
A decisão da Federação formada por União Brasil (UB) e Progressistas (PP) de se afastar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é apenas simbólica: segundo cientistas políticos ouvidos pela Agência Brasil, trata-se de uma estratégia clara de reposicionamento eleitoral, com foco na sucessão presidencial de 2026 e na disputa pelos votos da base bolsonarista.

O anúncio da saída ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da trama golpista que pode levar à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. A sincronia não passou despercebida por analistas.
Professor titular do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), o cientista político João Feres Júnior avalia que os partidos de centro-direita tentam se aproximar do eleitorado conservador, hoje ainda fortemente ligado ao ex-presidente.
“A saída deles do governo é em busca de uma revitalização por meio do voto, e aí eles colam no bolsonarismo. Afinal, Bolsonaro é capaz de mobilizar uma quantidade imensa de votos e eleger desconhecidos, como fez em 2018 e 2022”, afirmou Feres. “Por outro lado, acho que não vai ter espaço para todo mundo nessa competição.”
Maior bancada na Câmara
A Federação União-PP soma 109 deputados federais e forma, atualmente, a maior bancada da Câmara. No Senado, são 14 parlamentares — seis do União Brasil e oito do Progressistas. A saída formal do governo, porém, gerou divergências internas e cobrança por parte do Palácio do Planalto.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que parlamentares e indicados que permanecerem no governo devem se comprometer com a agenda de votações. “Precisam trabalhar conosco para aprovação das pautas do governo no Congresso Nacional. Isso vale para quem tem mandato e para quem não tem”, declarou.
Do lado da Federação, o tom foi de rompimento político: “É um gesto de clareza e de coerência. É isso que o povo brasileiro e os eleitores exigem de seus representantes”, afirmaram as legendas, ao exigirem inclusive a saída de ministros como Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esporte).
Corrida pelos votos de Bolsonaro
Para os analistas, a fragmentação da direita sem Bolsonaro no páreo tem levado a uma corrida por sua base eleitoral. João Feres observa que o bolsonarismo ainda é um ativo político relevante, e os partidos querem se posicionar para herdar esse capital.
“Com Bolsonaro saindo da cena política, provavelmente para nunca mais voltar, a competição fica muito grande. A direita viu Bolsonaro como sendo esse baú de votos e muita gente se beneficiou disso. Existe uma ansiedade desses caras verem esses votos se dissiparem”, afirmou.
Segundo Feres, esse movimento também explica o apoio dos partidos ao projeto de lei que prevê a anistia aos condenados por tentativa de golpe. “É uma tentativa de reavivar o Bolsonaro porque ele organiza esse campo da direita. Se eles conseguirem a anistia, imaginam que o ex-presidente põe ordem na direita”, analisou.
2026 no horizonte
A cientista política Michelle Fernandez, professora da Universidade de Brasília (UnB), também relaciona o reposicionamento da Federação União-PP ao cenário de 2026. “Alguns partidos cobraram dos seus parlamentares que se desvinculassem do governo para que pudessem estar na composição da oposição no processo eleitoral do ano que vem”, explicou.
Ela aponta ainda que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem atuado nessa mesma lógica, ao defender a anistia dos golpistas como forma de atrair os eleitores bolsonaristas.
“O Tarcísio ainda precisa do Bolsonaro para conseguir decolar politicamente como possível candidato nas eleições do ano que vem, se é que ele vai se candidatar à Presidência da República”, disse Michelle. Para ela, o apoio de Bolsonaro ainda é essencial, mas não há garantias de que ele consiga transferir esse capital político com a mesma força no futuro.
João Feres, por sua vez, acredita que Tarcísio não será um candidato de consenso da direita. “Eles não vão produzir um candidato de consenso. A tendência é uma disputa intensa por esse espólio bolsonarista”, afirmou.
