
O Giro Estadual de Notícias do Grupo Feitosa de Comunicação está promovendo, uma série de entrevistas intitulada "Sobreviventes silenciadas: diálogos urgentes sobre a violência doméstica e o feminicídio". A segunda convidada desse encontro é a titular da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM), delegada Elaine Benicasa.

Durante a entrevista, ela compartilhou os trabalhos da DEAM no combate a violência doméstica, que resultou em uma provável diminuição de quase 50% nos crimes de feminicídio no Estado. Confira a entrevista:
A Crítica: Quais são as principais atuações da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) em Campo Grande?
Delegada: A DEAM atua dentro da Casa da Mulher Brasileira desde 2015, fazendo parte da rede de proteção que inclui o Poder Judiciário, Defensoria, Ministério Público e Setor Psicossocial. A delegacia tem o desafio de acolher as vítimas de forma adequada e realizar investigações de alta qualidade para fornecer provas robustas nos inquéritos policiais. Além disso, realizamos operações policiais para cumprir mandados de prisão e busca e apreensão em casos em que a segurança das vítimas está em risco.
A Crítica: Como funciona a integração da DEAM com outros municípios e a expansão da Casa da Mulher Brasileira?
Delegada: A DEAM tem atribuição limitada a Campo Grande, mas no interior do estado existem 11 delegacias de atendimento à mulher. Além disso, há as salas lilás, que são espaços de atendimento mais humanizado em cidades que não possuem delegacias especializadas. Recentemente, foi anunciada a instalação da segunda unidade da Casa da Mulher Brasileira em Dourados. Essa integração entre os municípios e a ampliação da estrutura são fundamentais para atender as demandas de todas as regiões.
A titular da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM), delegada Elaine Benicasa
Como a DEAM lida com a alta demanda de casos de violência doméstica em Campo Grande?
Delegada: Hoje enfrentamos uma demanda crescente de casos de violência doméstica, sendo o carro-chefe de ocorrências em todas as delegacias, tanto na capital quanto no interior do estado. Temos equipes de plantão 24 horas e investimos em um setor específico de investigação de crimes de feminicídio e crimes sexuais. Apesar de contar com um número significativo de delegadas, a demanda é grande e requer uma estrutura cada vez maior para oferecer respostas eficientes à sociedade.
A Crítica: Algo que chama bastante atenção é que na maioria dos casos, especialmente nesses dois últimos casos, as crianças estavam presentes...
Delegada: Nessas situações mais recentes, que foram extremamente impactantes, uma das vítimas estava segurando seu filho de pouco mais de um ano, e na vítima anterior, a criança estava presente e até tentou ajudar. A mãe correu e pediu ajuda a uma testemunha, que era sua vizinha, perguntando se a mãe havia sido salva. É realmente triste ouvir essas testemunhas. As crianças são vítimas indiretas desses crimes. Aproveito para parabenizar a Defensoria Pública pelo programa de assistência aos órfãos do feminicídio, que tem como objetivo acolher essas vítimas, e também o Ministério Público. Toda a família é afetada por esse tipo de crime. Nesses últimos casos de feminicídio, a presença das crianças foi algo realmente marcante para nós.
A Crítica: Como está o balanço dos casos de femínicidio e violência doméstica na Capital neste primeiro semestre?
Delegada: É importante destacar que desde a criação da Casa da Mulher Brasileira em 2015, onde a DEAM está inserida nesse contexto, houve um crescimento contínuo no registro de ocorrências de todos os tipos de crimes contra a mulher, incluindo lesão corporal, ameaças e crimes de injúria. Iniciamos com cerca de 3 mil a 4 mil boletins de ocorrência e atualmente estamos próximos de 7 mil a 8 mil. Esse aumento no número de registros é algo positivo, pois indica que as mulheres estão cada vez mais conscientes em relatar essas situações de violência, rompendo com subnotificações que antes existiam. Aumentar o número de registros não é algo ruim, pelo contrário, é muito importante, pois somente assim essas mulheres terão acesso a políticas públicas em seu favor. Porém, em relação aos feminicídios, observamos uma diminuição em comparação ao ano anterior, quando ocorreram 14 feminicídios em Campo Grande. Até julho deste ano, temos cinco feminicídios em comparação aos seis do mesmo período do ano passado. No interior, a diminuição é ainda maior, e podemos afirmar que houve uma diminuição de quase 50% em todo Mato Grosso do Sul. Apesar disso, feminicídios ainda são um fenômeno preocupante. Ao analisar os dados desde 2015, não há um crescimento contínuo, mas sim uma oscilação no número de feminicídios. Começamos com cinco em 2015, caiu para quatro, subiu para oito, caiu para seis, chegou a 14 e depois foi para três. É um fenômeno que precisa ser discutido e demanda a criação de políticas públicas alternativas para garantir uma diminuição contínua desses números, evitando oscilações e crescimentos. No entanto, podemos afirmar que há uma diminuição nos casos de feminicídio em MS.
A Crítica: Alguns questionam a eficácia das medidas protetivas, alegando que há mulheres que morreram mesmo tendo essa proteção. Como as medidas protetivas contribuem para a redução desses casos?
Delegada: Dos cinco feminicídios ocorridos em Campo Grande, apenas uma vítima tinha registro de ocorrência e medida protetiva. As demais não possuíam nenhum tipo de proteção legal. Podemos dizer que 90% das vítimas de feminicídio não tinham medidas protetivas nem sequer haviam registrado ocorrência. As medidas protetivas são eficazes, elas oferecem proteção. É claro que as mulheres desejam ter um policial à porta de suas casas garantindo segurança 24h por dia, mas essa é uma estrutura impossível de ser fornecida pelo Estado. As medidas protetivas atuam no sentido de criar um temor no agressor quando ele é notificado, levando-o a pensar duas vezes antes de reincidir na violência contra a mulher. Os dados mostram que no ano passado foram concedidas mais de 7 mil medidas protetivas e ocorreram apenas 14 feminicídios. Portanto, fica evidente que essas medidas são efetivas. É importante ressaltar que a aplicação das medidas protetivas depende do registro da ocorrência, mas recentemente houve uma atualização que permite sua concessão sem a necessidade do registro. Além disso, é fundamental que as mulheres denunciem essas violências para que as políticas públicas de qualidade e eficiência que estão sendo criadas no município e no estado possam ser alcançadas.
A Crítica: Qual é o perfil dos homens que cometem feminicídio em Campo Grande?
Delegada: Não há um perfil específico dos agressores. Geralmente, os casos envolvem homens com condição financeira mais baixa, com histórico de consumo de álcool e drogas. No entanto, existem casos de agressores com outros perfis, incluindo pessoas de camadas mais elitistas. É importante destacar que qualquer tipo de homem pode ser autor de violência doméstica, inclusive aqueles que aparentam ser bons filhos, amigos ou parceiros. Não há um padrão definido.
A Crítica: Qual conselho a senhora dá para adolescentes que estão iniciando um relacionamento?
Delegada: O conselho principal é o amor-próprio. É essencial que as adolescentes valorizem a si mesmas e reconheçam que um relacionamento saudável não envolve xingamentos, agressões físicas ou controle excessivo. É importante identificar sinais de relacionamento abusivo, como ciúmes excessivo, isolamento social e controle sobre o comportamento. Além disso, é fundamental que toda a sociedade, incluindo familiares, amigos e vizinhos, esteja atenta e pronta para acolher e agir diante de situações de violência doméstica. A entrevista na íntegra pode ser acompanhada no player abaixo.
