do Estado, Ana Carolina Ali Garcia, a instituição regulamentou o uso de inteligência artificial, criou uma unidade exclusiva de inovação e fortaleceu parcerias com universidades e órgãos públicos.

Na área tributária, avançou na regulamentação da Lei da Transação Tributária e na adaptação à reforma, atuando em rede com outros estados e municípios. No campo do desenvolvimento, esteve à frente de concessões e parcerias público-privadas, assegurando juridicamente projetos de saúde e infraestrutura.
Em temas sensíveis, como o Marco Temporal, participou de conciliações inéditas no STF e defendeu os interesses do Estado no Fórum de Governadores. A PGE também ampliou o diálogo com contribuintes, simplificou processos e buscou reduzir a litigiosidade. Para a procuradora-geral, “o que mais realiza a instituição, é participar do desenho da política pública com o objetivo de alcançar o cidadão”.
A Crítica: Como foram os trabalhos da PGE/MS neste primeiro semestre?
Ana Carolina: São várias entregas. Eu acredito que o que mais nos realiza nessa atuação é o fato de a Procuradoria participar do desenho da política pública. Ela está junto ao gestor no desenvolvimento dessa política, com o objetivo de alcançar o cidadão — toda a população sul-mato-grossense.
Quando conferimos segurança jurídica e buscamos inovar na nossa atuação, o impacto é diretamente relacionado à população, por meio da entrega de uma política pública inovadora, eficiente e com o menor custo possível. É nesse sentido que a Procuradoria tem trabalhado.
Recentemente, regulamentamos o uso de IA no âmbito da nossa instituição. Reconhecemos o quanto essas tecnologias podem trazer mais eficiência, reduzir custos e tornar a atuação da Procuradoria mais efetiva. No entanto, também entendemos que seu uso exige cuidados. Tudo que é novo demanda análise criteriosa.
Para isso, contamos com um grupo, uma comissão responsável por internalizar esse uso de forma regulada, pautada em princípios, mas sem perder de vista a realidade e a necessidade de o serviço público adotar medidas de inovação. O uso da inteligência artificial no nosso dia a dia é um retrato disso.
A Crítica: Em meio a tantos desafios jurídicos que o nosso país enfrenta — inclusive desafios institucionais — como a Procuradoria-Geral do Estado vem se posicionando para garantir a segurança jurídica e, ao mesmo tempo, promover soluções mais eficientes para a população?
Ana Carolina: Você trouxe um tema muito importante: a simplificação, rompendo barreiras no acesso ao serviço público. Precisamos oferecer esse acesso de forma mais ágil, rápida e efetiva. Dentro das nossas competências, sabemos que esse é um trabalho coletivo — cada pasta do Executivo tem atuado com essa missão e entregado resultados significativos.
A Procuradoria, por sua vez, tem um papel intersetorial, transitando entre todas as áreas — saúde, educação, segurança, assistência —, buscando, com segurança jurídica, simplificar não apenas a linguagem, mas também os meios de acesso ao serviço público. Nosso objetivo é garantir que a política pública desenhada, a norma debatida muitas vezes na Casa de Leis, chegue efetivamente à ponta, beneficiando o cidadão com um serviço público de melhor qualidade.
Você mencionou a área fiscal e tributária. Nosso balcão de atendimento ao contribuinte, por exemplo, atua na gestão da dívida ativa, que, uma vez inscrita, passa a ser administrada pela Procuradoria. Hoje, não tratamos mais isso apenas como um mero controle de legalidade ou ajuizamento de execução fiscal. Buscamos dialogar com o contribuinte, criando meios extrajudiciais para resolver demandas dentro da própria administração pública.
Recentemente, o governador Eduardo Riedel sancionou a Lei da Transação Tributária. Estamos agora na missão de regulamentá-la, e o decreto deve ser publicado em breve. Essa é mais uma ferramenta para melhorar a arrecadação e, mais que isso, promover a conformidade fiscal — permitindo que empresários e contribuintes se regularizem, retomem suas atividades econômicas, obtenham certidões e, assim, contribuam para o desenvolvimento.
O trabalho da PGE também está diretamente ligado a investimentos e ao desenvolvimento do Estado. No Conselho Gestor de Parcerias, a Procuradoria tem assento, e contamos com um procurador atuando no Escritório de Parcerias Estratégicas. Projetos anunciados pelo governador e pela secretária Eliane, como concessões e PPPs — especialmente nas áreas de saúde e infraestrutura rodoviária — têm um olhar jurídico especializado na modelagem, garantindo segurança e viabilizando o desenvolvimento do nosso estado.
