
Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o pacote apresentado pelo governo para socorrer as empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, precisa ter prazo de duração e foco.

“O governo precisa ter muito cuidado com essa questão do prazo e focar efetivamente nas empresas que vão ser afetadas”, afirma. “A ajuda precisa ser focada, forte, temporária e parar por aí. Não pode ser uma ajuda que se estenda.”
Por ora, Vale diz que o melhor que o governo brasileiro deve fazer é buscar novos mercados para os produtos brasileiros. “Nesse momento, ampliar os acordos comerciais seria o mais interessante para o governo focar”, afirma.
Como avalia o pacote apresentado pelo governo?
A ideia de três partes — continuar negociando, fazer ajuda com crédito tributário e buscar novos mercados — é o caminho mais virtuoso para se fazer nesse momento, especialmente buscar novos mercados. Acho que o governo tinha de fazer um esforço muito grande nesse momento de ampliação dos acordos comerciais, acelerar o acordo com a União Europeia. Esse caminho é bastante importante. E também, obviamente, seguir negociando. A negociação que foi feita conseguiu tirar 700 produtos (da lista da tarifa dos EUA). Então, houve uma certa eficiência. O que não dava para fazer era retaliar como se imaginava que era uma possibilidade. Colocar a tarifa de importação com os produtos americanos só levaria a uma situação ainda mais grave.
E enxerga algum risco fiscal?
A política fiscal existe para isso, para poder auxiliar nesses momentos de crise. A grande questão relacionada a esse pacote é não criar um programa que, de repente, estava programado para durar um ano, mas que continua e vira um subsídio. Vira um gasto tributário adicional no Brasil e não se consegue mais tirar, como muita coisa que a gente viu acontecer na pandemia. O governo precisa ter muito cuidado com essa questão do prazo e focar efetivamente nas empresas que vão ser afetadas.
A retaliação não pode ser um caminho para o Brasil, então?
Não estamos com capacidade de fazer uma retaliação via tarifa de importação. Haveria um processo inflacionário aqui no Brasil num momento de inflação elevada. Esse não é um caminho mais adequado. Agora, disso tudo o que foi colocado pelo governo, o que fica de receio é conseguir fazer, de fato, um programa que vai ser focado nas empresas que precisam e que tenha um prazo para terminar. Não pode ser estendido à perda de vista. O Trump vai ficar por quatro anos e essa questão tarifária não vai morrer aqui. O Trump vai voltar a essa questão tarifária contra o Brasil e o resto do mundo várias vezes ao longo do seu governo. Então, precisa se tomar um cuidado para isso não se estender durante muito tempo e ficar com o argumento de que “olha, o Trump está mudando as tarifas e, portanto, esses créditos precisam continuar”. A ajuda precisa ser focada, forte, temporária e parar por aí. Não pode ser uma ajuda que se estenda. E o melhor que o governo poderia fazer é ajudar essas empresas na busca de novos mercados. Nesse momento, ampliar os acordos comerciais seria o mais interessante para o governo focar.
E qual é o impacto estimado do tarifaço?
No geral, o impacto na macroeconomia brasileira não vai ser muito grande. Tem algum impacto possível de preços que a gente vê acontecer, positivo na inflação brasileira. Mas vemos, pelo próprio comportamento do câmbio e pelo cenário em termos de expectativas de inflação, atividade e juros, que ninguém mudou o cenário por conta desse choque. A atividade e a inflação estão desacelerando. E a discussão que se coloca agora é baixar a taxa de juros já no final deste ano, que é o nosso cenário há algum tempo, de a Selic começar a baixar em dezembro.
O que o Trump tem feito na economia mundial é um cenário muito trágico e muito ruim e, no nosso caso, com um impacto ainda maior, porque foi a maior tarifa em relação a outros países. Mas, de certa forma, a gente tem uma resiliência, e os Estados Unidos não são mais, em termos de tamanho de exportação agregada, o que eram há 25 ou 30 anos. Têm um peso muito menor e, consequentemente, o impacto acaba sendo diminuído.
Não tem um impacto nem em saldo comercial?
