
A polêmica envolvendo o CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia), bem como outras associações médicas da área de visão, e um grupo de pessoas que estão ofertando cursos pagos sobre a técnica de "autocura" de doenças oculares, como glaucoma e catarata, sem cirurgias ou tratamentos tradicionais já chegou a Campo Grande (MS) e preocupa os especialistas que atuam em Mato Grosso do Sul.

Segundo a médica oftalmologista Christiana Velloso Rebello Hilgert, que é mestre e doutora em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina e especialista em glaucoma e córnea, é importante alertar a população sobre esses "terapeutas" que prometem a "autocura" de doenças graves que podem afetar a visão, que são o glaucoma e a catarata, por meio de supostos "exercícios".
Christiana Hilgert, que é chefe do Departamento de Glaucoma do Instituto da Visão e preceptora do serviço de residência médica da Santa Casa de Campo Grande, refere-se ao chamado método "Meir-Schneider-Self-Healing", de origem ucraniana e que prega a utilização de massagens, movimentação dos olhos, exercícios de respiração, visualização e relaxamento como forma de tratamento.
Propagadora
O método, que se baseia na suposição de que o olho tem mecanismos de "autocura", tem no Brasil como maior propagadora a terapeuta-ocupacional Tatiana Gebrael, cujos vídeos têm mais de seis milhões de visualizações e, no Facebook, são mais de 500 mil seguidores. No curso "Olhos de Águia", Tatiana Gebrael ensina exercícios e outras técnicas pregadas pelo método e cobra R$ 2 mil, além disso, é oferecido um livro e duas aulas com acesso gratuito.
Na página dela e em vídeos no YouTube, há dezenas de depoimentos de pacientes relatando melhora de problemas de visão com a prática dos exercícios, enquanto outros informam sobre desconfortos, como dor de cabeça e torcicolos. "Isso nos preocupa muito e preocupa toda a classe oftalmológica e o CBO porque doenças como o glaucoma é possível preservar a visão, pois a cegueira é evitável quando um diagnóstico precoce é feito e quando o controle desse mal é feito da maneira apropriada e no momento certo", ressaltou a médica.
Com mais de 26 anos de experiência na área, a oftalmologista pontua que, se o paciente perde essa oportunidade porque vai em busca, por boa fé, de práticas que não são reconhecidas, que não têm fundamentação científica e acabam vendendo falsas ilusões, desperdiça um tempo muito precioso. "A pessoa poderia estar recebendo o tratamento adequado da doença e usando a medicação correta", relatou.
Inócuos
A médica especialista reforça que, infelizmente, esses exercícios de autocura são inócuos e não trazem benefício nenhum. "Nós sabemos que a Internet, principalmente o Facebook, tem a capacidade de propagar isso em um nível nunca visto antes. É enorme o alcance desse tipo de coisa, principalmente junto a pessoas com alto nível de fragilidade, que estão com medo de perder a visão, temerosos em ficar cego e procurando uma cura e, por isso, são presas fáceis de charlatões que se utilizam da boa fé dos pacientes", analisou.
Por isso, ela destaca que é preciso fazer um alerta para todas essas pessoas. "Porque isso não é uma brincadeira, é muito sério, o brasileiro, de uma maneira geral, tem boa fé e a gente tem de abordar essas doenças com a seriedade e a gravidade que elas realmente têm, pois, caso não se faça isso, dificilmente será possível evitar a cegueira em muitos casos", falou.
Para a médica, quanto mais pessoas conseguirem arregimentar, mais dinheiro esses charlatões vão faturar ao custo do sofrimento de gente de boa fé. "Realmente tem de ficar o alerta para a população para procurar saber melhor do que se trata e confiar na ciência. A oftalmologia é uma das áreas da Medicina que mais se desenvolveu, justamente pelo aparato tecnológico que foi inventado e, por conta disso, nós conseguimos diagnosticar, tratar e prevenir. Porém, se o paciente abre mão de todo esse esforço, de todo esse avanço tecnológico porque é convencido por uma pessoa inescrupulosa, quem acaba perdendo é só ele, infelizmente", lamentou.
Quem é Meir Schneider?
O chamado método "Meir-Schneider-Self-Healing" foi criado pelo terapeuta ucraniano Meir Schneider, que desejava sanar sua própria deficiência. Ele nasceu com catarata nos dois olhos, em Kiev, na Ucrânia, e foi declarado cego aos 7 anos de idade, pois tinha 1% da visão. Aprendeu a ler em braile, mas nunca se conformou, sendo que sua avó passou seus dias animando o rapaz e o encorajou a fazer exercícios para melhorar a visão.
"Aos 17 anos eu comecei a praticar exercícios e estimular minha visão, porque queria ter tido uma vida diferente durante a minha infância e adolescência. Criei o método Self Healing (autocura em português) e comecei a trabalhar exercícios para os olhos", contou, garantindo que o método deu certo e que atualmente dirige o próprio carro com carteira de motorista sem restrições.
Meir Schneider, que assegura ter recuperado 70% da visão só praticando o método de "autocura", radicou-se nos Estados Unidos, onde obteve PhD em distrofia muscular pela Universidade de Golden State, na Califórnia. Seu método, conhecido como "autocura", reduziria, em alguns casos, os efeitos de doenças como glaucoma e miopia. Também pode ser aplicado em pacientes com esclerose múltipla e Lesão por Esforço Repetitivo (LER).
Glaucoma é uma doença silenciosa e que precisa de prevenção
O glaucoma é uma doença silenciosa e que precisa de prevenção. "Trata-se da 2ª maior causa de cegueira irreversível no mundo, mas é evitável", destacou a médica oftalmologista Christiana Velloso Rebello Hilgert, completando que para identificar a doença e seu estágio é necessário um exame oftalmológico cuidadoso em que o médico faz a medida da pressão intraocular, o exame do fundo de olho e, quando necessário, o campo visual.
De acordo com ela, há fatores de risco que favorecem o aparecimento da doença, como, por exemplo, a idade avançada, a hipertensão ocular, a miopia elevada, a raça negra e a hereditariedade. "É importante consultar anualmente um oftalmologista, independentemente de apresentar ou não qualquer sinal ou sintoma do glaucoma", alertou a especialista.
Para evitar a perda da visão causada pelo glaucoma é imprescindível realizar o diagnóstico precoce e um tratamento adequado, bem como o uso correto das medicações com adesão ao tratamento exatamente como prescrito pelo médico e consultas frequentes ao oftalmologista. "O glaucoma tem tratamento e, na maioria dos casos, pode ser controlado com medicação adequada e exames contínuos. Quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores serão as chances de se evitar a perda da visão", assegurou Christiana Hilgert.
O glaucoma é caraterizado como uma lesão causada ao nervo ótico e ocorre, na grande maioria dos casos, pelo aumento da pressão ocular. O nervo ótico tem a função de levar as informações captadas pelos olhos até o cérebro. O aumento de produção do líquido intraocular, chamado de humor aquoso, causa elevação na pressão do olho. Tal pressão acaba por provocar a lesão ao nervo, formando o que se conhece por glaucoma.