A Crítica: Nesse momento de transição da reforma, como a PGE/MS está trabalhando para equilibrar os interesses do Estado e, ao mesmo tempo, preservar os interesses do cidadão?
Ana Carolina: Nós sempre participamos ativamente dos ambientes de discussão. Desde o início da tramitação da PEC — que hoje já é uma emenda e alterou o texto da nossa Constituição — acompanhamos cada etapa. Já temos uma lei complementar federal regulamentando parte da reforma e um segundo projeto que ainda está no Congresso, com expectativa de votação ainda este ano. Assim, as duas grandes regulamentações da reforma tributária estarão inseridas no nosso sistema jurídico.
Ana Carolina Ali é eleita vice do Conap durante reunião virtual com procuradores de todo o país.
Temos buscado dar voz à realidade de Mato Grosso do Sul e compreender essa grande reestruturação do sistema tributário, avaliando o impacto tanto para o cidadão, no momento do recolhimento, quanto para as atividades da própria Procuradoria. Estamos diante de um novo cenário, com expectativa de redução da litigiosidade. Hoje, há um excesso de produção de normas — o que não é saudável para o mercado, para o empresário nem para o contribuinte, que precisa entender qual norma se aplica em meio a mudanças constantes. Além disso, enfrentamos a instabilidade que, por vezes, decorre da jurisprudência do Supremo.
Acreditamos que a reforma trará balizas para mitigar esses problemas, garantindo mais segurança jurídica, transparência, cidadania fiscal e um melhor ambiente de negócios. Nesse sentido, trabalhamos de forma cooperativa com outros entes: municípios, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e as demais procuradorias-gerais dos estados. O Colégio Nacional de Procuradores-Gerais tem desempenhado um papel importante nesse processo.
Seguimos acompanhando a regulamentação do segundo projeto. Nosso secretário de Fazenda ocupa a presidência tanto do Conselho quanto do Comitê Gestor — motivo de orgulho e também de intenso trabalho em parceria com a equipe da Secretaria de Fazenda. Esse Comitê Gestor, formado por estados e municípios, é parte fundamental do novo desenho da tributação. Ainda não temos dimensão total de como funcionará, mas Mato Grosso do Sul, por meio de seus representantes, tem buscado dar voz à realidade local, compreender esse processo de transformação e contribuir para um modelo que atenda tanto o ente que cobra quanto o contribuinte, garantindo mais segurança nessa relação tributária.
A Crítica: Inclusive, a senhora foi eleita recentemente é vice-presidente do Conselho Nacional da Advocacia Pública Fiscal...
Ana Carolina: Sim! Muito me honra compartilhar isso. Fui eleita para atuar em um novo ambiente: o Conselho Nacional da Advocacia Pública Fiscal. Esse Conselho reunirá a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Procuradorias-Gerais dos Estados, dos 27 entes da Federação, e as Procuradorias-Gerais Municipais.
Nesse novo espaço, vamos buscar compreender todo o processo de transformação em curso, promover a uniformização de entendimentos e fomentar a produção científica. Encaro isso como uma grande oportunidade. Fui eleita por aclamação, com unanimidade de votos dos 27 procuradores-gerais, que confiaram a mim essa missão.
Tenho certeza de que será uma oportunidade valiosa para enfrentarmos, de forma conjunta e coletiva, os desafios da reforma tributária. A advocacia pública desempenha um papel essencial nesse contexto, pois, quando o constituinte redesenhou o modelo, elegeu duas carreiras para representar, no Comitê Gestor, a voz do Estado e a voz do Município: a administração tributária e a Procuradoria.
Precisamos estabelecer uma verdadeira governança nesse processo, atuando em rede, de forma colaborativa, para buscar soluções eficientes para este momento de transformação.
A Crítica: O que a Caravana da Inovação representa para a advocacia pública de Mato Grosso do Sul? De que forma essa parceria pode transformar a atuação jurídica aqui no nosso Estado?
Ana Carolina: É com muita satisfação que Mato Grosso do Sul foi escolhido como o terceiro estado do país a receber a divulgação da Caravana. Trata-se de uma parceria com a Advocacia-Geral da União, que mais uma vez demonstra como a advocacia pública tem atuado em rede, buscando o compartilhamento de boas práticas, experiências e pesquisas conjuntas.
Essa Caravana também envolve todos os municípios, que têm participação fundamental nesse processo. Precisamos integrar as procuradorias municipais a esse novo contexto.
Aqui no estado, teremos um encontro presencial no dia 3 de setembro e, nos dias 4 e 5, seguiremos com oficinas. Será um momento para pensar em como inovar no serviço público e compartilhar boas práticas, substituindo o trabalho isolado por ações colaborativas, unindo nossa capacidade de construir soluções.
