
O plenário do Senado Federal aprovou por unanimidade, na quartafeira (10), o projeto que estabelece um novo marco legal para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil. A proposta, conhecida como PL Antifacção, reformula o texto aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro e agora retorna ao plenário da Casa para nova análise dos deputados.
O relator da matéria, senador Alessandro Vieira (MDBSE), apresentou parecer ao PL 5.582/2025, do Poder Executivo, com mudanças substanciais que visam reforçar as ferramentas de persecução e punição de integrantes de organizações criminosas, incluindo facções, milícias e grupos que controlam territórios.
O texto aprovado amplia significativamente as penas para membros, financiadores e líderes de grupos armados:
- A pena para homicídios cometidos por integrantes de facções passa a ser de 20 a 40 anos.
- Integrar ou financiar organização criminosa fica sujeito a 15 a 30 anos de prisão.
- Para líderes e chefes, a pena pode ser dobrada, atingindo até 60 anos.
- O projeto também prevê situações que permitem ampliar a pena máxima para até 120 anos em casos específicos.
O relator retirou do projeto a tipificação do chamado crime de “domínio social estruturado”, conceito incluído pela Câmara que, na avaliação técnica dele, era amplo demais e aberto a interpretações questionáveis.
O novo marco endurece as regras para progressão de regime prisional:
- Crimes hediondos demandarão cumprimento mínimo de 70% da pena em regime fechado;
- Integrantes de facções e milícias terão de cumprir entre 75% e 85% da pena antes de avançar de regime;
- Reincidentes poderão enfrentar percentuais ainda maiores.
O texto aprova uma série de instrumentos para aumentar a efetividade das investigações:
- Escutas ambientais e monitoramento por softwares especializados, com autorização judicial;
- Acesso mais rápido a dados de investigados em situações previstas em lei;
- Comunicação de informações emergenciais sem ordem judicial em casos de risco iminente à vida;
- Interceptações telefônicas com autorização por até cinco dias, prorrogáveis.
- Reintrodução da possibilidade de delatores atuarem como infiltrados nas organizações, instrumento originalmente proposto pelo Executivo.
O projeto formaliza as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficcos), unindo órgãos como Polícia Federal, polícias estaduais, Ministério Público, Abin, Coaf, Receita Federal e Banco Central. Foi criada também a previsão de um cadastro nacional de integrantes e empresas ligadas a organizações criminosas, com aplicação obrigatória nos estados.
O texto permite monitoramento de conversas e visitas de presos ligados a facções, mantendo a inviolabilidade do sigilo entre advogado e cliente salvo decisão judicial específica. Pessoas condenadas sob a Lei de Organizações Criminosas perderão o direito à visita íntima.
A proposta mantém o tribunal do júri para homicídios relacionados ao crime organizado e prevê medidas de proteção para jurados e testemunhas, como sigilo de dados e interrogatórios por videoconferência.
Responsabilização e inelegibilidade
Quem for condenado por integrar, apoiar ou liderar grupos criminosos ficará inelegível por oito anos, mesmo sem trânsito em julgado. Servidores públicos que colaborarem com tais organizações ou se omitirem poderão perder imediatamente o cargo.
Outras mudanças incluem:
- Crime específico para recrutamento de crianças e adolescentes, com penas de 5 a 30 anos.
- Possibilidade de bloqueio de energia, internet e telefonia de investigados.
- Prazos para conclusão de inquéritos: 90 dias para presos e 270 dias para soltos, com possibilidade de prorrogação.
O relator incluiu a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre apostas online (bets) com alíquota de 15%, cuja arrecadação, estimada em R$ 30 bilhões por ano, será destinada ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Também foi prevista uma regularização temporária para plataformas sem licença, podendo gerar até mais R$ 7 bilhões.
O texto do Senado substitui trechos aprovados pela Câmara que foram considerados inconstitucionais, como a extinção do auxílioreclusão, proibição de voto para presos provisórios e dispositivos que poderiam enfraquecer garantias processuais.
O relator também retirou dispositivos que tratavam da destinação de recursos apreendidos e determinou que o governo regulamente, em até 180 dias da sanção, todos os fundos federais ligados à segurança.
Durante a votação, senadores da oposição defenderam que as ações das facções fossem tratadas como crime de terrorismo. Contudo, a emenda que buscava essa equiparação foi rejeitada. O relator argumentou que a motivação política, ideológica ou religiosa — elemento típico do terrorismo — não se aplica às ações das organizações criminosas brasileiras, que visam apenas proteção de atividades ilícitas.

