
Violência contra mulher é um assunto sempre em evidência em Mato Grosso do Sul. O Estado foi o terceiro com o maior índice de feminicídios em 2021 ficando atrás de Tocantins e Mato Grosso. A ex-subsecretária de Políticas Públicas do Governo de MS, Luciana Azambuja destacou que essa violência atinge todos os perfis de mulheres e que ela não começa com a morte de uma vítima, e sim com uma piadinha.

Ela também destacou que se o padrão se manter, o Estado deve superar as mortes por mulheres registradas em 2021 - 34 ao todo. De janeiro até agora, foram 22 vítimas de feminicídio. Esse crime é uma qualificação do homicídio com o motivo da morte de uma mulher por ela ser mulher. Luciana deixou a Subsecretaria e é pré-candidata pelo Partido Progressista (PP) a deputada federal.
Confira a entrevista abaixo:
Mato Grosso do Sul tem registrado uma série de feminicídios desde o começo do ano. Como a ex-secretária analisa esse cenário?
São crimes muito cruéis e quando paramos para analisar como política pública de enfrentamento a violência, eu como advogada e especialista em direitos das mulheres, faço sempre uma leitura muito crítica desses casos de feminicídio. É muito importante a sociedade discutir violência contra mulher e o quanto essa violência impacta na vida de crianças e adolescentes. Tivemos casos de crianças que têm idades de dois anos, quatro anos, adolescentes que causam uma comoção muito grande. Quando paramos para pensar quais as políticas públicas que existem para crianças e adolescentes, isso mexe com a gente. Temos a Lei Maria da Penha, Lei do feminicídio, que são políticas estruturantes para as mulheres, mas para crianças e adolescentes, precisamos começar a pensar nisso. O Governo do Estado por meio da Subsecretaria em 2020 começou a discutir os órfãos dos feminicídios. Com quem ficam as crianças? Onde estão essas crianças? E o quanto a sociedade civil pode se engajar nisso? A violência contra mulher e os feminicídios não são só uma questão de segurança, não são só uma questão de justiça. Eu acredito que sobretudo são uma questão de educação, cidadania e precisamos mudar o comportamento machista que viola, que subjuga, humilha e mata mulheres.
Em relação a violência contra mulher, o que a sociedade pode fazer?
Nesse início de ano, até maio e nesses primeiros dias de junho, casos muito cruéis. Eu não consigo imaginar outra forma de um homem impingir maior sofrimento a uma mulher do que torturar e ameaçar a tirar a vida dela na frente dos filhos. Eu não imagino o sofrimento dessa mulher na hora que ela vê que pode ser morta e tem um filho junto. Quando a gente fala de feminicídio, é importante que todas as pessoas se questionem também. A gente não pode admitir e não pode banalizar, naturalizar a violência contra mulher. Isso começa em uma piadinha, começa em um ciúme excessivo - que não é ciúme, é posse - e termina com um feminicídio.
Você estava fazendo um levantamento dos casos de feminicídio. Quais foram os últimos registrados?
Tivemos no dia 1 de junho o Dia de Combate ao Feminicídio, e na noite tivemos o caso cruel de Ribas do Rio Pardo com a criança de quatro anos e o adolescente e irmão. Essa madrugada em Sidrolândia, um caso e em Ponta Porã outro. Esses dois últimos felizmente não tiveram a presença de criança, mas infelizmente foram mais duas mulheres assassinadas com muita violência. Precisamos discutir como evitar os feminicídios, se são mortes evitáveis ou não. O mapa do feminicídio que o Governo do Estado lança desde 2020 e neste ano de 2022 analisou os 34 ocorridos em 2021. Dessas que morreram, somente duas tinham medidas protetivas. As medidas protetivas salvam vidas. Se você é uma mulher que sofre violência ou conhece uma mulher que sofre, oriente a buscar ajuda em um CRAS, um CREA, uma delegacia de polícia. Mesmo que não queria registrar um boletim de ocorrência, informe-se como você pode ter ajuda. Principalmente, peça uma medida protetiva, porque se o agressor se reaproximar de você, ele pode ser preso. Então, quando a gente fala de feminicídio como morte evitável é que a gente não quer mais ter o dissabor de acordar e dormir todos os dias com notícias de mais uma mulher morta, família destroçada, criança sem mãe e uma mãe sem filha. Esse apelo que a gente faz é para toda a sociedade. Este ano, de janeiro a maio, já foram 19 mulheres mortas, mais três agora em junho. Vamos de novo bater recordes de aumento de violência.
Um ponto a se destacar é a dependência que algumas mulheres têm por parte do companheiro ou do ex-companheiro. Como o Estado pode auxiliar as mulheres a se libertarem da dependência?
