
A Polícia Federal indiciou nesta quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sob suspeita de tentar interferir no julgamento da ação penal relacionada ao plano de golpe investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O relatório da PF foi entregue ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que determinou medidas restritivas contra o pastor Silas Malafaia, também citado no inquérito.

Entre os crimes atribuídos aos dois estão coação no curso do processo e tentativa de abolição do estado democrático de direito.
De acordo com o relatório de 170 páginas assinado pelos delegados Leandro Almada, Rafael Caldeira e Itawan Pereira, Jair e Eduardo agiram de forma coordenada, com apoio de Paulo Figueiredo e Malafaia, para interferir no andamento da Ação Penal nº 2668, da qual o ex-presidente é réu.
Na residência de Bolsonaro, a PF encontrou um documento que seria uma minuta de pedido de asilo político na Argentina, interpretado pelos investigadores como indício de que o ex-presidente cogitava fugir do país.
O relatório ainda aponta movimentações financeiras atípicas entre os membros da família Bolsonaro. Segundo a investigação, Jair transferiu R$ 2 milhões para a conta de sua esposa, Michelle Bolsonaro, que, por sua vez, teria repassado os valores para Heloísa Bolsonaro, esposa de Eduardo. A operação ocorreu um dia antes de Bolsonaro comparecer à PF para depor sobre as ações do filho nos Estados Unidos.
A suspeita é de que o repasse foi feito para ocultar a origem e o destino dos recursos, evitando bloqueios judiciais. A PF afirma que a conta de Heloísa foi usada como intermediária para proteger os valores de possíveis restrições.
Além disso, o relatório revela que Jair Bolsonaro realizou ao menos seis compras de dólar e saques em espécie que somam R$ 130 mil entre janeiro e julho de 2025. Para os investigadores, essas ações foram parte de uma estratégia deliberada para esvaziar seu patrimônio diante do avanço das investigações.
O documento com o pedido de asilo foi editado pela última vez em fevereiro de 2024, após a operação que tornou Bolsonaro réu no caso do plano de golpe. A carta, direcionada ao presidente argentino Javier Milei, argumentava que Bolsonaro era alvo de perseguição política.
A investigação também menciona que, em dezembro de 2023, Bolsonaro notificou o STF de que viajaria à Argentina entre os dias 7 e 11. A visita, segundo sua defesa, foi motivada pelas investigações em andamento. O ex-presidente participou da posse de Milei acompanhado de Eduardo Bolsonaro e outros aliados.
A PF concluiu que o ex-presidente mantinha consigo o documento de asilo como uma possível alternativa para fugir das autoridades brasileiras.
O relatório ainda traz conversas extraídas do celular de Bolsonaro que indicam tentativas de influenciar ministros do Supremo. Em uma das mensagens, enviada em 27 de junho, Bolsonaro aconselha o filho: “Esqueça qualquer crítica ao Gilmar”, em referência ao ministro Gilmar Mendes. Ele afirma ter conversado com magistrados da Corte e relata preocupação deles com possíveis sanções dos Estados Unidos ao Brasil.
As mensagens também revelam atritos entre Jair e Eduardo. Em julho, o deputado reagiu com xingamentos após o pai elogiar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. A avaliação de Eduardo era de que esse apoio atrapalhava articulações feitas por ele e por Paulo Figueiredo junto ao governo de Donald Trump para tentar sancionar autoridades brasileiras e evitar a condenação de Bolsonaro.
Em um dos trechos mais fortes, Eduardo escreve: “VTNC seu ingrato do c...”. Horas depois, ele pediu desculpas.
A crise interna no grupo bolsonarista também tem pano de fundo eleitoral. Tarcísio é cotado para ser o candidato do campo conservador em 2026, mas Eduardo também deseja ser o nome escolhido, o que teria intensificado as tensões.
Em outra troca de mensagens, Bolsonaro compartilha com o filho uma pesquisa eleitoral indicando que ele, Tarcísio e Michelle Bolsonaro venceriam o presidente Lula em um eventual segundo turno. “Você perde para o molusco. Vagão 39,1 x 41,6 Lula”, escreveu Bolsonaro.
Defesa ainda não se pronunciou
A defesa de Jair Bolsonaro foi procurada pela reportagem, que revelou o conteúdo do relatório, mas não havia se manifestado até a publicação da reportagem. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, publicou uma nota nas redes sociais afirmando que suas atividades nos Estados Unidos “jamais tiveram como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil”.
O governador Tarcísio de Freitas também foi procurado, mas não comentou o caso até o fechamento da matéria.
