
O esforço do governo federal e da Câmara dos Deputados para avançar na regulação de plataformas digitais, motivado pelo impacto do vídeo do youtuber Felca sobre a adultização de crianças e adolescentes, abriu mais uma frente de embate político entre governo e oposição.

Apesar de o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ter defendido um ambiente técnico e colaborativo para a criação de um projeto de proteção à infância na internet, a movimentação do governo é vista com desconfiança pela oposição, que acusa o Planalto de querer retomar projetos de regulação digital para impor censura disfarçada de proteção infantil.
"Eles estão usando isso como uma janela de oportunidade e isso é um absurdo", afirmou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). "Não se utiliza uma pauta tão cara e preciosa, que é a proteção de crianças e adolescentes, para fomentar a censura."
Câmara quer apresentar proposta em até 30 dias
A ideia da Câmara é formar um grupo de trabalho com deputados e especialistas — entre eles o ex-deputado federal Gabriel Chalita e a presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, filha do ex-presidente Michel Temer. O objetivo é apresentar, em até 30 dias, o que Motta chamou de "o mais avançado e efetivo projeto de lei para proteger nossas crianças".
Nos bastidores, fontes ouvidas pelo Estadão indicam que o governo pretende usar a comoção provocada pelo vídeo de Felca como gancho político para destravar a regulação digital, que está travada no Congresso desde 2023. Naquele ano, o então PL das Fake News não avançou diante da forte resistência da bancada bolsonarista.
Agora, com o novo contexto, o Planalto tenta se reaproximar do tema com foco em proteção da infância, que conta com maior apelo social.
Oposição diz que proposta pode violar liberdade de expressão
Apesar de reconhecerem a importância do debate, líderes da oposição estão em alerta. Para eles, o governo pode embutir dispositivos que ferem a liberdade de expressão, ainda que em nome da proteção de menores.
“A ideia desse grupo de trabalho é de dar uma olhadinha (no que está vindo). Não estou dizendo que a gente não possa aproveitar alguma ideia que venha do outro lado. Só que eles estão usando narrativa”, disse o deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição.
A proposta que tem ganhado mais força entre os líderes é o projeto de lei do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já aprovado no Senado, que trata da regulação de conteúdos digitais voltados a crianças e adolescentes, incluindo redes sociais e jogos online.
Contudo, Nikolas Ferreira já manifestou críticas ao texto. O principal ponto de divergência é o dispositivo que obriga plataformas a removerem conteúdo ofensivo após denúncia, sem necessidade de decisão judicial. Segundo ele, isso abre espaço para denúncias arbitrárias.
“O texto em específico acaba dando margem para que ocorra, por exemplo, denúncias de forma arbitrária e sem controle”, argumenta Nikolas. Ele informou que deve se reunir com o senador Alessandro Vieira para discutir ajustes no projeto.
Relator retirou pontos polêmicos, mas oposição segue cautelosa
Na tentativa de reduzir resistências, o relator do texto na Câmara, Jadyel Alencar (Republicanos-PI), removeu trechos que poderiam ser interpretados como censura, mas manteve a obrigatoriedade de retirada de conteúdos após denúncia.
Alencar já conversou com líderes do PL, incluindo Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Altineu Côrtes (PL-RJ) e o próprio Nikolas Ferreira. Mesmo assim, a oposição afirmou que ainda irá analisar o texto com cautela.
A resistência é amplificada por nomes como o deputado Mário Frias (PL-SP), que acusou o governo de articular uma "censura com verniz de proteção".
PL usa redes para relembrar pautas anteriores e pressionar esquerda
Além de criticar a proposta atual, a bancada do PL tem usado as redes sociais para resgatar votações anteriores em que partidos de esquerda teriam se posicionado contra medidas de endurecimento penal para crimes sexuais contra menores.
Entre elas, está o projeto de castração química de pedófilos, que ganhou destaque em publicações recentes de parlamentares bolsonaristas.
A estratégia é clara: associar a nova proposta de regulação digital a uma tentativa de censura disfarçada e questionar a coerência do governo, que agora defende medidas de proteção à infância após ter se posicionado contra penas mais severas no passado.
