
O desembargador Dorival Renato Pavan assumiu a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) para o biênio 2025-2026 com um compromisso firme de modernizar a Justiça estadual, ampliar a transparência e reduzir a morosidade processual. Em entrevista exclusiva ao jornal A Crítica, ele detalhou suas principais diretrizes para a gestão, abordando temas como digitalização, fortalecimento da independência do Judiciário e acesso à Justiça para a população vulnerável.

Confira a integra da entrevista:
1 - O senhor assume a presidência do Tribunal de Justiça em um momento em que o Judiciário é cada vez mais cobrado por celeridade e eficiência. Quais serão as suas prioridades para modernizar e tornar a Justiça estadual mais acessível à população?
Assumo a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul com um compromisso firme de fortalecer a eficiência e a acessibilidade do Judiciário. Nossa prioridade será modernizar os fluxos processuais por meio de investimentos contínuos na digitalização e automação dos serviços judiciais, garantindo maior celeridade na tramitação dos processos.
Dentro desse conceito, uma primeira ação é a de ingressarmos no sistema E-Proc, criado pelo TRF da 4ª Região e já implantado em alguns Tribunais, que funciona com inteligência artificial e que proporciona a eliminação do tempo morto do processo, que tanto traz atraso na tramitação dos feitos processuais.
Além disso, valorizaremos magistrados e servidores, pois são eles que fazem a Justiça acontecer no dia a dia. A capacitação contínua e a adoção de ferramentas tecnológicas permitirão aprimorar a prestação jurisdicional. Também daremos atenção especial ao fortalecimento dos juizados especiais e à ampliação do atendimento remoto, facilitando o acesso à Justiça para toda a população, especialmente nas regiões mais distantes do Estado.
2 - A morosidade processual é uma crítica recorrente ao Judiciário brasileiro. Na sua gestão, há planos concretos para reduzir os prazos de tramitação dos processos no TJMS?
Sim, e essa será uma das nossas principais metas. A redução da morosidade passa por um conjunto de ações que envolvem a otimização dos fluxos internos e a valorização dos servidores e magistrados. Trabalharemos para ampliar o uso da inteligência artificial no processamento de ações repetitivas, reduzindo o tempo de análise de casos semelhantes. Além disso, investiremos no fortalecimento da cultura da conciliação e da mediação, pois sabemos que muitos litígios podem ser resolvidos de maneira mais rápida e eficiente fora do ambiente tradicional do processo judicial. A modernização será uma das grandes estratégias para aumentar a produtividade e reduzir os prazos de tramitação.

3 - Nos últimos anos, temos visto um avanço na digitalização dos processos judiciais. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul está preparado para um modelo 100% digital? Há desafios estruturais ou resistência à implementação desse modelo?
O TJMS tem avançado significativamente em tecnologia. Somos pioneiros em vários segmentos, premiados em outros e exemplo em diversas iniciativas. No entanto, sabemos que ser 100% digital exige não apenas infraestrutura tecnológica robusta, mas também capacitação contínua de servidores e magistrados. Um dos desafios é garantir que todas as comarcas, especialmente as do interior, operem plenamente nas plataformas, sem quedas de sistema, de fornecimento de internet e com bons equipamentos e mobiliário. Outro ponto é a inclusão digital da população, com segurança, tecnologias simples, linguagem simplificada e transparência. Trabalharemos para superar quaisquer barreiras e consolidar um Judiciário mais moderno e acessível.
4 - A transparência dos atos judiciais é uma demanda crescente da sociedade. O TJMS pretende adotar novas práticas para ampliar a publicidade das decisões e a comunicação com a população?
Sim, a transparência será um dos pilares da nossa gestão. Queremos aproximar ainda mais o Judiciário da sociedade, falar de perto com todos, garantindo que as decisões e os atos administrativos sejam acessíveis e compreensíveis. Para isso, fortaleceremos os canais de comunicação institucional, investindo na modernização do portal do TJMS, na ampliação do uso das redes sociais e na disponibilização de dados de maneira mais intuitiva e acessível. Além disso, incentivaremos encontros periódicos com a imprensa e representantes da sociedade civil para discutir temas de interesse da população. A Justiça precisa ser clara, previsível e confiável para todos.
5 - Em tempos de polarização política, como o senhor pretende fortalecer a imagem de independência e imparcialidade do Tribunal frente às pressões externas?
