
A Defensoria Pública da União (DPU) e outras 29 organizações da sociedade civil divulgaram nesta quarta-feira (29) uma carta conjunta de repúdio à megaoperação policial realizada nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação, deflagrada na terça-feira (28), deixou pelo menos 132 mortos e é considerada a mais letal da história do Estado.
As entidades criticam a ação do governo fluminense e apontam que a operação violou diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o uso da força em territórios vulneráveis. Segundo a DPU, as forças de segurança devem atuar de forma excepcional, com planejamento e justificativas claras, evitando ao máximo colocar em risco a vida da população civil.
“O descumprimento dessas diretrizes representa grave violação a preceitos fundamentais e compromete a efetividade do Estado Democrático de Direito”, afirmou a DPU em nota.
Execuções, desaparecimentos e exclusão institucional - A Defensoria foi enfática ao denunciar que ações estatais de segurança pública “não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos”. O órgão destacou ainda que essas violações ocorrem com maior frequência em comunidades historicamente marcadas pela desigualdade, pela exclusão institucional e pela ausência de políticas públicas sociais.
A carta coletiva também contesta a forma como o governo do Estado do Rio de Janeiro vem conduzindo sua política de segurança pública. “O que o governador Cláudio Castro classificou como a maior operação da história do Rio de Janeiro é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro”, afirmaram as entidades signatárias.
O grupo também criticou a narrativa da “guerra às drogas”, apontando que, nas últimas quatro décadas, as favelas do Rio foram palco de uma política baseada no uso letal da força, que não trouxe soluções reais para o combate ao crime organizado.
A carta conjunta destaca que o Brasil, e em especial o Estado do Rio de Janeiro, já foram advertidos por organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por conta do “caráter racista e discriminatório da política de guerra às drogas” implementada nas comunidades periféricas.
“Não há justificativa para que uma política estatal, supostamente voltada à proteção da sociedade, continue a ser conduzida a partir do derramamento de sangue. A segurança pública deve garantir direitos, não violá-los. As moradoras e os moradores das favelas têm direito à vida, à integridade física e à paz — e isso não é negociável”, conclui o texto.
Discrepância nos números e falta de atualização oficial - Enquanto a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro contabiliza 132 mortos, o último balanço oficial divulgado pelo governo estadual, até a tarde de terça-feira, apontava 64 vítimas, entre elas quatro policiais. A diferença se deve, em parte, à descoberta de corpos em áreas de mata na Serra da Misericórdia, durante a madrugada de quarta-feira. O Estado ainda não atualizou os dados oficialmente.
A operação foi direcionada contra o Comando Vermelho (CV), uma das principais facções criminosas do Estado, e envolveu grande efetivo policial e uso de helicópteros e blindados. No entanto, a ação voltou a colocar o Estado sob pressão de entidades de direitos humanos e da opinião pública, reacendendo o debate sobre os limites da atuação policial em áreas urbanas densamente povoadas.
Entre as 29 instituições que subscrevem o documento estão Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (DDH), Conectas Direitos Humanos, Redes da Maré, Instituto Papo Reto, Observatório de Favelas e o Instituto Sou da Paz. O grupo reúne organizações de direitos humanos, acadêmicas, movimentos sociais e coletivos jurídicos populares.
