cassems
GUSTAVO PASSARELLI

"Importante que a nova legislação não crie empecilhos para as atividades no Pantanal"

O advogado explicou sobre o prazo que o Supremo deu ao Congresso para criação de uma lei que preserve o bioma

26 junho 2024 - 12h00Carlos Guilherme
O advogado Gustavo Passarelli em entrevista ao Giro Estadual de Notícias
O advogado Gustavo Passarelli em entrevista ao Giro Estadual de Notícias

Em entrevista nesta quarta-feira (26) ao jornal A Crítica, o advogado Gustavo Passarelli, que discutiu o prazo de 18 meses estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso crie uma lei que preserve o bioma do Pantanal.

Canal WhatsApp

Passarelli destacou que essa decisão do STF é essencial para a proteção ambiental, mas ressaltou que a implementação eficaz da lei dependerá de um equilíbrio cuidadoso entre conservação e desenvolvimento sustentável. Ele também mencionou os desafios práticos de monitoramento e fiscalização, enfatizando a importância da tecnologia na prevenção de desmatamentos e queimadas na região. Confira a entrevista na íntegra:

A Crítica: Qual foi o principal motivo que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) tomar essa decisão?

Gustavo: A principal questão discutida nesta ação, julgada pelo Supremo na semana passada, é sobre quem tem competência para legislar sobre o Pantanal. O principal argumento da Procuradoria-Geral da República é que houve uma omissão por parte da União, do Poder Legislativo Federal, em criar uma lei que regulamenta o Pantanal. Essa argumentação do Ministério Público Federal se baseia no parágrafo quarto do artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece que o Pantanal, assim como a Mata Atlântica e o bioma amazônico, são patrimônios de natureza federal e, portanto, de interesse nacional, cabendo à União legislar sobre eles. No entanto, é importante lembrar que o Código Florestal, promulgado em 2012, delega aos Estados a competência para legislar sobre o Pantanal através do artigo dez, que foi declarado constitucional pelo Supremo. Por isso, entendia-se que a ação não procedia, pois a competência para regulamentar o Pantanal havia sido delegada aos Estados, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que já possuem legislação específica sobre o Pantanal. No entanto, o Supremo decidiu que é necessária uma legislação nacional para regulamentar o Pantanal.

A Crítica: A primeira Lei do Pantanal foi sancionada pelo governador Eduardo Riedel. No entanto, agora existe esse projeto de lei em nível federal, pois o STF entendeu que o Pantanal é um bem de interesse nacional, não apenas dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, certo?

Gustavo: Exatamente. Na verdade, a compreensão que prevaleceu no Supremo, por maioria, foi que, embora o Código Florestal delegue aos Estados a competência para legislar sobre a matéria, a Constituição Federal estabelece que o Pantanal é um patrimônio nacional, sendo dever da União também produzir uma legislação que o regulamente. Tivemos dois votos dissidentes, dos ministros Zanin e Moraes, que entenderam que não havia omissão justamente por causa dessa delegação aos Estados. No entanto, o entendimento majoritário foi que a União deve promulgar uma lei federal sobre o Pantanal dentro de 18 meses. Caso isso não ocorra, o próprio Supremo tomará providências necessárias para preencher qualquer lacuna na regulamentação, mantendo, entretanto, as legislações estaduais vigentes, especialmente quando forem mais protetivas.

Vale lembrar que uma das pretensões do Ministério Público Federal na ação era que se aplicasse a legislação da Mata Atlântica na ausência de uma legislação federal específica para o Pantanal, o que foi rejeitado por se tratar de um bioma completamente diferente. A decisão do Supremo, portanto, preserva as legislações estaduais.

É importante notar que o governador Eduardo Riedel avançou significativamente com a legislação do Pantanal em Mato Grosso do Sul, criando uma lei protetiva que equilibra a exploração pelo pantaneiro com a proteção ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também apoiou essa iniciativa e esteve presente na promulgação da lei.

A Crítica: O senhor acredita que houve uma demora?

Gustavo: Bom, eu acredito que a demora se deve a dois fatores cronológicos. O primeiro é que temos o Código Florestal, promulgado em 2012, que delega aos Estados a competência para legislar sobre o Pantanal. Em 2015, o governador Reinaldo Azambuja editou um decreto regulamentando a utilização do Pantanal, que é muito parecido com a legislação atualmente vigente, promulgada pelo governo estadual de Mato Grosso do Sul no início deste ano. Então, na verdade, já existia uma legislação desde 2015.

A ação do Ministério Público Federal foi ajuizada em 2017, mas tramitou no Supremo desde 2007 e só foi julgada no final de 2023. Portanto, parte dessa demora se deve à própria tramitação dos processos, que pode ser demorada. O Supremo, ao analisar essas questões, realiza uma análise muito aprofundada, com debates intensos e longos, o que acaba levando mais tempo.

A Crítica: Quais são os principais desafios jurídicos e ambientais que podem surgir durante o processo de aprovação dessa lei do Pantanal?

Gustavo: É muito importante que o Congresso Nacional, ao elaborar essa lei, considere a participação da sociedade organizada, especialmente em temas tão sensíveis como o meio ambiente. Isso já foi observado na promulgação do Código Florestal, que foi amplamente debatido tanto pelo setor do agronegócio quanto pelas entidades de proteção ambiental. Esse processo de ampla discussão também ocorreu na elaboração da legislação estadual aqui no Mato Grosso do Sul e certamente será necessário agora.

O Pantanal é um patrimônio extremamente importante, com uma grande área no Mato Grosso do Sul. Espera-se, portanto, um grande debate. É essencial que o Congresso olhe para as legislações estaduais vigentes, pois elas foram precedidas por um amplo debate visando à proteção e à sustentabilidade da exploração do Pantanal. Essas legislações atuais atendem aos dois principais objetivos: proteção ambiental e viabilização da exploração pelas comunidades locais.

