
O avanço das apostas online no Brasil está custando caro à sociedade. Segundo o estudo "A saúde dos brasileiros em jogo", divulgado nesta terça-feira (2), o país perde anualmente cerca de R$ 38,8 bilhões com os impactos sociais e econômicos das chamadas "bets". O montante inclui gastos com saúde, aumento de casos de suicídio, desemprego, perda de moradia, encarceramentos e outras consequências ligadas à dependência de jogos de azar.
A pesquisa foi realizada por organizações da sociedade civil com foco em saúde pública, como o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e a Umane, em parceria com a Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental, que reúne quase 200 parlamentares. O estudo aponta que, em apenas seis meses, 17,7 milhões de brasileiros fizeram algum tipo de aposta online. Estima-se que 12,8 milhões já estejam em situação de risco quanto ao vício em jogos.
Para chegar ao cálculo do prejuízo, os pesquisadores tomaram como base dados nacionais e referências internacionais, como estudos britânicos sobre o tema. Entre os danos estimados estão R$ 17 bilhões relacionados a mortes por suicídio, R$ 10,4 bilhões pela perda de qualidade de vida com depressão, R$ 3 bilhões em tratamentos médicos, R$ 2,1 bilhões com seguro-desemprego, R$ 4,7 bilhões com prisões por crimes ligados ao vício e R$ 1,3 bilhão com perda de moradia. Desses, 78,8% dos custos (ou R$ 30,6 bilhões) estão diretamente ligados à área da saúde.
O estudo critica a baixa contrapartida financeira do setor. Embora os brasileiros tenham apostado cerca de R$ 240 bilhões em 2024, a arrecadação do governo até setembro chegou a apenas R$ 6,8 bilhões — valor que subiu para R$ 8 bilhões em outubro. Mesmo com a projeção de arrecadação de R$ 12 bilhões até o fim do ano, a quantia é insuficiente para compensar os impactos estimados.
Além disso, os autores denunciam que somente 1% do total arrecadado é destinado ao Ministério da Saúde. Até agosto, esse repasse somava apenas R$ 33 milhões, sem destinação obrigatória para ações específicas, como as da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que integra o SUS e trata da saúde mental.
Para os pesquisadores, a falta de regulação eficiente, a publicidade agressiva e o lobby do setor ampliam os danos, principalmente entre os mais vulneráveis. Eles também alertam para o baixo retorno econômico da atividade: dados do Ministério do Trabalho indicam que o setor gera pouco mais de mil empregos formais no país. Segundo o estudo, de cada R$ 291 arrecadados pelas empresas de apostas, apenas R$ 1 vira salário, e a informalidade entre trabalhadores chega a 84%.
Inspirado no modelo britânico, o relatório propõe medidas como autoexclusão voluntária dos usuários, restrições severas à publicidade, maior destinação da arrecadação para a saúde, formação de profissionais do SUS sobre o tema, campanhas de prevenção e regulação mais rígida das operadoras.
As sugestões visam conter os efeitos do que os autores classificam como uma atividade legalizada que tem sido estimulada pelo poder econômico, mesmo em meio ao agravamento de quadros de depressão, ansiedade e aumento do endividamento entre brasileiros.
Por fim, os autores defendem que, caso o Estado opte por manter as apostas legalizadas, é urgente garantir contrapartidas sociais mais robustas e políticas públicas de redução de danos. O alerta é reforçado pela rejeição do relatório final da CPI das Bets no Senado, que investigava o impacto da atividade no país e foi arquivada sem responsabilizações.