O Poder Judiciário é um pilar fundamental da democracia e deve manter-se sempre independente e imparcial. Nosso compromisso é com a Constituição, as leis e a Justiça, sem qualquer influência externa, no campo do exercício da jurisdição, preservando a independência funcional dos magistrados no ato de decidir, o que sempre se faz segundo a prova produzida no processo e no livre convencimento do magistrado, atividades insondáveis, que garantem a completa imparcialidade no ato de decidir, elementos fundamentais para o pleno exercício da jurisdição. A motivação dada pelo magistrado na sentença ou no acórdão do Tribunal, é o elemento que permite o controle das partes envolvidas na relação litigiosa, pois ali se estabelecem as premissas de suas decisões, que são disponíveis a todos, exceto quando se trata de processo que tramita em segredo de justiça. Com isso, o TJMS continuará atuando com serenidade e equilíbrio, garantindo que o Direito prevaleça acima de qualquer polarização. Todavia, o Judiciário deve mostrar transparência na sua atividade-meio, administrativa, e dentro dessa perspectiva trabalharemos com transparência, previsibilidade e rigor técnico em todas as decisões.
6 - Mato Grosso do Sul possui um alto índice de população vulnerável. O acesso à Justiça ainda é um desafio para muitas pessoas, especialmente no interior do Estado. Há alguma iniciativa prevista para garantir um atendimento mais amplo à população carente?
Garantir o acesso à Justiça para todos, especialmente para os mais vulneráveis, é um compromisso essencial do nosso Judiciário. Daremos atenção especial às questões da infância, das vítimas de violência doméstica e familiar, e do idoso, garantindo atendimento célere, e na valorização dos direitos humanos, alinhados ao Pacto de São José da Costa Rica, com quem firmamos recentemente convênio para a troca de experiências, com as orientações da ONU e das políticas do Conselho Nacional de Justiça, voltadas para essas áreas. Continuaremos investindo em estruturas e políticas que tornem o Judiciário mais acessível e efetivo para toda a população.

7 - Presidente, como o senhor pretende lidar com a gestão do quadro de servidores do Judiciário ao longo de sua gestão e como isso impactará a eficiência da prestação jurisdicional?
A valorização dos servidores é uma dentre as tantas prioridades da nossa gestão, pois reconhecemos que eles são fundamentais para o funcionamento eficiente do Poder Judiciário. Sabemos que o Tribunal não é composto apenas por seus desembargadores e juízes, mas também por servidores que, com dedicação e profissionalismo, mantém a máquina judiciária em funcionamento. Estamos comprometidos com a implementação de políticas que garantam melhores condições de trabalho, incentivo à capacitação e valorização profissional.
Sem o servidor, tanto na área meio quanto na área fim, o Poder Judiciário é incapaz de cumprir sua missão constitucional. Entendemos que a ampliação do quadro de assessores em primeiro grau é essencial para evitar o colapso do Judiciário e oferecermos uma prestação jurisdicional mais rápida à sociedade. Também investiremos em programas de capacitação contínua, fortalecendo a qualificação para que possam acompanhar as inovações do Judiciário.
Além disso, trabalharemos para aprimorar a qualidade do ambiente de trabalho, promovendo ações de bem-estar, saúde e qualidade de vida. Sabemos que servidores motivados refletem diretamente na melhoria da prestação jurisdicional, beneficiando toda a sociedade. Estaremos abertos ao diálogo com as entidades representativas para construir soluções que atendam às necessidades da categoria de forma equilibrada e sustentável.
8 - Como o senhor vê essa questão em torno do subsídio dos magistrados, que é objeto de constantes referências na imprensa nacional?
A imprensa trata de forma indevida essas verbas como “penduricalhos”: nunca o foram e nunca o serão. Tratam-se de direitos adquiridos dos magistrados, reconhecidos por lei ou por decisões do CNJ, que objetivam apenas recompor o que deveria ter sido pago na época devida e que não o foram, gerando um passivo que agora vem sendo pago de forma parcelada à magistratura, dentro, sempre, dos limites orçamentários do Tribunal.
Se um trabalhador deixa de receber seu salário e verbas a que tem direito e que não foram pagas pelo seu empregador, seu direito será reconhecido na Justiça do Trabalho e ele irá receber os valores devidos, com juros e correção monetária, podendo inclusive executar o título formado.
Com os magistrados não haveria que ser diferente, apenas porque integram uma das carreiras do Estado e do Poder Judiciário.
O que está sendo pago para além do teto constitucional são verbas indenizatórias, excepcionadas pelo próprio texto constitucional, como sendo possível.
