
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu critérios mais rigorosos para que planos de saúde sejam obrigados a cobrir tratamentos fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), gerou críticas por parte de entidades de defesa do consumidor. Para o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), o novo entendimento representa um retrocesso que favorece operadoras e dificulta o acesso dos usuários a tratamentos essenciais.

Embora a Corte tenha validado a Lei 14.454/2022, que garante o custeio de procedimentos fora do rol da ANS, a maioria dos ministros impôs novas exigências que, na prática, restringem o direito de pacientes. Na avaliação do Idec, a decisão se afasta do objetivo da legislação, que foi criada justamente para proteger os consumidores após um julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia limitado o acesso a esses tratamentos.
“Apesar de afirmar que o rol continua exemplificativo, o STF criou uma situação ainda pior que a anterior, colocando obstáculos à cobertura e enfraquecendo a conquista dos pacientes”, criticou Walter Moura, advogado do Idec. Ele lembra que os planos já custam caro para a população, e agora os usuários enfrentarão ainda mais dificuldades para ter acesso a tratamentos que não estão oficialmente listados pela ANS.
Nova regra do STF pode restringir tratamentos
A decisão da Corte estabelece que, para um plano de saúde ser obrigado a custear um tratamento fora da lista da ANS, cinco condições devem ser cumpridas simultaneamente:
- O tratamento deve ser prescrito por um médico ou dentista habilitado;
- Não pode haver negativa expressa da ANS ou pendência de análise do procedimento;
- Não deve existir alternativa terapêutica já listada no rol;
- O tratamento precisa ter eficácia e segurança comprovadas com base na medicina baseada em evidências;
- É necessário ter registro aprovado pela Anvisa.
Esses critérios tornam o processo mais técnico e restritivo, segundo especialistas, afastando a análise das necessidades do paciente e aproximando o sistema das demandas econômicas das operadoras.
Impacto na Justiça e nos consumidores
Além dos parâmetros para autorização dos tratamentos, o STF também impôs novas diretrizes para decisões judiciais sobre o tema. A partir de agora, juízes deverão considerar relatórios técnicos, como os do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NATJUS), e não poderão basear decisões apenas em laudos médicos. Se essas exigências forem ignoradas, as decisões poderão ser anuladas.
Em casos urgentes, quando o juiz conceder uma liminar para garantir tratamento, ele deverá notificar a ANS para avaliar se o procedimento pode ser incluído futuramente no rol oficial.
Hospitais pedem equilíbrio e critérios claros
A Federação dos Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (FeSaúde) se manifestou em defesa de regras claras e do papel técnico da ANS. Segundo o presidente da entidade, Francisco Balestrin, a cobertura ilimitada também é prejudicial, mas ressalta que exceções devem ser permitidas com base em critérios científicos rigorosos.
“É fundamental reconhecer a ANS como instância técnica para evitar a judicialização excessiva. Precisamos de segurança jurídica, mas também de mecanismos que permitam acesso responsável às inovações médicas”, afirmou Balestrin.
Entenda o contexto da decisão
A Lei 14.454/2022 foi sancionada após grande mobilização da sociedade civil e do Congresso, como resposta à decisão do STJ que, em 2022, considerou o rol da ANS como taxativo. Ou seja, até então, os planos só eram obrigados a cobrir tratamentos expressamente listados.
Com a nova legislação, o rol passou a ser exemplificativo, permitindo coberturas fora da lista, desde que com base em comprovação científica ou recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).
A ação que motivou o julgamento do STF foi movida pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), que questionou justamente trechos da nova lei, sob o argumento de que ela afetaria a sustentabilidade financeira dos planos.
Debate entre direito à saúde e sustentabilidade do setor
A decisão reacende o debate sobre os limites entre o direito à saúde e a viabilidade econômica do setor de saúde suplementar. Para o Idec, no entanto, é preciso lembrar que o foco deve estar no paciente.
“Não podemos permitir que critérios econômicos se sobreponham ao direito à saúde. O paciente, que já paga caro por seu plano, precisa de garantias reais de acesso”, reforça Moura.
Já o setor hospitalar aponta a necessidade de equilíbrio e defende a atuação técnica da ANS como forma de evitar abusos e garantir a continuidade dos serviços.
Com essa decisão, o desafio está lançado: encontrar um meio termo entre o acesso a tratamentos inovadores e a sustentabilidade financeira das operadoras, sem que o consumidor seja o elo mais fraco da cadeia.
