
O uso de uma polipílula tripla de anti-hipertensivos, associada ao tratamento habitual da hipertensão, reduziu em 39% o risco de recorrência de todos os tipos de acidente vascular cerebral (AVC) em pacientes com histórico de AVC hemorrágico. A proteção contra um novo AVC hemorrágico, o mais grave, foi ainda maior: cerca de 60%. Os resultados são do estudo Trident, coordenado pelo The George Institute for Global Health, da Austrália, e conduzido no Brasil pelo Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
 
A neurologista Sheila Martins, chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento e coordenadora da pesquisa, explica que a polipílula combina baixas doses de telmisartana, anlodipina e indapamida, vendidos isoladamente no país. “A união dos medicamentos permite o uso de apenas uma pílula por dia, facilitando a adesão ao tratamento”, afirma.
Além disso, doses menores de diferentes medicamentos reduzem o risco de efeitos adversos, comuns em doses elevadas. “Como cada substância tem um mecanismo de ação distinto, a redução da pressão arterial tende a ser mais rápida”, completa Sheila, que também preside a Rede Brasil AVC e foi ex-presidente da Organização Mundial de AVC.
Segundo ela, já existem outras polipílulas no mercado, mas nenhuma com a mesma combinação usada no estudo.
O Trident é o maior estudo de prevenção secundária de AVC hemorrágico do mundo, envolvendo 1.670 pacientes com histórico do quadro. Metade recebeu a polipílula, enquanto o restante tomou placebo, seguindo o tratamento preventivo padrão prescrito pelos médicos. O acompanhamento durou três anos, monitorando o efeito das intervenções.
O estudo foi liderado pelo professor Craig Anderson, do George Institute for Global Health, e apresentado no World Stroke Congress, em Barcelona, no dia 22 de outubro. Mais de 500 pesquisadores de 61 hospitais em 12 países participaram. No Brasil, a pesquisa foi conduzida pelo Hospital Moinhos de Vento, com financiamento do Ministério da Saúde, via PROADI-SUS.
O que é hipertensão?
A hipertensão é uma doença crônica, silenciosa e progressiva, considerada um problema de saúde pública. Apenas 40% dos hipertensos no Brasil estão diagnosticados, e poucos têm a pressão controlada. A doença também tem se tornado mais comum entre jovens, alerta Sheila Martins.
Segundo Nelson Dinamarco, presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), a pressão alta mal controlada pode causar lesões em órgãos-alvo, incluindo infartos, AVCs, insuficiência cardíaca e doenças renais crônicas.
O tratamento é dividido em não farmacológico, com mudanças no estilo de vida — redução de sal, gordura e frituras, prática de atividades físicas regulares, controle do estresse e abandono do tabagismo — e farmacológico, com diferentes classes de medicamentos que podem ser combinadas. “O tratamento é individualizado, começando geralmente com um ou dois remédios, adicionando outros conforme necessário”, explica Dinamarco.
O desafio da adesão ao tratamento
Após o diagnóstico, manter o uso contínuo dos medicamentos é um grande desafio. Um estudo da USP acompanhou 253 hipertensos: 90,1% afirmaram tomar os remédios, mas a análise da urina indicou adesão real em apenas 32,4%.
O cardiologista João Roberto Gemelli, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que isso ocorre porque a hipertensão é muitas vezes assintomática. “Pacientes tendem a abandonar a medicação, aumentando o risco de novos episódios graves de pressão alta”, alerta.
Uma estratégia para melhorar a adesão é o uso de medicação de dose única diária, com ação prolongada e poucos efeitos colaterais — exatamente o que busca a polipílula do estudo Trident.
Alexandre Vieira, diretor médico da Funcional Health Tech, reforça que a combinação de medicamentos já é recomendada por diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, da Sociedade Europeia de Hipertensão e da OMS. “Esquemas simples aumentam a adesão e melhoram o controle da pressão, especialmente em idosos e pacientes com múltiplas doenças crônicas.”
Vieira ressalta, porém, que fatores sociais, como rotinas instáveis, dificuldade de acesso a serviços de saúde, baixo nível educacional, falta de apoio familiar e insegurança alimentar, impactam mais a adesão do que a quantidade de medicamentos. “A pílula única só funciona se o paciente estiver em um contexto que sustente o cuidado. A adesão depende de muito mais do que disciplina”, completa.
Interrupção do tratamento
Mesmo curtos períodos sem medicação podem trazer riscos. Vieira explica que há um efeito de rebote, com elevação súbita da pressão, aumentando chances de infarto, AVC, arritmias e crises hipertensivas graves.
“Com o tempo, a pressão elevada intermitente deteriora artérias, sobrecarrega coração, rins e cérebro, e prejudica a função renal. O controle constante é essencial”, afirma. Dinamarco acrescenta: “Não basta tomar o remédio, é preciso medir a pressão regularmente e manter hábitos saudáveis.”
 
				
				
				
					
				
				
				
				
				
			 
						
 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									