
Após concluir os processos relacionados à tentativa de golpe e à prisão de Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) inicia agora uma nova fase de enfrentamento institucional. A Corte se prepara para julgar o primeiro caso criminal envolvendo parlamentares acusados de desviar verbas por meio do chamado orçamento secreto, sistema de emendas considerado inconstitucional desde 2022.
O processo, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, envolve os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE). Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo teria cobrado propina para liberar cerca de R$ 6 milhões em emendas da área da saúde para o município de São José de Ribamar (MA), entre 2019 e 2020.
As alegações finais foram apresentadas nesta semana, encerrando a fase de instrução do processo. Zanin já pediu ao presidente da Primeira Turma do STF, ministro Flávio Dino, a definição de uma data para julgamento.
De acordo com a PGR, mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram que os deputados negociavam a liberação das emendas mediante pagamento de parte dos valores por prefeituras, usando contratos com empresas de fachada. O caso foi denunciado pelo ex-prefeito José Eudes Sampaio em 2021.
Os três parlamentares são acusados de corrupção passiva e organização criminosa. As investigações apontam que os recursos foram repassados no auge do orçamento secreto, quando os nomes dos autores das emendas eram mantidos em sigilo.
As defesas dos acusados afirmam que não há provas de que os valores tenham sido vinculados a emendas parlamentares e alegam que os repasses foram feitos por decisão do Ministério da Saúde, sem interferência dos deputados. Também contestam o uso das mensagens como provas e dizem que os diálogos tratavam de articulações políticas, e não de propina.
O julgamento será o primeiro de uma longa fila: há mais de 80 investigações abertas no STF sobre suspeitas de desvio de emendas por congressistas, a maioria sob relatoria de Flávio Dino. A análise dos casos promete ampliar o desgaste entre o Supremo e o Congresso, que já se intensificou após a condenação de Bolsonaro.
Clima de tensão institucional - Segundo o cientista político Leandro Consentino, do Insper, as ações envolvendo emendas tocam no “centro de poder” do Congresso, o controle sobre a liberação de recursos. A proximidade das eleições de 2026, segundo ele, deve aumentar a pressão política sobre o STF.
“A investigação de parlamentares em meio a um ano eleitoral alimenta a percepção de interferência. E a reação tende a ser corporativa, com o Congresso buscando formas de limitar o poder do Supremo”, afirmou.
Projetos que tentam restringir decisões individuais de ministros e criar regras para processos de impeachment contra magistrados já tramitam no Congresso, impulsionados pela base bolsonarista. O ex-presidente, mesmo fora do páreo eleitoral, tenta formar maioria no Senado para pressionar o STF.