O saldo pode ter alguma diminuição ao longo deste ano. O Brasil exporta US$ 40 bilhões para os Estados Unidos. Passado esse choque, talvez, possa cair para US$ 30 bilhões, um pouco menos no final. A gente vai ter um cenário também em que essas empresas vão buscar novos mercados. Parte dessa exportação ainda vai continuar acontecendo para os Estados Unidos de qualquer maneira, mas vamos acabar buscando outros mercados para essas empresas ao longo dos próximos anos. Você vai deixar de exportar para os EUA e, tendencialmente, acaba exportando para outros lugares.
Acho que vamos ver isso com mais clareza no agro. O potencial de ganho no agro é importante porque, além de a gente conseguir deslocar essa exportação para outros lugares, os Estados Unidos são um grande competidor nosso. Então, coloca o Brasil como um potencial exportador com ainda mais intensidade por conta do que os Estados Unidos estão fazendo. No primeiro mandato do Trump, os EUA se tornaram parceiros não confiáveis em relação à China. Agora, estão se tornando parceiros não confiáveis no mundo inteiro.
O Brasil pode se beneficiar mais no agro, então?
O Brasil pode se beneficiar bastante do ponto de vista da agropecuária. A indústria vai ter mais dificuldade. Não é simples colocar esse produto aqui dentro, achar outro caminho de exportação por conta da competitividade. O mundo inteiro está fazendo isso. É um cenário para a indústria que, talvez, seja mais difícil.
E tem algum espaço para negociar com os Estados Unidos?
Acho que tivemos um ganho muito grande por eles terem excluído os 700 produtos. Fica difícil imaginar que você vai conseguir colocar outros, mas, talvez, alguns específicos, como é o caso do café. Os Estados Unidos não têm de onde buscar esse café, seja do Vietnã ou da Colômbia. Nesse sentido, tem um caminho de uma eventual negociação adicional para poder colocar outros produtos. A gente já conseguiu esses 700 produtos, e não está muito claro se vai ser possível conseguir mais, porque, nos próximos meses, o Trump estará lidando com questões domésticas, tem a questão (da presidência) do Banco Central e da própria desaceleração da economia americana. E vai entrar, cada vez mais, essa ideia de que as coisas que o Trump está fazendo não estão funcionando. Não vai mudar radicalmente a balança comercial americana, não vai trazer indústrias efetivamente para os Estados Unidos. Então, o Trump vai, recorrentemente, ao longo dos próximos anos, colocar esse risco tarifário para o mundo, inclusive para a gente. Tem o risco de esses 700 produtos deixarem a lista e, eventualmente, o Trump mudar a tarifa de novo. Essa história vai permanecer nos próximos três anos e meio. Não acaba por aqui. Há um potencial de negociar, mas, dada a intempestividade do Trump, não dá para confiar muito nisso.
Alguns analistas têm defendido uma retaliação conjunta dos países para colocar algum limite no Trump. Faz sentido?
Quem deveria colocar limite no Trump é a política americana doméstica. Tem de ser os empresários, tem de ser o Congresso americano, a Justiça. Tinha de ser uma contenção doméstica. Do jeito que o Trump funciona, ele vai dobrar a aposta e vai colocar uma tarifa ainda maior se houver uma contenção internacional e o mundo se juntar para jogar uma tarifa de importação contra os Estados Unidos. Entramos no cenário potencial de uma guerra tarifária, como vivemos nos anos 30, e que foi muito prejudicial. Piorou a Grande Depressão. Entramos num cenário muito complicado se isso acontecer. O mundo, corretamente, optou por dar outras respostas, negociar e fazer essa ampliação de comércio entre si. Tentar responder aos Estados Unidos com as armas dele vai irritar o Trump, não vai funcionar e vai agravar a situação. No momento, poucos países têm essa condição de tentar retaliar, como estamos vendo a China fazer. O resto do mundo, especialmente o Brasil, não tem condição de fazer isso. Temos de ir com muito mais cautela e, de certa forma, estamos fazendo isso com as políticas que estão sendo colocadas.
