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POLÍTICA

Recife revoga nomeação de filho de procuradora para vaga de procurador

Após questionamentos sobre inclusão em lista PCD e reação de entidades, prefeitura cancela ato que beneficiava filho de membros do TCE e do TJ de Pernambuco

31 dezembro 2025 - 14h05José Maria Tomazela
Prefeitura do Recife cancela nomeação de filho de procuradora para vaga de procurador após contestação sobre lista PCD e pressão de entidades da carreira.
Prefeitura do Recife cancela nomeação de filho de procuradora para vaga de procurador após contestação sobre lista PCD e pressão de entidades da carreira. - Foto: Reprodução

A Prefeitura do Recife voltou atrás e cancelou a nomeação de Lucas Vieira Silva, filho de uma procuradora do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e de um juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), para o cargo de procurador do município, com salário de cerca de R$ 30 mil. O ato de reversão, assinado pelo prefeito João Campos (PSB), foi publicado em edição extra do Diário Oficial nesta quarta-feira, 31, após forte repercussão negativa e contestação sobre a forma como o candidato foi incluído na lista de Pessoas com Deficiência (PCD) do concurso.

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O caso envolve a disputa pela única vaga destinada a PCD no concurso público para procurador do município, realizado em 2022, e colocou em choque o debate sobre direitos de pessoas com deficiência, segurança jurídica dos concursos e possíveis conflitos de interesse, já que o beneficiado é filho de autoridades que atuam justamente no controle de atos da administração pública.

A controvérsia começou quando veio à tona que Lucas Vieira Silva, inicialmente classificado em 63.º lugar na ampla concorrência, conseguiu a nomeação para a única vaga de PCD após apresentar, anos depois do concurso, um laudo médico com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

No concurso realizado em 2022, ele se inscreveu como candidato da ampla concorrência, sem declarar deficiência. O resultado foi homologado em 2023, com Lucas bem distante das primeiras colocações. Mais tarde, ele apresentou à prefeitura um laudo emitido no Tribunal Regional do Trabalho da 6.ª Região, atestando o diagnóstico de TEA, e solicitou a inclusão na lista de pessoas com deficiência.

A Prefeitura do Recife, por meio da Procuradoria-Geral do Município (PGM-Recife), reconheceu naquele momento a legitimidade do pedido, alterou a classificação final do concurso e republicou o resultado. A mudança colocou Lucas na vaga reservada a PCD e retirou da lista o candidato que originalmente havia conquistado esse espaço.

A alteração atingiu diretamente o advogado Marko Venício dos Santos Batista, que possui deficiência física e havia sido classificado para a única vaga PCD prevista no edital, aguardando a nomeação desde a homologação do concurso. Com a reclassificação, ele perdeu a posição e teve sua nomeação preterida.

Na prática, a decisão administrativa da prefeitura substituiu o candidato originalmente aprovado na vaga reservada por outro concorrente que só reivindicou a condição de PCD anos depois do certame. Diante disso, Marko apresentou recurso administrativo pedindo reconsideração da medida.

Mesmo assim, no último dia 23, o prefeito João Campos assinou a nomeação de Lucas Vieira Silva para o cargo de procurador do município, com base no laudo apresentado três anos após o concurso. A decisão gerou reação imediata entre candidatos, integrantes da carreira e entidades de classe.

O caso ganhou ainda mais repercussão porque Lucas é filho de duas figuras que atuam diretamente em áreas sensíveis do controle público em Pernambuco. Ele é filho da procuradora de contas do TCE-PE Maria Nilda Silva e do juiz Rildo Vieira da Silva, segundo titular da Vara Regional de Crimes contra a Administração Pública, Ordem Tributária, Lavagem de Dinheiro e Delitos de Organizações Criminosas do TJPE, na capital.

A procuradora de contas tem entre suas atribuições a análise dos atos praticados por gestores públicos, inclusive aqueles envolvendo nomeações e concursos. Já a Vara em que o juiz atua é responsável por apurar crimes contra a administração pública e investigar denúncias envolvendo prefeitos, o que inclui o chefe do Executivo recifense.

A combinação entre a mudança tardia na classificação do concurso, a nomeação em vaga reservada a PCD e os vínculos familiares com órgãos de controle alimentou suspeitas de favorecimento e impulsionou a reação de associações da carreira.

