
Os Correios atravessam uma grave crise financeira e estrutural, com endividamento bilionário, quadro de pessoal reduzido, sobrecarga de trabalho e risco concreto de greve nacional.
Em entrevista à A Crítica o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios em Mato Grosso do Sul (Sintect/MS), Wilton dos Santos Lopes, afirma que a estatal precisa de um aporte de cerca de R$ 20 bilhões para honrar dívidas, alerta que “a qualquer momento a gente também pode ficar sem salário” e critica a combinação de planos de demissão incentivada com a falta de contratações. Ele também se posiciona contra a privatização da empresa, que, segundo ele, deixaria a população do interior “totalmente prejudicada”. Confira a entrevista:
A Crítica: Wilton, qual é hoje a principal situação dos Correios no país e, consequentemente, para os trabalhadores em Mato Grosso do Sul?
Wilton: Os Correios vêm de um processo de precarização de vários anos. Nós escapamos, inclusive, de uma tentativa de privatização. A lógica foi essa: precarizar algo que dá lucro, que é rentável, para tentar justificar a privatização depois. Primeiro se sucateia, depois se diz que a única saída é vender.
Os Correios são uma empresa grandiosa, com 360 anos de história. Mesmo com todas essas medidas de precarização, o governo anterior não conseguiu privatizar. Mas o que foi feito naquele período impacta diretamente no que está acontecendo hoje dentro da empresa.
O atual governo assumiu com o compromisso de não privatizar os Correios, por entender que é uma empresa excelente e importante para o desenvolvimento do país. O problema é que a gestão indicada pelo atual presidente da República não teve capacidade e competência para reverter esse processo e acabou aprofundando ainda mais a crise.
Hoje os Correios estão em uma grave crise, necessitando de um aporte financeiro na casa de R$ 20 bilhões para pagamento de dívidas. São dívidas de aluguéis prediais, com fornecedores e outros compromissos. Ainda não chegou ao ponto de atrasar o salário dos trabalhadores, mas isso é iminente: sem esse aporte, a qualquer momento a gente também pode ficar sem salário.
Além disso, estamos em campanha salarial. Nossa data-base é 1º de agosto e, até agora, não conseguimos fechar essa data-base. Está bem difícil exatamente por causa desse cenário.
A Crítica: Uma greve dos trabalhadores aqui no estado é uma possibilidade real. Esse movimento seria mais um gesto defensivo, um alerta ou o início de algo ainda mais grave?
Wilton: Nesses últimos dois anos, temos buscado diálogo com o governo federal. Participamos de reuniões em Brasília, instalamos um comitê em defesa dos Correios e atuamos não apenas pensando em salário, mas em um projeto de reestruturação da empresa, para que ela possa se reerguer.
Esse alerta já vem sendo dado há bastante tempo. O que falta é resposta concreta. A gestão anterior ficou mais de dois anos à frente dos Correios. Agora houve mudança na equipe, mas ainda não vemos, na prática, as mudanças que a empresa e a sociedade precisam.
Hoje o próprio discurso é de que há necessidade desse aporte financeiro bilionário. Se a greve for deflagrada aqui no estado, não será apenas por questão salarial. Será também pela situação dos Correios, pelas condições de trabalho e pela necessidade de prestarmos um serviço de qualidade à população.
Precisamos de contratações e de um projeto que atenda a população a contento. A greve, nesse contexto, acaba sendo uma forma de defesa da categoria e, ao mesmo tempo, um grande alerta à sociedade sobre o que está acontecendo com a empresa.
A Crítica: Você fala bastante em precariedade. Para quem acompanha de fora, o que exatamente significa essa precarização na prática, para os trabalhadores e para os usuários dos Correios?
Wilton: A precarização se traduz, principalmente, na sobrecarga de trabalho e na falta de pessoal. O último concurso que resultou em contratações foi em 2011, e as últimas admissões ocorreram ali por volta de 2013. Tivemos recentemente um novo concurso, que era uma cobrança justa nossa, justamente para atender melhor a população. O concurso foi concluído, mas até agora não houve contratação de nenhum trabalhador.
