
Jornada de trabalho acima do limite legal, pressão por prazos, solidão e longos períodos longe da família: essa é a realidade de boa parte dos caminhoneiros no Brasil. O resultado é um cenário preocupante para a saúde física e mental da categoria, cada vez mais impactada por estresse, ansiedade e depressão.

O caminhoneiro autônomo Emerson André, conhecido como Facebook, relata os efeitos do cotidiano pesado. “Tem muitos motoristas ficando doentes. O estresse do trajeto, a família cobrando a ausência em casa, a gente perde muita coisa”, contou.
Com 27 anos de estrada, Daniel Francisco de Lima, o Del Caminhoneiro, diz que a tensão é constante, mas a experiência ajuda a controlar momentos de raiva e exaustão.
Para o procurador do Trabalho da 24ª Região, Paulo Douglas de Moraes, a saúde mental dos motoristas já é um problema estrutural da cadeia logística. Ele alerta que o fenômeno, conhecido como “apagão de motorista”, reflete tanto o envelhecimento da categoria quanto a falta de interesse dos mais jovens. A idade média dos caminhoneiros hoje é de 46 anos.
Pesquisa do Ministério Público do Trabalho (MPT) mostra que 43,7% não têm carga horária definida, e mais da metade recebe por comissão. A sobrejornada é regra: 56% dirigem entre 9 e 16 horas por dia, e um quarto passa de 13 horas — contrariando a lei, que prevê 11 horas de descanso a cada 24 horas.
Outro levantamento do MPT, feito em 2023, revelou que 27% dos motoristas usam drogas para suportar longas jornadas. O coordenador de Segurança Viária da PRF, Jefferson Almeida, cita rebites, inibidores de sono e até cocaína entre as substâncias mais consumidas.
“Querem cobrar descanso dentro da lei, mas não oferecem condições”, critica Del Caminhoneiro, ao destacar a falta de pontos seguros de parada. Muitas vezes, os motoristas dormem dentro do caminhão, sob risco de assaltos e sequestros.
Pesquisas também relacionam jornadas longas ao aumento de transtornos mentais. A psicóloga Michelle Engers Taube aponta que motoristas que dirigem acima de 12 horas têm três vezes mais chances de desenvolver ansiedade, estresse e depressão.
Um levantamento da plataforma Moodar mostra que 20% dos profissionais de transporte apresentam algum nível de vulnerabilidade emocional. Já o psiquiatra Alcides Trentin Junior, da Abramet, reforça que esse quadro eleva o risco de acidentes: “Dirigir tantas horas seguidas exige estabilidade mental muito grande. É uma profissão penosa, que precisa ser enxergada dessa forma.”
A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em vigor desde maio, obriga empresas a garantir ambientes de trabalho psicologicamente saudáveis. Para especialistas, isso pode ser um ponto de virada. “Não basta olhar só para riscos físicos. É preciso identificar fatores que levam ao adoecimento psicológico coletivo, como estresse e sobrecarga”, diz a neurocientista Barbara Lippi, fundadora da Moodar.
O procurador Paulo Douglas destaca ainda a importância da ratificação da Convenção 190 da OIT, que trata da eliminação da violência e assédio no mundo do trabalho, e reforça que o MPT pretende ampliar a fiscalização sobre a saúde mental dos caminhoneiros.
