O diagnóstico de demência por corpos de Lewy, revelado recentemente pelo cantor Milton Nascimento, de 82 anos, trouxe à tona uma condição neurológica que ainda é pouco conhecida, mas que representa a terceira causa mais comum de síndromes demenciais, atrás apenas do Alzheimer e da demência vascular.
Embora não tenha cura, a doença pode ter seus sintomas atenuados com o tratamento adequado, retardando a progressão do quadro e preservando, por mais tempo, a autonomia do paciente.
No Brasil, não há estatísticas oficiais sobre o número de pessoas com demência. No entanto, estudos apontam que entre 12,5% e 17,5% da população idosa do país convive com algum tipo de síndrome demencial.
De acordo com o neurologista André Felício, coordenador da pós-graduação em Neurologia da Afya Educação Médica, é comum que o envelhecimento afete funções cognitivas como a memória. No entanto, o alerta deve surgir quando essas perdas comprometem a rotina.
“A suspeita vem quando a perda de memória recente, dificuldade de concentração ou de compreensão começam a afetar o dia a dia, exigindo supervisão constante de outras pessoas”, explica o médico. “A grande diferença entre o envelhecimento normal e a demência está na capacidade de manter a independência.”
Identificar corretamente o tipo de demência exige uma investigação cuidadosa. O diagnóstico começa com a observação clínica dos sintomas, mas deve ser complementado por testes neuropsicológicos — que avaliam memória, linguagem e atenção — e exames de imagem como ressonância magnética.
No caso da demência por corpos de Lewy, um dos sinais mais característicos é a alteração nos níveis de dopamina no cérebro, o que não ocorre no Alzheimer, por exemplo.
“A ressonância ajuda a diferenciar os tipos. No Alzheimer, vemos atrofia no hipocampo. Já em Lewy, a dopamina está reduzida, o que também explica a presença de sintomas semelhantes aos do Parkinson”, diz Felício.
É comum que pacientes com demência por corpos de Lewy sejam inicialmente diagnosticados com doença de Parkinson, já que os primeiros sintomas envolvem tremores e rigidez muscular.
Foi justamente o que aconteceu com Milton Nascimento, que há cerca de dois anos recebeu o diagnóstico de Parkinson. O avanço dos sintomas cognitivos levou à confirmação de que o quadro, na verdade, era compatível com a demência por Lewy desde o início.
Embora as causas exatas da demência ainda sejam desconhecidas, já se sabe que hábitos de vida têm forte influência no surgimento da condição. Segundo o neurologista, exercício físico, sono de qualidade, alimentação saudável (como a dieta mediterrânea) e atividades que estimulam o cérebro ao longo da vida são considerados fatores neuroprotetores.
Por outro lado, alcoolismo, sedentarismo, hipertensão, diabetes e obesidade aumentam o risco.
“Parece básico, mas os pilares de uma vida saudável são também as principais formas de prevenir o declínio cognitivo”, ressalta Felício.
Essas recomendações vão ao encontro de um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP), que revelou que 60% dos casos de demência poderiam ser evitados por meio da modificação de fatores de risco.