Aqui em Mato Grosso do Sul, já chegamos a ter quase 2 mil trabalhadores. De dez anos para cá, esse número caiu para cerca de 1.100. Ou seja, praticamente reduzimos o efetivo pela metade.
Isso significa que não há gente suficiente para atender a população de forma adequada. Carteiros e demais trabalhadores estão sobrecarregados, com mais áreas para cobrir, mais entregas, mais pressão por resultado.
Além disso, há problemas estruturais: prédios, condições de trabalho, manutenção de veículos, equipamentos. Mas o ponto central da precarização é a falta de efetivo. Sem pessoal, fica impossível prestar o serviço como a sociedade merece.
A Crítica: Uma das principais pautas da mobilização é o reajuste salarial. Como está essa negociação hoje? O que a empresa tem sinalizado sobre reposição da inflação e condições de trabalho?
Wilton: A nossa expectativa é, no mínimo, a reposição da inflação. É algo justo para qualquer categoria, e, no nosso caso, ainda mais, porque estamos sobrecarregados e, mesmo assim, mantemos o serviço funcionando para a população.
Temos enfrentado grande dificuldade para que a empresa reconheça isso. Nossa data-base é 1º de agosto. A última proposta apresentada na mesa de negociação — que agora está sob mediação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) — prevê a reposição da inflação, mas com pagamento apenas em abril do ano que vem.
Além disso, a empresa quer atrelar isso a um acordo bianual e mexer em direitos históricos previstos no nosso acordo coletivo. Então, além de não garantir um reajuste justo — porque perderemos de agosto até abril sem reposição — ainda tenta retirar conquistas importantes dos trabalhadores.
Isso é muito injusto para uma categoria que vem sofrendo há anos. Hoje temos 36 sindicatos em nível nacional. Desses, 12 bases já estão em greve, indo para o segundo dia de paralisação. Aqui em Mato Grosso do Sul, temos assembleia marcada e, se não houver avanço, vamos ter que nos somar a esses companheiros.
Ainda não deflagramos greve porque o próprio ministro do TST, que está mediando o processo, apontou que havia margem para avançar na negociação. Mas, até agora, esse avanço não aconteceu. Se nada mudar, o caminho será uma paralisação mais forte e ampliar o movimento em âmbito nacional.
A Crítica: Com esse cenário, há risco de demissões em massa nos Correios ou isso se limita aos planos de desligamento incentivado?
Wilton: Os Correios são uma empresa pública. Somos empregados públicos e, para uma demissão, é necessário um processo administrativo. O que tem sido divulgado quando se fala em 10 mil demissões são, na verdade, demissões voluntárias, por meio de PDVs (Plano de Demissão Voluntária) e PDIs (Plano de Demissão Incentivada).
Na última década, saímos de um quadro de mais de 120 mil trabalhadores, em nível nacional, para cerca de 86 mil hoje. É uma redução muito grande. Isso mostra que o quadro de pessoal já está deficiente.
A gestão atual anunciou que, como parte da reestruturação, está previsto um novo PDV e PDI, com expectativa de 10 mil adesões. São demissões que dependem da vontade do trabalhador, que recebe um incentivo para sair. Mas isso vai na contramão da reestruturação da empresa: se eu incentivo a saída de 10 mil trabalhadores e não faço a reposição, vou continuar precarizando o serviço. A empresa não vai conseguir se recuperar desse jeito.
A Crítica: E para quem está perto de se aposentar, ou já é aposentado, como esses planos de demissão incentivada impactam a vida dessas pessoas?
Wilton: O público-alvo desses planos são justamente as pessoas no fim da carreira, perto da aposentadoria. Elas recebem um incentivo, que não é nada extraordinário, mas, muitas vezes, acabam aderindo porque já estão no final do ciclo de trabalho.