O que deveria ter sido pago no tempo devido, ou suprimido indevidamente por outras ações administrativas anteriores, tiveram o reconhecimento de valores que se integraram ao patrimônio do juiz ou desembargador, que faz jus a ele.
A falta de pagamento no modo e tempo devidos gerou, reafirmo, esse passivo, agora pago escalonadamente, como afirmei.
Absurdo então a imprensa tratar essas verbas como "penduricalhos", ignorando a realidade vivida pelos magistrados ao longo de várias décadas do exercício da magistratura.
Não podemos equiparar, também, o subsídio de um magistrado com o salário de um trabalhador comum.
Ao contrário deste último, o magistrado tem formação de curso superior em Direito, o que tomou muitos anos de estudo para sua formação profissional, que se aperfeiçoou com cursos posteriores, tomando-lhe anos de estudos e gastos financeiros para ao final enfrentar um dificílimo concurso de ingresso na magistratura.
Essa comparação, portanto, é indevida e só demonstra o quão distante está da realidade a imprensa que insiste em tratar essas verbas de "penduricalhos".
Outro fator a ser tomado em conta é que o magistrado é de dedicação exclusiva, o que significa dizer que não pode exercer outra atividade remuneratório qualquer, a não ser lecionar em Curso Superior tão somente, de forma que vive exclusivamente pelo valor pago com os subsídios, os quais, por sinal, não acompanha a evolução da inflação, reduzindo ano a ano sua capacidade de subsistência digna e com valores que são necessários para assegurar o exercício livre e soberano de suas funções, independentemente de quaisquer pressões externas.
Lidamos com o patrimônio, a vida e a liberdade das pessoas e com os negócios das pessoas jurídicas, de tal forma que se exige alto conhecimento jurídico do juiz, para que suas decisões sejam as mais sólidas possíveis em prol do bem-estar social.
São estes os valores inalienáveis do magistrado que o Tribunal deve preservar, ainda que a imprensa, desinformada, nos ataque diariamente.
Considerações finais
Assumo a presidência do TJMS com um grande senso de responsabilidade e compromisso. Nossa missão será fortalecer a Justiça de Mato Grosso do Sul, modernizando-a, tornando-a mais acessível e eficiente, e valorizando magistrados e servidores, que são a espinha dorsal do nosso sistema judiciário.
Para se ter uma ideia, se o Tribunal de Justiça julga seus recursos em tempos recordes, o mesmo não se dá em primeiro grau, onde encontramos aproximadamente 800.000 processos paralisados, à espera de decisões, as mais variadas possíveis.
Por isto, será prioridade desta gestão criar mecanismos que possibilitem reduzir a taxa de congestionamento encontrada em primeiro grau, na ordem de 70% dos processos em tramitação, mediante ações que atacarão diretamente a raiz desse grave problema, que tanto compromete a imagem do Judiciário perante a população. Já criamos um grupo de apoio, de juízes e servidores, que irão atuar nos juízos com os maiores volumes de processos paralisados, começando pela capital, e adentrando para o interior, paulatinamente.
Também é essencial a criação de maior número de assessores que atuarão diretamente nas varas com maior volume de processos, e para isso é essencial o apoio do Governador e da Assembleia Legislativa nos projetos de lei que serão encaminhados visando promover a criação desses cargos.
Os novos juízes substitutos, que ingressarão em exercício no mês de abril, já que agora estão realizando o curso de preparação junto à Ejud, Escola Judicial de Mato Grosso do Sul, que é uma exigência do CNJ, serão designados para atuarem de imediato coadjuvando as comarcas onde a Corregedoria-Geral de Justiça indicar necessário, e para isto já temos um panorama dos diversos juízos que enfrentam a crescente demanda e contam com apenas um juiz e poucos servidores para atender ao elevado volume de processos, gerando desconforto para a população local, o que se repete em inúmeras comarcas no Estado.
Em um Estado de franca evolução e crescimento econômico e social, com inúmeras indústrias que recentemente se instalaram no Estado, graças à excelente atuação do governador Eduardo Riedel, certamente que se avolumam, também, as causas que acabam desaguando no Judiciário, as quais não podem encontrar um Judiciário despreparado para atender à demanda crescente e, nesse sentido, a necessidade de melhor estruturar a magistratura de primeiro grau, ponto essencial desta nova administração.
O desafio é grande, mas com trabalho, planejamento e diálogo com a sociedade, tenho certeza de que entregaremos um Judiciário ainda mais forte, transparente e comprometido com o cidadão sul-mato-grossense.
