
A tortura de prisioneiros de guerra, incluindo abusos físicos e psicológicos extremos, está sendo usada como ferramenta estratégica na guerra entre Rússia e Ucrânia. A denúncia é da relatora especial das Nações Unidas sobre Tortura, Alice Jill Edwards, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, no marco dos três anos e meio do conflito.

Segundo Edwards, os casos documentados pela ONU mostram que os maus-tratos não são incidentes isolados, mas parte de uma prática organizada para obter inteligência militar, intimidar populações civis e punir oponentes.
“Concluo que faz parte da estratégia de guerra russa – para extrair informações e inteligência, incutir medo e submissão nas populações ocupadas e punir aqueles que demonstram lealdade ou apoio à Ucrânia”, afirmou.
Práticas cruéis e generalizadas
A representante da ONU teve acesso direto a civis e militares ucranianos que estiveram sob custódia russa e relatou casos de extrema violência: uso de choques elétricos em genitais e orelhas, simulações de execução, ameaças de estupro, fome extrema e confinamento em celas insalubres. Em uma das situações mais graves, um detento chegou a perder 40 quilos durante o período de detenção.
Entre as formas de abuso, também foram documentadas "cerimônias de humilhação", onde prisioneiros eram filmados enquanto eram forçados a confessar crimes ou eram submetidos a agressões físicas e verbais. De acordo com Edwards, muitas vítimas ainda ouviram gritos de mulheres sendo agredidas sexualmente nas instalações.
Ucrânia também será cobrada
Embora o foco da denúncia esteja na conduta russa, a relatora deixou claro que há também registros de maus-tratos cometidos por militares ucranianos contra prisioneiros russos. “Essas alegações também devem ser investigadas e os responsáveis processados de maneira justa e imparcial”, pontuou.
Durante sua missão na Ucrânia, em setembro de 2023, Edwards visitou locais de detenção e teve acesso a um campo com cerca de 300 prisioneiros russos em Lviv. A relatora destaca que a Ucrânia permitiu acesso irrestrito aos locais de interesse, ao contrário da Rússia, que negou todos os pedidos de visita, inclusive às áreas ocupadas por suas forças.
Violações configuram crimes de guerra
Alice Edwards reforça que, pelo direito internacional, a tortura é proibida em qualquer circunstância, inclusive durante guerras. O tratado das Convenções de Genebra, de 1949, assinado tanto por Rússia quanto por Ucrânia, obriga os países a tratarem prisioneiros com humanidade e dignidade — desde a captura até a eventual libertação.
“A proibição da tortura é absoluta – não há exceções, imunidades ou prazo de prescrição para processos. E o acusado não pode alegar que apenas seguia ordens superiores”, explicou.
A relatora afirma que os atos relatados são considerados crimes de guerra e, se comprovada uma prática sistemática e generalizada, podem ser classificados como crimes contra a humanidade.
Justiça como parte da paz
Edwards defende que qualquer processo de paz entre Rússia e Ucrânia precisa incluir mecanismos de justiça e reparação às vítimas de violações de guerra. “A paz não será restaurada apenas com soluções de segurança e território”, disse.
Ela destaca que as investigações sobre tortura não devem depender da existência de um cessar-fogo. “O dever de investigar e processar a tortura recai sobre ambos os países e é uma obrigação sem limite temporal.”
A relatora também reforçou que as vítimas continuarão buscando justiça mesmo depois do fim das hostilidades: “São pessoas resilientes e determinadas a encontrar verdade e responsabilização.”
Conflito segue sem trégua
A guerra entre Rússia e Ucrânia começou em fevereiro de 2022 e permanece sem perspectiva de cessar-fogo, mesmo após diversas tentativas de negociação mediadas por líderes ocidentais. Em junho, ambos os lados concordaram em trocar 1,2 mil prisioneiros, uma das raras concessões bilaterais desde o início do conflito.
A disputa geopolítica envolve a influência da Rússia sobre o Leste Europeu e a aproximação da Ucrânia com a União Europeia e a Otan, o que Moscou considera uma ameaça à sua segurança nacional.
Na semana passada, o ex-presidente americano Donald Trump se reuniu com Vladimir Putin e, dias depois, com Volodymyr Zelensky, mas as conversas terminaram sem acordo.
Enquanto o conflito continua, os relatos de violações de direitos humanos se acumulam, pressionando a comunidade internacional a agir não apenas para interromper a guerra, mas para garantir justiça a quem já sofreu suas consequências.