A decisão de alterar o resultado de um concurso já homologado em 2023 e republicar a lista de aprovados em dezembro de 2025 desagradou a Associação dos Procuradores do Município do Recife (APMR). Em nota pública, a entidade manifestou “formal oposição à modificação do resultado final do concurso público para o cargo de Procurador do Município do Recife”.

Segundo a associação, o certame teve o resultado final homologado regularmente em 2023. A nova publicação, dois anos depois, com modificação da lista final, foi vista como uma afronta a princípios básicos da administração pública em concursos.

A APMR destacou que o pedido administrativo de alteração da classificação só foi apresentado em 2025, ou seja, muito tempo depois da homologação. Para a entidade, a mudança posterior da lista de aprovados viola princípios como segurança jurídica, isonomia entre os candidatos, proteção da confiança legítima e vinculação ao edital do concurso.

A reação não ficou restrita ao âmbito local. A Associação Nacional das Procuradoras e dos Procuradores Municipais (ANPM) também divulgou nota manifestando “preocupação” com o episódio. No texto, a entidade defendeu que fosse suspensa a posse e o exercício do candidato recentemente nomeado, até que todas as circunstâncias da alteração do resultado fossem esclarecidas “com máxima transparência”.

A reversão da nomeação veio após novo movimento dentro do próprio processo administrativo. A PGM-Recife informou que decidiu acatar um pedido de reconsideração apresentado por Marko Venício dos Santos Batista na terça-feira, 29, em procedimento relacionado à lista PCD do concurso.

Segundo a Procuradoria, o caso foi reavaliado à luz da complexidade jurídica envolvida na alteração de um resultado já homologado. A partir dessa análise e do recurso apresentado pelo candidato preterido, a prefeitura optou por reformular o ato administrativo anterior.

Em edição extra do Diário Oficial, a gestão municipal tornou sem efeito a republicação da homologação que havia alterado a ordem classificatória do concurso e restabeleceu o resultado originalmente publicado. Na prática, isso significa que a nomeação de Lucas Vieira Silva foi cancelada e a classificação volta a ser a mesma homologada em 2023, até que a questão seja decidida em definitivo.

A PGM-Recife diz que a decisão se apoia nos artigos 20 a 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que orientam a administração pública a considerar as consequências práticas das decisões e a preservar a estabilidade dos atos enquanto houver incerteza jurídica.

Nesse contexto, a prefeitura afirma que a medida tem caráter cautelar: busca evitar danos administrativos e garantir segurança jurídica ao processo até que a controvérsia seja solucionada pela via judicial.

O órgão ressalta que o restabelecimento do resultado original não significa negar direitos ao candidato que apresentou laudo de TEA nem representa um prejulgamento quanto à sua condição de pessoa com deficiência. Segundo a PGM, o ponto central agora é aguardar que o Judiciário esclareça qual interpretação deve prevalecer para esse tipo de situação: a proteção ampliada aos direitos das pessoas com deficiência ou a vedação de mudanças em concursos após a homologação, quando isso altera a posição de outros candidatos.

O caso em Recife reacende discussões sensíveis sobre concursos públicos e inclusão de pessoas com deficiência. De um lado, está o entendimento de que pessoas com TEA ou outras deficiências têm direito à reserva de vagas, ainda que a condição seja identificada tardiamente. De outro, associações e candidatos defendem que a mudança de regras ou de listas depois da homologação compromete a previsibilidade dos certames e a confiança de quem participa respeitando o edital desde o início.

A situação ganha peso adicional pelo fato de envolver familiares de autoridades que atuam no controle de atos administrativos. Mesmo sem decisão definitiva sobre eventual irregularidade, a repercussão pública e a reação de entidades evidenciam a importância de transparência máxima em concursos que lidam com carreiras estratégicas, como a de procurador do município.

Até o momento, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco informou que não existe qualquer demanda formal em tramitação na Corte sobre esse caso específico. O Tribunal de Justiça de Pernambuco foi procurado, assim como a procuradora Maria Nilda Silva e o juiz Rildo Vieira da Silva, mas não havia retorno até a publicação do texto. O espaço segue aberto para manifestações.

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