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SAÚDE

Antes restrita à Amazônia, febre oropouche avança pelo Brasil e preocupa autoridades de saúde

Casos da doença viral já foram registrados em 18 estados e no DF; Espírito Santo lidera com mais de 6 mil infecções em 2025

27 julho 2025 - 10h30
Antes restrita à Amazônia, febre oropouche se espalha pelo país
Antes restrita à Amazônia, febre oropouche se espalha pelo país - (Foto: Divulgação)

A febre oropouche, até pouco tempo limitada à Região Amazônica, se espalhou rapidamente pelo país e já acende um sinal de alerta nas autoridades de saúde. Até agora, em 2025, foram registrados 11.805 casos em 18 estados e no Distrito Federal — número que deve superar com folga os 13.856 registrados em todo o ano passado. A doença, transmitida pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora, já provocou cinco mortes confirmadas neste ano, e outras duas estão sob investigação.

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O estado mais atingido é o Espírito Santo, com 6.318 casos confirmados — quase o dobro dos números nacionais de anos anteriores. De uma arbovirose considerada amazônica, a oropouche tornou-se um problema nacional, exigindo ações emergenciais de vigilância, capacitação médica e controle vetorial.

Espírito Santo: epicentro inesperado - Segundo o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde do Espírito Santo, Orlei Cardoso, o avanço do vírus no estado está ligado ao perfil periurbano de muitos municípios capixabas, que misturam áreas urbanas com plantações e zonas de mata.

“Nós identificamos também que os primeiros casos ocorreram na época da colheita do café, que é um período que circulam muitas pessoas que vêm de outros estados para trabalhar nas lavouras. Isso acaba sendo um momento favorável para a transmissão, ainda porque os trabalhadores passam uma semana em uma cidade, depois seguem para outra...”, explica.

O Espírito Santo, com pouco mais de 4 milhões de habitantes, tem 78 municípios, muitos deles com características ambientais ideais para a reprodução do maruim: umidade, matéria orgânica em decomposição e lavouras, especialmente de banana e café.

Avanço nacional e risco para gestantes - Com sintomas semelhantes aos da dengue, como febre, dores no corpo e na cabeça, a febre oropouche também pode causar complicações graves durante a gravidez, incluindo malformações e até óbito fetal. O Ministério da Saúde orienta que gestantes em áreas com registros da doença adotem medidas de prevenção reforçadas contra picadas de mosquito. Apesar de ainda não haver comprovação de transmissão sexual do vírus, a recomendação é o uso de preservativo por pacientes com sintomas.

Casos fatais relacionados à gestação já foram registrados. Em 2024, cinco óbitos fetais e um caso de anomalia congênita foram ligados ao vírus. Em 2025, um caso no Ceará chamou atenção das autoridades: a infecção de uma gestante resultou na morte do feto.

Ceará também em alerta - No Nordeste, o estado do Ceará tem se destacado entre os novos focos da doença. Com 674 casos confirmados este ano, o vírus avançou das áreas rurais para zonas urbanas, especialmente na região serrana do Maciço de Baturité.

“No primeiro ano, nós tivemos 255 casos, que se concentraram em distritos rurais [...]. Em 2025, quando a doença retornou, ocorreu algo diferente que foi uma transição da doença para a principal cidade da região, que é Baturité”, relata Antonio Lima Neto, secretário executivo de Vigilância em Saúde do estado.

Diante da complexidade de controle do vetor, que não se reproduz em água parada como o Aedes aegypti, o manejo da oropouche exige abordagens específicas. “Você teria que fazer uma barreira química entre as plantações e as áreas onde as pessoas vivem”, acrescenta.

Origem e fatores ambientais - Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz apontam que a disseminação nacional do vírus está ligada a uma nova linhagem do oropouche, originada no Amazonas. “Esse cenário está muito relacionado com algumas áreas de desmatamento recente, principalmente no sul do Amazonas e no norte de Rondônia, que serviram como pontos cruciais para dispersão desse vírus”, explica Felipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Hemorrágicos do IOC.

O ciclo da doença também é impactado por fatores ambientais, como as mudanças no regime de chuvas e temperaturas. “Todas as vezes que você tem eventos mais extremos, seja de seca ou cheia dos rios, isso afeta a população não só do vetor, mas também dos animais que o mosquito se alimenta”, acrescenta Naveca.

Um estudo internacional recente que analisou dados de seis países da América do Sul — incluindo o Brasil — concluiu que as variações climáticas, como aumento das temperaturas e alterações nos períodos de chuvas, contribuíram em 60% para a disseminação do vírus. Eventos extremos como o El Niño são apontados como influências diretas no surto iniciado em 2023.

Monitoramento e resposta do governo - O Ministério da Saúde tem intensificado o monitoramento da febre oropouche, com visitas técnicas a estados afetados e reuniões periódicas com gestores locais. Em parceria com a Fiocruz e a Embrapa, o governo estuda o uso de inseticidas voltados ao controle do vetor, com resultados preliminares considerados promissores.

“As evidências apoiam a definição de estratégias de enfrentamento da doença, especialmente durante surtos, e a redução de seu impacto na população”, informou a pasta em nota.

As medidas de prevenção incluem uso de roupas longas, sapatos fechados, telas nas janelas e eliminação de matéria orgânica em decomposição nos arredores das residências.

Desafio para a saúde pública - Como o Brasil não tem histórico de circulação do vírus em grande escala fora da Região Amazônica, a população nacional não tem imunidade contra a febre oropouche. Isso amplia o risco de surtos, especialmente em regiões com alta densidade populacional e grande circulação de trabalhadores rurais.

Com a tendência de aumento dos casos em 2025, o país enfrenta o desafio de controlar uma nova arbovirose em meio a condições climáticas desfavoráveis, crescimento urbano desordenado e desequilíbrio ambiental.

Enquanto a ciência busca respostas para o comportamento do vírus e do vetor, as autoridades intensificam a vigilância, capacitação dos profissionais de saúde e campanhas de prevenção para conter o avanço da doença.

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