
O período de fim de ano costuma acentuar o desconforto de quem enfrenta um processo de luto. Em meio a celebrações, encontros familiares e expectativas de alegria, pessoas enlutadas frequentemente percebem a dor da ausência com mais intensidade, sobretudo no Natal. Para oferecer acolhimento e estratégias práticas nesse momento sensível, foi lançado o “Guia para encarar as festas de fim de ano: informação e acolhimento para perdas e lutos”.
A proposta do material é desmistificar o luto e orientar leitores que enfrentam diferentes tipos de perda: a morte de um ente querido, o fim de um relacionamento, a demissão ou a morte de um animal de estimação. Esse conjunto, muitas vezes invisibilizado, é o que especialistas chamam de lutos não reconhecidos, situações em que a dor não é plenamente legitimada socialmente.
A psicóloga Gabriela Caselatto, especialista em luto e responsável pela orelha do livro, explica que, nesses casos, a pessoa ainda precisa lidar com o isolamento causado pela falta de validação. A jornalista Juliana Dantas reforça que esses lutos carregam “camadas de dor que vão além da própria perda”. Para ela, o luto é como uma impressão digital: cada pessoa sente de um jeito. “É um sentimento individual; cada vínculo é um vínculo, e cada um tem fatores de proteção para lidar com a perda.”
A vida que continua
Comunicador, ativista sobre o luto e autor do livro ao lado de Juliana, Tom Almeida observa que as festas de fim de ano funcionam como marcos sociais que evidenciam a vida que segue para todos ao redor, exceto para quem está tentando se adaptar à ausência. As primeiras celebrações após uma perda (como o primeiro Natal) tendem a ser mais difíceis, embora isso não garanta que os anos seguintes serão mais leves. “Datas como essa colocam luz na falta”, afirma.
O guia foi construído a partir de 2.700 depoimentos coletados nas redes do Movimento InFINITO, coletivo que debate o tema. Muitos desses relatos foram feitos em momentos como o Dia das Mães, outro período frequentemente marcado por angústia. Ainda assim, segundo os autores, o Natal concentra simbolicamente múltiplas ausências, por ser a celebração em que as reuniões familiares são mais numerosas.
Os depoimentos revelam uma dificuldade recorrente: a falta de acolhimento. Pessoas enlutadas relatam pressão para “superar” rapidamente a dor e aproveitar as festas, o que, em vez de ajudar, aprofunda o sofrimento. Faltam espaços para falar sobre a perda sem julgamentos ou frases prontas.
Livro foi criado a partir de depoimentos compartilhados no Movimento InFINITO (Foto: Divulgação)O guia reúne sugestões sobre como identificar limites pessoais, exercícios de autoconhecimento e atividades lúdicas que podem ajudar a atravessar o período festivo com menos sobrecarga. Para Gabriela, o material reforça a ideia de que ninguém precisa corresponder às expectativas externas. “É importante viver essas datas da maneira que for possível para si”, afirma.
Embora focado nas festas, o conteúdo não se restringe a elas. Segundo Tom, a proposta é apoiar o leitor em outros momentos difíceis e ajudá-lo a reconstruir a relação com o mundo ao redor.
A obra também orienta quem convive com pessoas enlutadas. Gabriela ressalta que acolher o luto do outro exige escuta ativa, ausência de julgamentos e interesse genuíno pelo que o outro está sentindo.

