
Em um julgamento considerado histórico, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (11) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 70 anos, a 27 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito, organização criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

A decisão, com placar de 4 votos a 1, representa a primeira condenação de um ex-presidente da República por atentar contra a democracia brasileira. Além de Bolsonaro, outros sete réus, incluindo ex-ministros e generais, também foram condenados por participação na trama golpista denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Do total da pena, Bolsonaro deverá cumprir 24 anos e 9 meses de reclusão, além de 2 anos e 6 meses em regime semiaberto ou aberto. O ex-presidente, que atualmente cumpre prisão domiciliar por determinação do ministro Alexandre de Moraes em outra investigação, permanece monitorado por tornozeleira eletrônica.
Além da pena de prisão, o STF também aplicou uma multa correspondente a 248 salários mínimos, cujo valor ainda será atualizado conforme o salário vigente à época dos crimes.
A decisão da Primeira Turma seguiu o voto do relator Alexandre de Moraes, acompanhado por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Luiz Fux foi o único ministro a votar pela absolvição do ex-presidente.
Foram condenados ao lado de Bolsonaro:
- Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil): 26 anos de prisão
- Augusto Heleno (ex-ministro do GSI): 21 anos
- Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin): 16 anos, 1 mês e 15 dias
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça): 24 anos
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa): 19 anos
- Almir Garnier (ex-comandante da Marinha): 24 anos
- Mauro Cid (ex-ajudante de ordens): 2 anos, em regime aberto, com abatimento do tempo já cumprido preso ou em medidas restritivas
Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma e último a votar, afirmou que Bolsonaro era o líder de uma organização criminosa com “posição de comando” e seria o principal beneficiário de um golpe. O ministro apontou relação direta entre os discursos públicos do ex-presidente contra as urnas e o Judiciário e a incitação de ações violentas.
“Não houve mera expressão de opiniões controversas, mas um concerto de ações voltadas à permanência no poder”, declarou Zanin. Entre os atos apontados como prova da tentativa de golpe está a apresentação da “minuta do golpe” a comandantes militares e a admissão do ex-presidente sobre ter considerado decretar estado de sítio ou defesa.
A ministra Cármen Lúcia destacou que o processo é um “encontro do Brasil com seu passado, seu presente e seu futuro”. Para ela, “a lei é para ser aplicada igualmente para todos”.
Após a condenação de Ramagem, que atualmente exerce mandato na Câmara, o STF declarou a perda do mandato. A Casa será notificada para cumprir a decisão.
Com a sentença, abrem-se prazos para apresentação de recursos. A prisão definitiva de Bolsonaro ainda depende do trânsito em julgado, o que só ocorre após o esgotamento de todas as possibilidades de apelação. No entanto, por já estar em prisão domiciliar, a expectativa é que continue detido preventivamente até decisão final.
Em nota, os advogados do ex-presidente, Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno, disseram respeitar a decisão, mas expressaram “profunda discordância e indignação”. Segundo a defesa, Bolsonaro jamais atentou contra o Estado democrático e não participou de qualquer plano golpista.
Os defensores também alegam cerceamento de defesa, afirmando que o ex-presidente deveria ter sido julgado pela primeira instância ou pelo plenário do STF, e que não houve tempo hábil para análise adequada das provas.
A defesa de Braga Netto também se manifestou, classificando o julgamento como marcado por “prejuízo evidente” à ampla defesa.
A defesa de Mauro Cid, por sua vez, vai pedir que o tempo em que esteve preso e monitorado por tornozeleira eletrônica seja descontado da pena fixada de dois anos em regime aberto.
Os crimes pelos quais Bolsonaro foi condenado estão previstos na Lei n.º 14.197/21, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional e foi sancionada por ele próprio em 2021. A legislação endureceu as punições para crimes contra o Estado democrático de direito, prevendo reclusões que variam de 4 a 12 anos, ou mais, dependendo das circunstâncias agravantes.
Ao justificar seu voto, o ministro Flávio Dino afirmou que “crimes contra a democracia não são passíveis de anistia” e defendeu que a paz social não pode se basear em esquecimento. Alexandre de Moraes, por sua vez, ressaltou que “a impunidade não pode ser alternativa para a pacificação do País”.