Nos últimos anos, já tivemos uma evasão grande desse perfil de trabalhador. Muita gente saiu nos PDVs anteriores. Por isso, inclusive, eu duvido que haja tanta gente assim para chegar a esse número de 10 mil adesões que a gestão projeta. A conta não fecha, e, mais uma vez, isso não resolve o problema estrutural da empresa.
A Crítica: A privatização dos Correios volta e meia entra em pauta no debate nacional. Na sua visão, uma privatização ajudaria a resolver essa crise ou pioraria a situação?
Wilton: Nós somos totalmente contra a privatização. Os Correios fazem parte da história do Brasil. A empresa foi fundamental para o desenvolvimento do país na época dos Correios e Telégrafos, garantindo a comunicação entre regiões distantes.
Com a modernização e as novas tecnologias, nós nos adaptamos, incorporamos novos serviços e seguimos relevantes. Nossa atuação continua sendo essencial.
Na pandemia, por exemplo, os Correios foram considerados serviço essencial. Enquanto muitos setores estavam parados, os carteiros e o pessoal operacional estavam nas ruas, entregando encomendas, medicamentos, garantindo que coisas importantes chegassem às pessoas.
Os Correios estão presentes em todos os municípios do país. Nenhuma empresa privada faz isso. Se privatizar, a tendência é focar só onde dá lucro, no “filé”. A população do interior, das áreas mais afastadas, que depende dos Correios para receber encomendas e outros serviços, será totalmente prejudicada. E, para ter um serviço equivalente, muita gente não terá condição de pagar.
Também existe muito mito sobre monopólio. Os Correios têm monopólio apenas sobre cartas, que hoje representam um volume bem menor, principalmente contas e faturas. O mercado concorrencial tem interesse é nas encomendas, e nesse segmento a concorrência é livre, com várias empresas atuando.
O detalhe é que essas empresas, em geral, não chegam aos municípios mais distantes. Muitas vezes, elas usam os próprios Correios para concluir a entrega. Vão até um entreposto mais próximo e, dali em diante, quem leva até a porta do destinatário somos nós.
Além disso, os Correios atuam em várias atividades estratégicas: logística das provas do Enem, eleições, atendimento em situações de catástrofe. Um exemplo recente é o Rio Grande do Sul, onde os Correios fizeram a maior operação logística de donativos, sem cobrar nada.
Também entregamos medicamentos de uso contínuo. Aqui no estado, há contratos em municípios como Bonito e Bodoquena, e poderíamos avançar ainda mais. O carteiro retira o medicamento na central e leva até a casa de quem precisa, muitas vezes uma pessoa com dificuldade de locomoção. Tudo isso mostra que a privatização traria prejuízos enormes para a população.
A Crítica: Para encerrar, como está o calendário da mobilização? Se não houver acordo, a partir de quando a greve pode começar em Mato Grosso do Sul?
Wilton: O indicativo de greve está a partir das 22 horas da próxima terça-feira, dia 23 de dezembro. A assembleia será realizada até as 19 horas desse mesmo dia, e os trabalhadores vão decidir.
Nós estamos dispostos a negociar até o último momento. Se surgir algo que contemple minimamente os nossos anseios, vamos levar à assembleia, discutir e avaliar. Mas, se não houver avanço, infelizmente vamos ter que partir para essa mobilização mais forte.
Pedimos a compreensão da população. Não estamos apenas em busca de melhorias salariais ou de vantagens. A categoria entende o cenário da empresa, mas precisa, no mínimo, de uma reposição inflacionária de todo o período para continuar prestando um serviço de qualidade.
Nossa pauta inclui contratação de pessoal, condições de trabalho dignas, um projeto de reestruturação que realmente atenda os anseios da população e o compromisso de não fechar unidades e agências. O que está em jogo é o futuro dos Correios como empresa pública essencial para o país.