Esse ponto é crucial para que as mulheres deixem o ciclo de violência. A autonomia econômica, a independência financeira e o empoderamento feminino são, sem sombra de dúvidas, a porta de saída dessa vida de relacionamento abusivo, dessa vida de violências. Muitas mulheres não denunciam porque dependem do agressor e elas pensam ‘se eu denunciar, e ele for preso, como eu vou pagar o aluguel, como vou por comida na mesa, como vou sustentar meus filhos, como vou me sustentar?’. Então, essa dependência financeira cria os laços tóxicos e abusivos e precisamos dizer para essas mulheres que existem políticas públicas que podem ajudá-las a se qualificar profissionalmente para que ela tenha melhores condições de empregabilidade, geração de renda e que possa empreender. Eu sempre lembro de uma senhora do interior que queixava: ‘minha filha, eu não sei fazer nada’. Eu estava na casa dela e falei ‘mas quem fez esse bolo?’. A senhora respondeu que foi ela. Começamos a conversar com essa senhora e ela fez os cursos online do Programa Recomeçar e começou tirar foto ajudada pelo filho e postar no Facebook. Começou a vender o bolo simples no começo da pandemia e conseguiu sair da situação quase de miserabilidade, sem emprego, as crianças sem aula para empreender em casa e com a ajuda dos filhos. Quando falamos que mulheres têm uma força incrível e quando elas querem mudar de vida, elas conseguem, é porque temos esse espírito empreendedor dentro da gente.
Agora ex-subsecretária de Políticas Públicas de Mato Grosso do Sul, quais foram os principais problemas ao longo de sua gestão na pasta quando falamos de violência contra mulher?
Podemos ampliar quando falamos dos desafios para interiorização das políticas públicas para mulheres. O grande desafio, o maior obstáculo, é a efetiva implementação da Lei Maria da Penha. É uma das três melhores leis do mundo no combate à violência contra mulher e à proteção. É sem sombra de dúvidas a lei mais conhecida do Brasil, qualquer pessoa conhece ou já ouviu falar. Quando a gente vai para Sidrolândia por exemplo. É um município próximo da Capital, mas não tem os serviços especializados que a rede de atendimento e de proteção a mulher deveria ter como a lei prevê. Em Campo Grande tem a Casa da Mulher Brasileira e nessa casa tem o atendimento psicossocial especializado, tem a delegacia 24 horas, tem a defensoria atuante, tem o Ministério Público, tem o Judiciário com uma vara especializada lá dentro só para concessão de medidas protetivas, tem a patrulha Maria da Penha e o Programa Mulher Segura da PM. Quando vamos daqui até Sidrolândia, não tem mais uma Guarda Municipal, uma vara especializada na concessão de medidas, não tem uma defensoria pública, um centro de atendimento de mulheres. E não temos na maioria dos 78 municípios. Quando falamos em desafios para igualdade, eu cito primeiro que precisamos fortalecer e estruturar a rede de atendimento às mulheres em situação de violência incluindo crianças e adolescentes.
Precisamos lembrar que as mulheres longe dos centros urbanos também necessitam desses serviços. Como são as ações para este público?
Esse é o desafio do desafio. Se o desafio é interiorizar e efetivamente implementar as políticas públicas, a gente dá um segundo passo, como atingir os diversos segmentos de mulheres. Eu gosto de usar sempre dados, senão ficamos no achismo. Quando eu falo de mulheres idosas e mulheres jovens, dos 34 que ocorreram ano passado, quatro vítimas tinham menos de 21 anos e três tinham mais de 60 anos. A violência contra mulher atinge mulheres de todas as idades, raças e etnias. Mulheres e crianças indígenas, sobretudo de uma certa região do Estado, são vítimas de crimes violentos porque estão em uma região de maior vulnerabilidade. Se já é difícil para algumas comunidades urbanas buscar ajuda, pensem para uma que está no assentamento. Como a mulher vai sair de bicicleta ou a pé com dois três filhos até chegar a um local onde pode ser atendida. Os desafios são muitos, mas a determinação de fazer a diferença na vida das pessoas também e isso nos move.
Podemos dizer que a causa da defesa da mulher será sua principal bandeira se for eleita a deputada federal?
Com certeza, eu conversava ontem com um grupo de amigas e falei que saí da Subsecretaria do Governo, mas essa pauta não sai mais de mim. Como mulher, precisamos defender os nossos interesses, os nossos direitos, temos de discutir as nossas bandeiras. Quando a vida da mulher vai bem, a vida da família vai bem. Precisamos valorizar a participação da mulher na política, nos negócios, nos diferentes níveis e setores públicos e privados. No esporte também temos excelentes atletas, técnicas. Então, precisamos pensar que muitas mulheres são responsáveis financeiras por suas famílias e o quanto ainda falta atenção individualizada ao segmento feminino.
