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A prorrogação da CPI até o começo de novembro ganha um tom ao mesmo tempo tranquilizador e angustiante.

Pode-se justificar facilmente a continuidade dos trabalhos, pois, ao investigar bandalheiras praticadas ou intentadas na compra de vacinas, puxou-se a pena e veio a revoada.
Serão mais 90 dias de sessões públicas, oitivas, acareações, perícias, análises de sigilos quebrados e de documentos requisitados.
Mas com qual finalidade?
Nas últimas semanas, a CPI tem consumido tempo demasiadamente longo com depoimentos individualizantes e circunscritos.
Essa estrutura de inquérito, que decompõe cada caso de irregularidade e abandona o todo da pandemia, pode funcionar como uma lente de aumento para aquilo que muitos buscam demonstrar: as pressupostas existências de corrupção ou prevaricação do governo Bolsonaro, fermento natural para a receita de impeachment que vai sendo encorpada.
Mantida a cantiga, senadores da comissão enfrentarão o desafio de produzir um resultado viável para o propósito primeiro que se vislumbrava.
Quando for lido o relatório final da CPI, já na entrada do ano eleitoral, terão se passado mais de 20 meses de agonia da população, desde o começo da pandemia desenfreada.
Os próximos três meses do inquérito parlamentar deveriam ser dedicados à reversão dos vieses que se prenunciam, de subestimação da saúde pública e supervalorização da disputa política.
“Ao final dos trabalhos, a CPI espera elucidar os fatos e, se for o caso, identificar as autoridades que agiram à margem da lei”, prometia o plano original da comissão.
Já estão sobre a mesa nomes de quem foi deliberadamente omisso e negligente, mas será incorreto só indiciar em razão de recursos subtraídos sem responsabilizar ninguém pelas vidas perdidas.
Até o momento fora do radar, caberia também à CPI apontar o que pode ser feito para a superação das fragilidades do SUS e das desigualdades sociais e de acesso à saúde tão agravadas pela pandemia.
Enquanto objetivos permanecem imprecisos, transmitiu-se mais uma sessão com ares de delegacia, a que ouviu Cristiano Carvalho, ligado à Davati Medical Supply.
O volume de dinheiro envolvido – até junho de 2021 o governo federal havia comprometido R$ 26,3 bilhões na compra de imunizantes contra a covid – mobilizou em Brasília inimaginável fauna de mercadores incidentais de vacinas.
Das minúcias que sobrenadaram do depoimento de Cristiano, algumas são especialmente desconcertantes.
Em uma das versões, a Davati surge como a ubíqua empresa sediada no Texas (EUA), que vende terreno na lua e, para isso, recruta autônomos dispostos a fazer “bicos” para complementar a renda.
Luiz Paulo Dominghetti, outro envolvido na trama, é policial militar e revendedor da Davati nas horas vagas. Já Cristiano, antes de assumir a função, como ele se autorreferiu, de “aproximador e mensageiro” da empresa, era um profissional liberal que vivia de auxilio emergencial.
Neófitos no ramo de vacinas, a Davati e seus representantes mandaram propostas para lá e para cá, mas nunca tiveram autorização das fabricantes.
Nem da AstraZeneca, para negociar 400 milhões de doses durante o famigerado jantar com oferta de propina no cardápio; nem da Jansen, para 200 milhões de unidades que a Davati ofereceu ao Ministério da Saúde em março, conforme novo documento entregue à CPI.
Cabe, aqui, uma questão. A vacina da AstraZenaca tem chegado por vias legais ao Brasil, pela Fiocruz e, mais recentemente, compôs uma remessa do consórcio Covax Facility, a aliança liderada pela OMS.
Quanto à vacina da Janssen, 38 milhões de doses já foram contratadas diretamente da empresa pelo Ministério da Saúde.
Por isso, são ainda mais espantosas as agora reunidas mensagens, reuniões, intrigas e intenções de um cordel que já conta com uma empresa, dois vendedores, seis militares, dois diretores, um reverendo, duas ONGs e um deputado.
Intermediários, atravessadores e despachantes de vacinas são postos de trabalho recentes, e seus ocupantes têm tempo de sobra para se dedicar à caça de oportunidades.
O tempo a passar pela ampulheta da CPI segue outra marcação, pois há pressa em assunto de vida e saúde.
Espera-se, após o recesso do Senado, que se encerre a etapa das “vacinas – fantasmas”, palavras do senador Omar Aziz, e da “operação tabajara”, ironia do Senador Rogério Carvalho.
Falta ainda a CPI mostrar muito jogo, se quiser levar a partida na prorrogação.
