
Em 2021, quando Nicholas Thompson assumiu a direção da The Atlantic, a revista de 167 anos ainda vivia sob as regras invisíveis do Google. Quase metade do público chegava por buscas. Mas a ascensão de ferramentas como o ChatGPT mudou o jogo: resumos automáticos entregam respostas sem que o leitor precise clicar no link.

Em 2023, Thompson percebeu que o tráfego vindo de pesquisas caía cerca de 20%, o que representava 8% da audiência total. Em vez de tentar preservar cada visita, decidiu priorizar quem tinha mais chance de assinar. “Se apenas 10% dos visitantes do Google assinam, podemos abrir mão dos outros 90%”, disse ao El País.
O foco passou a ser a relação direta com o assinante: mais newsletters, podcasts, eventos e um site mais robusto. Pouco depois do lançamento do ChatGPT, Thompson criou uma força-tarefa para estudar a tecnologia. A conclusão foi clara: a era do “Google first” estava acabando, e o futuro dependeria de jornalismo original, difícil de resumir por robôs, e de usar IA apenas como ferramenta de apoio.
A parceria que dividiu a redação - Em maio de 2024, a revista fechou acordo com a OpenAI. O ChatGPT passou a acessar seu acervo, sempre com marca e link de volta. Também foi criado o Atlantic Labs, espaço para testar produtos com IA. Thompson chamou o acordo de “capa de chuva contra a tempestade”, garantindo visibilidade e receita.
Parte da redação reclamou de não ter sido consultada. O sindicato propôs cláusulas para impedir que IA substitua tarefas como redação, edição e checagem, e para garantir que o uso da tecnologia seja opcional. A direção afirma que a parceria não altera a linha editorial nem permite reprodução integral dos textos.
Quando os bots virarem público - A força-tarefa projeta que, em breve, muita gente perguntará a assistentes como Alexa ou Perplexity “o que aconteceu hoje” e receberá respostas baseadas em reportagens da The Atlantic. A revista estuda cobrar por esse acesso ou criar tarifas específicas, além de desenvolver suas próprias ferramentas de interação com o acervo.
Um manual para usar IA sem perder o controle - As regras internas determinam que a IA só atua como assistente, sempre sob supervisão humana. É proibido inserir dados sigilosos e obrigatório indicar ao leitor quando um conteúdo tiver apoio de IA. Thompson diz que pedir que um robô escreva uma reportagem “seria antiético e burrice”.
Ele mesmo usa ChatGPT e outros modelos para revisar textos, gerar contra-argumentos, organizar leituras e até orientar treinos de corrida. Ao mesmo tempo, alerta contra terceirizar pensamento e memória às máquinas.
Resultados e próximos passos - A estratégia já trouxe frutos: a The Atlantic superou 1 milhão de assinaturas em 2024 e voltou ao lucro. O Atlantic Labs testa novas interfaces e formatos narrativos. Outras parcerias estão no horizonte. “O jornalismo deve continuar sendo feito por pessoas”, resume Thompson.
