
Os casos de acidente vascular cerebral (AVC) tendem a aumentar no verão. O alerta é do neurocirurgião e neurorradiologista intervencionista Orlando Maia, do Hospital Quali Ipanema, no Rio de Janeiro. Segundo ele, o calor intenso, muito comum nessa época do ano, favorece a desidratação, altera a circulação do sangue e cria um cenário mais propício para o derrame.
Maia explica que o calor provoca uma desidratação natural das células, o que deixa o sangue mais espesso e aumenta a chance de formação de coágulos. “E isso tem um maior potencial de gerar AVC, porque o AVC está ligado a coágulo”, afirma.
O médico lembra que existem dois tipos principais de AVC: o hemorrágico, que é o rompimento de um vaso no cérebro e responde por cerca de 20% dos casos; e o isquêmico, mais comum, causado pelo entupimento de uma artéria por um coágulo (trombose). É justamente esse espessamento do sangue, favorecido pela desidratação, que aumenta a predisposição ao AVC isquêmico.
Pressão baixa demais, arritmia e álcool agravam o risco - Além da desidratação, alterações na pressão arterial também entram na conta. No verão, a tendência é que a pressão caia um pouco por causa da vasodilatação – quando os vasos sanguíneos se dilatam para ajudar o corpo a lidar com o calor.
Essa queda de pressão, explica o médico, pode favorecer a formação de coágulos e ainda aumentar o risco de arritmia cardíaca, quando o coração passa a bater fora do ritmo. Quando isso acontece, coágulos podem se formar dentro do coração, entrar na circulação e seguir para o cérebro. “Cerca de 30% de todo o sangue que sai do coração vai para o cérebro”, lembra o especialista.
O verão também costuma ser época de férias, festas e mais consumo de bebida alcoólica. O excesso de álcool aumenta a desidratação, eleva o risco de arritmia e, muitas vezes, faz com que a pessoa descuide da própria saúde, esqueça remédios ou relaxe no controle de doenças crônicas, como hipertensão. Tudo isso, somado, amplia o risco de AVC.
Doenças típicas dessa época, como gastroenterites ligadas ao calor (com diarreia), insolação e esforço físico intenso, também podem piorar a desidratação e pressionar ainda mais o organismo.
Tabagismo é uma das principais causas externas - Orlando Maia destaca ainda o papel do cigarro como fator de risco importante. “O tabagismo hoje é uma das maiores causas externas para AVC”, afirma.
Segundo o médico, a nicotina bloqueia uma proteína dos vasos chamada elastina, reduzindo a elasticidade das paredes dos vasos sanguíneos. Isso favorece o surgimento de aneurismas – dilatações anormais nas artérias – e aumenta o risco de AVC hemorrágico.
O fumo também provoca um processo inflamatório nos vasos e contribui para o acúmulo de placas de colesterol ao longo dos anos, o que pode entupir as artérias e levar ao AVC isquêmico. “O tabaco é diretamente proporcional à situação tanto do AVC hemorrágico como do AVC isquêmico”, reforça o especialista.
Para ele, o estilo de vida moderno, somado ao tabagismo e a doenças crônicas mal controladas, faz com que cada vez mais pessoas com menos de 45 anos sofram AVC. No Hospital Quali Ipanema, por exemplo, são atendidos cerca de 30 pacientes com derrame por mês no verão, o dobro de outras épocas do ano.
Doença frequente, grave e que atinge a família toda - O médico lembra que o AVC é uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo. “Quando não mata, deixa a pessoa incapaz”, alerta.
As sequelas podem ser graves: dificuldade para andar, falar, enxergar, se alimentar ou realizar tarefas simples do dia a dia. “Eu digo que é uma doença que não é na pessoa, mas na família, porque pelo menos duas pessoas vão ter que se dedicar a cuidar daquele doente com AVC”, diz Maia.
Ele destaca que o AVC é muito mais comum do que se imagina. “Se você pegar o AVC como uma doença isolada, esquecendo que há vários tipos de câncer que podem ser separados, a doença mais frequente na humanidade é o AVC. E uma em cada seis pessoas vai ter um AVC na vida”, afirma. Por isso, recomenda que todas as pessoas observem na própria família e entre amigos quem já teve derrame, porque não se trata de casos isolados.
Há prevenção – e tratamento, se o atendimento for rápido - Apesar da gravidade, o especialista reforça que o AVC pode ser evitado e tratado. “É uma doença que a gente tem que gritar para todo mundo ouvir que há prevenção e tratamento”, afirma.
Entre as medidas de prevenção, ele destaca:
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manter um estilo de vida saudável;
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praticar exercícios físicos regulares, pelo menos três vezes por semana;
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ter alimentação equilibrada;
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controlar a pressão arterial;
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tomar os remédios corretamente;
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não fumar.
No passado, o tratamento era muito limitado. “Quando a pessoa chegava com AVC, não havia o que fazer, a não ser controlar a pressão”, lembra. Hoje, há duas formas principais de intervenção, que dependem diretamente do tempo até a chegada ao hospital.
A primeira é a infusão de um medicamento na veia, capaz de dissolver o coágulo em muitos casos. Esse remédio, porém, só pode ser aplicado até quatro horas e meia após o início dos sintomas.
Quando isso não é suficiente ou em situações específicas, os médicos podem usar um cateter. O equipamento entra pelo vaso da virilha e funciona como um “desentupidor”, aspirando o coágulo de dentro da artéria e liberando novamente a circulação. Em casos selecionados, esse procedimento pode ser realizado até 24 horas depois do início dos sintomas.
“Quanto antes a pessoa tiver o sintoma e for a um hospital, melhor poderá ser o resultado”, reforça o neurocirurgião.
Sinais de alerta: quando correr para o hospital - Orlando Maia alerta que o AVC, na maioria das vezes, acontece de forma súbita. Entre os principais sinais estão:
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fraqueza ou paralisia de um braço, de uma perna ou de todo um lado do corpo;
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fala embolada ou dificuldade súbita para falar;
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perda repentina da visão em um dos lados;
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tontura intensa ou perda súbita da consciência.
“É uma doença que acontece, na maioria das vezes, de uma hora para outra. Nessa situação, não tem que esperar nada. A pessoa tem que ser levada a um hospital porque é uma emergência médica”, conclui o médico.

