
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares, aprovada pela Câmara dos Deputados nesta semana, pode impedir o avanço de 36 inquéritos em andamento contra 108 congressistas. Pela nova regra, o STF só poderá abrir ações penais contra deputados e senadores após autorização da própria Casa Legislativa.

Conhecida como "PEC da Blindagem", o texto aprovado por 344 votos a 133 transfere para o Congresso a decisão final sobre se um parlamentar pode ou não ser processado criminalmente. A medida afeta diretamente nomes como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e parlamentares tanto da oposição quanto da base governista, investigados em diferentes frentes, como uso irregular de emendas parlamentares e envolvimento com milícias digitais.
Se já estivesse em vigor, a PEC exigiria aprovação da Câmara ou do Senado para dar continuidade a qualquer processo penal, mesmo quando houver denúncia da Procuradoria-Geral da República aceita pelo STF.
A proposta atinge casos que envolvem suspeitas de corrupção, desvio de emendas e crimes contra o Estado democrático de direito. Entre os nomes investigados estão deputados como Bia Kicis, Carla Zambelli, Zé Trovão e Filipe Barros, além de Eduardo Bolsonaro, já indiciado pela Polícia Federal.
Em outra frente, processos ligados a suspeitas de desvios de verbas por meio de emendas parlamentares envolvem parlamentares como Elmar Nascimento (União-BA), Josimar Maranhãozinho (PL-MA), José Guimarães (PT-CE) e Pastor Gil (PL-MA). Muitos desses inquéritos estão sob sigilo e tramitam com relatoria dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin.
Além dos inquéritos, o STF também analisa petições preliminares que podem virar ações penais no futuro e, conforme o texto da PEC, também dependeriam de autorização legislativa para avançar.
A proposta enfrenta forte oposição de juristas, pesquisadores e parte da sociedade civil. Para Ana Laura Barbosa, pesquisadora da USP e professora da ESPM, a medida representa um retrocesso. “Estamos voltando a um modelo que vigorava até 2001, quando nenhum parlamentar foi processado criminalmente”, afirmou.
Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), classificou a PEC como um “projeto de casta”, que fere o princípio da igualdade. Já o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, criticou a proposta como parte de um movimento de autoproteção. “Transforma o Congresso em território imune à Justiça”, afirmou.
Segundo o pesquisador Erick Beyruth, da PUC-SP, a proposta esvazia a função do STF e torna mais difícil responsabilizar parlamentares. “É um escudo institucional para evitar que a Justiça alcance congressistas”, disse.
Voto secreto reforçado em nova manobra
Após a votação principal, a Câmara ainda aprovou a reinclusão do voto secreto nas decisões que tratam da abertura de ações penais e autorizações para prisão de parlamentares. A manobra foi liderada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que ignorou questionamentos regimentais e validou o texto final em tempo recorde.
Durante a madrugada anterior, a tentativa de manter o voto secreto havia falhado por apenas 12 votos. No entanto, com nova articulação, o trecho foi restabelecido com 314 votos favoráveis.
Para críticos, o voto secreto dificulta ainda mais a transparência e favorece a impunidade. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), uma das opositoras da PEC, afirmou que o texto não garante liberdade parlamentar nem combate abusos, mas apenas “blinda malfeitores”.
Agora, a proposta segue para análise do Senado.