O grande desafio será garantir que a nova legislação federal não seja incompatível ou dissonante com as legislações estaduais que já estão em vigor e que são consideradas adequadas. Portanto, o objetivo é evitar que a nova lei federal crie conflitos ou retrocessos em relação às normas estaduais que têm se mostrado eficazes.

A Crítica: Como formular uma lei que seja eficaz e aceitável para diferentes interesses envolvidos?

Gustavo: Assim, eu penso que, obviamente, sempre que se lida com o meio ambiente, existe uma grande dificuldade em compatibilizar a proteção com o desenvolvimento. Quanto maior a exploração de uma determinada atividade, maior pode ser o impacto ambiental. No caso do Pantanal, a dificuldade é compatibilizar essa necessária proteção com a manutenção da exploração sustentável.

É importante observar que, durante a elaboração da lei estadual, foi muito discutido que o Pantanal tem características específicas que o diferenciam de outras áreas, como o Cerrado. No Cerrado, por exemplo, é possível uma exploração agrícola mais intensiva, com maior intervenção no meio ambiente, como desmatamento e abertura de áreas. Já no Pantanal, isso não ocorre da mesma forma, pois as áreas têm uma destinação de exploração muito específica. Havia uma preocupação em evitar a entrada da agricultura no Pantanal e a utilização de agrotóxicos, o que foi preservado pela legislação.

Portanto, o grande problema é conseguir essa compatibilização. Respondendo à pergunta da Lorena, o desafio é criar uma legislação que proteja o meio ambiente sem inviabilizar a exploração sustentável do Pantanal pelo pantaneiro. Atualmente, grande parte da proteção do Pantanal é feita pelos próprios moradores locais. Para que eles possam continuar vivendo lá, é necessário que suas atividades sejam economicamente viáveis. Se não houver rentabilidade mínima, pode ocorrer um êxodo dessas pessoas, o que poderia resultar em um efeito negativo, prejudicando a proteção necessária ao Pantanal.

A Crítica: A Lei da Mata Atlântica pode servir de referência para a Lei do Pantanal nesse novo projeto que está sendo realizado em 18 meses?

Gustavo: Eu, particularmente, acredito que a Lei da Mata Atlântica não deva servir de referência. A Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul atuou nesse processo e participamos do julgamento. Um dos argumentos que apresentamos aos ministros foi justamente a impossibilidade de utilizar a Lei da Mata Atlântica como referência, pois trata-se de um bioma completamente diferente, com características muito distintas e, por isso, mais restritivo. Adotar a legislação da Mata Atlântica para o Pantanal poderia trazer grandes prejuízos aos produtores rurais e aos pantaneiros.

A Crítica: Quais são os desafios práticos de monitoramento e avaliação que podem surgir após a determinação e aprovação da Lei do Pantanal?

Gustavo: Bom, na verdade, toda a parte de monitoramento e fiscalização ambiental hoje sofreu um avanço gigantesco com as novas tecnologias, que têm se tornado um braço muito importante nesse processo. Por exemplo, o Ministério Público e os órgãos ambientais utilizam fiscalizações por satélite para identificar focos de queimadas e desmatamento. Portanto, embora sempre existam desafios, especialmente em estados como o Mato Grosso do Sul, onde as áreas do Pantanal são vastas, a tecnologia tem ajudado enormemente na prevenção e controle.

Durante épocas de queimadas, o monitoramento é um desafio constante. No entanto, existem ferramentas e equipamentos amplamente utilizados hoje que auxiliam nessa tarefa, independentemente da existência de uma nova legislação. A proteção ao meio ambiente já é regulamentada de modo geral, e é dever do Estado buscar essa preservação.

O importante, na minha opinião, é que a nova legislação não crie empecilhos desnecessários para a exploração sustentável das atividades no Pantanal. O Estado, com seu aparato de fiscalização e tecnologia, deve continuar a proteger o meio ambiente sem inviabilizar a atividade econômica local.

"O Estado com o seu aparato de fiscalização e tecnologia deve continuar protegendo o meio ambiente", disse o advogado - (Foto: Rafael Rodrigues)

A Crítica: Devido a esses incêndios, existe a possibilidade desse prazo de 18 meses ser encurtado?

Gustavo: A única possibilidade que vejo para que isso ocorresse seria, primeiramente, porque seria incomum e, na verdade, até inviável do ponto de vista jurídico, que o Judiciário, espontaneamente, decidisse reduzir o prazo de 18 meses para 12 meses. Eles não poderiam fazer isso porque o Judiciário só pode decidir quando é provocado a fazê-lo. Então, uma vez que o julgamento foi proferido e o prazo de 18 meses foi estabelecido, esse prazo se mantém.

O que poderia ocorrer é algum recurso de uma das partes, como o Ministério Público ou alguma ONG que tenha participado do processo, solicitando uma revisão desse prazo através de embargos de declaração. No entanto, essa possibilidade é muito remota.

Não é a lei que vai impedir que os incêndios ou desmatamentos ocorram, mas sim a fiscalização preventiva e o monitoramento eficaz. O problema dos incêndios no Pantanal não é novo, e o Estado já toma as medidas necessárias. Com as condições climáticas adversas, como baixa umidade e seca prolongada, é realmente difícil controlar esses incêndios.

Podemos ver exemplos similares em outros lugares do mundo, como na Califórnia e na Austrália, onde ocorrem incêndios devastadores devido às condições climáticas, independentemente da atividade agrícola local. Portanto, acredito que é pouquíssimo provável que o prazo de 18 meses seja reduzido.

Assine a Newsletter
Banner Whatsapp Desktop