
Uma investigação da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República revelou um esquema estruturado de corrupção que operava dentro do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) há pelo menos dez anos. A chamada Operação 18 Minutos identificou uma organização criminosa formada por desembargadores, juízes, servidores e advogados, acusada de movimentar mais de R$ 54 milhões em propinas com decisões judiciais fraudulentas e liberação irregular de alvarás contra o Banco do Nordeste.

A denúncia, apresentada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e com 313 páginas, detalha como o grupo estruturou uma rede sofisticada de “mercancia de decisões” — a venda de sentenças — que beneficiava diretamente os integrantes da organização, com repasses em espécie, ocultação de valores e movimentações financeiras suspeitas.
A investigação, conduzida com base em conversas interceptadas, análise de dados financeiros e perícia em celulares, aponta a existência de três núcleos: judicial, causídico (advocatício) e operacional, responsáveis por fraudar processos, proferir sentenças em troca de dinheiro e lavar os recursos obtidos ilegalmente.
Juízes e desembargadores na mira
Entre os denunciados estão os desembargadores Nelma Sarney, Luiz Gonzaga Almeida Filho, Antônio Guerreiro Júnior e Marcelino Everton Chaves (aposentado), além dos juízes Alice Rocha e Cristiano Simas. A PGR solicitou a perda dos cargos e, no caso do magistrado aposentado, a cassação do benefício.
A denúncia é assinada pela subprocuradora-geral Luiza Cristina Frischeisen e expõe o envolvimento direto dos magistrados em decisões tomadas com rapidez e fora dos trâmites normais. Um dos principais casos que originou a operação foi a emissão de um alvará no valor de R$ 14,1 milhões, sacado apenas 18 minutos após a decisão judicial. Outro caso envolveu o saque de R$ 3,4 milhões.
O elo com advogados
O nome do advogado Francisco Xavier de Souza Filho aparece como figura central em ações contra o Banco do Nordeste. Ele alegava ter honorários a receber por trabalhos prestados à instituição, embora o banco negue que ele tenha atuado no caso e sustente que os valores foram inflacionados com base em erros de conversão monetária.
O processo, iniciado em 2000, teve um desfecho controverso em 2021, quando a 2ª Câmara Cível do TJ-MA — composta por Guerreiro Júnior, Nelma Sarney e Luiz Gonzaga — reverteu decisão anterior e fixou honorários de 10% sobre o valor executado, contrariando parecer do Ministério Público.
Logo após o julgamento, os desembargadores receberam depósitos fracionados em suas contas. Segundo a PF, houve pagamento em dinheiro vivo entregue por Felipe Ramos, filho de Francisco Xavier, e outros advogados como Carlos Luna, que mantinham contato frequente com os magistrados. Mensagens de WhatsApp mostraram encontros marcados nas residências dos desembargadores, com conversas diretas sobre os processos.
Depósitos fracionados e saques milionários
Em um dos casos mais emblemáticos, o alvará de R$ 14,1 milhões foi liberado em favor de Xavier, que imediatamente transferiu o valor ao filho, Felipe Ramos. Este, por sua vez, repassou R$ 12 milhões à cunhada, Janaína Lobão, que sacou quase todo o valor em dinheiro vivo e cheques de forma fracionada. A conta ficou com saldo de apenas R$ 38,58.
Outro alvará, de R$ 3,4 milhões, foi liberado em circunstâncias semelhantes, após decisões rápidas da juíza Alice Rocha e do desembargador Marcelino Chaves, que atuou como corregedor.
Segundo a PGR, havia combinação entre magistrados e advogados para afastamentos estratégicos de juízes, distribuição direcionada de processos e manipulação de sentenças. As decisões, segundo o Ministério Público, não resultavam de interpretação jurídica, mas de acordos pré-estabelecidos com propina como contrapartida.
Nome da operação e celeridade seletiva
O nome “Operação 18 Minutos” remete ao tempo entre uma sentença e o saque milionário em um dos casos investigados. A celeridade incomum é uma das marcas do esquema. Em outro exemplo, uma exceção de suspeição contra a juíza Alice Rocha foi protocolada às 12h21 de 30 de setembro de 2015 e julgada improcedente no mesmo dia às 17h, com comunicação imediata ao juízo de origem.
Enquanto isso, um recurso do banco apresentado dias antes levou mais de três meses para ser julgado — e acabou rejeitado.
Organização criminosa estruturada
A denúncia sustenta que os vínculos entre os núcleos judicial e advocatício iam além da relação profissional. Os integrantes operavam de forma articulada para fraudar processos e distribuir os valores entre si. O núcleo operacional executava os saques, fracionamentos e dissimulações financeiras para evitar rastreamento.
A PGR enfatiza que a denúncia não se trata da legalidade ou não das decisões, mas da comprovação de que elas foram vendidas. “As decisões estavam maculadas desde a origem. Foram encomendadas e negociadas”, afirma o Ministério Público.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal concluíram que o grupo operava de forma estável, contínua e silenciosa, beneficiando-se da confiança do sistema judiciário para desviar recursos públicos e corromper a Justiça.
Respostas pendentes
Até a publicação desta reportagem, os magistrados, advogados e servidores citados não haviam se manifestado. O Tribunal de Justiça do Maranhão também não respondeu aos questionamentos. O espaço segue aberto.