Ao final, será elaborada uma carta conjunta entre os participantes, estabelecendo diretrizes para o processo de inovação na administração pública e, especialmente, para as carreiras jurídicas.
A Crítica: Já que estamos falando de tantas ferramentas que compõem esse sistema que é o Estado, acredito que seja importante comentarmos sobre a recente regulamentação da IA na PGE/MS Como a IA vai facilitar e simplificar os trabalhos? E de que forma a população poderá perceber esses resultados em breve?
Ana Carolina: Temos uma demanda alta e crescente. No dia a dia, os procuradores, ao elaborarem peças, manifestações e pareceres jurídicos, já utilizam inteligência artificial. Por isso, sentimos a necessidade de regulamentar o uso, garantindo a observância aos princípios que regem nossa atividade e dando segurança ao procurador.
Ana Carolina: "No dia a dia, os procuradores, ao elaborarem peças, manifestações e pareceres jurídicos, já utilizam inteligência artificial"
A IA pode trazer mais eficiência e possibilitar trabalhos mais elaborados e atualizados, mas sempre com revisão humana — algo que consideramos imprescindível. É fundamental conhecer as medidas e boas práticas para utilizar essas tecnologias de forma adequada.
Temos um laboratório voltado à inovação, que recentemente deixou de integrar um grande setor para se tornar uma unidade própria. Fizemos isso porque entendemos que a inovação é essencial, funcionando quase como o “coração” da Procuradoria, conectado a todas as outras unidades e oferecendo suporte a elas.
A regulamentação da IA surgiu logo após o fortalecimento desse laboratório, que mantém parcerias com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e com a Fundect para o desenvolvimento de tecnologias. Há vários projetos em andamento para otimizar e aprimorar nossas atividades, oferecendo entregas mais eficientes no tempo que as demandas exigem, diante da dinamicidade da sociedade, dos desafios da administração pública e do caráter cada vez mais inovador das políticas públicas.
A Crítica: Quais as últimas atualizações das discussões em torno do Marco Temporal?
Ana Carolina: Esse é um tema muito caro para o Estado de Mato Grosso do Sul, e destaco dois grandes fatos. O primeiro foi a conciliação inédita realizada no Supremo Tribunal Federal, envolvendo uma região aqui do nosso estado, da qual participamos. Essa conciliação foi considerada um modelo positivo, por equilibrar os direitos da população indígena e não indígena, trazendo uma solução harmoniosa para a situação.
Na sequência, foi instalada uma comissão especial para analisar as ações de controle de constitucionalidade que discutem se a alteração da Lei do Marco Temporal é ou não constitucional. Todas essas ações foram reunidas pelo ministro Gilmar Mendes, que criou essa comissão.
Fomos designados pelo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais para atuar junto com o governador Eduardo Riedel, representando o Fórum de Governadores. Trata-se de uma grande oportunidade para dar voz à realidade de Mato Grosso do Sul, cuja posição geográfica é estratégica e de destaque nessa temática.
Esse é um problema estrutural — não se trata apenas de uma crise federativa que possa ser resolvida em uma única mesa de negociação. O processo envolveu muitos atores: Congresso Nacional, produtores rurais, população indígena, Funai e outros. Avançamos no que foi possível, mas não houve consenso total.
A proposta do ministro foi elaborar um anteprojeto de lei para alterar a legislação então vigente, considerando que já tínhamos um julgamento do Supremo, com repercussão geral e tese fixada, e uma lei que não dialogavam entre si. O objetivo era criar um anteprojeto capaz de oferecer segurança jurídica e, possivelmente, convergir os entendimentos.
Em parte, houve consenso: evoluímos em muitos artigos, mas outros permaneceram sem acordo. O processo agora segue para o ministro, e ainda não sabemos se ele levará o tema ao plenário ou se tomará uma decisão direta. O último andamento foi a apresentação, pela União, de um plano de regularização sobre como indenizar as terras já declaradas, sugerindo o uso de precatórios. Manifestamo-nos sobre essa proposta e aguardamos os próximos passos.
A comissão já encerrou seus trabalhos e, dentro da nossa atuação, sempre defendemos — no Conap e no próprio Fórum de Governadores — a necessidade de evitar prejuízos financeiros para o Estado em eventual ação regressiva da União após as indenizações. Buscamos equilibrar também a questão fiscal, já que a extensão territorial envolvida é muito grande. É fundamental que o Estado, que já tratou o tema de forma adequada, não sofra ações regressivas indevidas por parte da União. Ainda aguardamos o desfecho final dessa tentativa de conciliação no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
