
Divergências políticas marcaram a cúpula do Mercosul realizada neste sábado (20), em Foz do Iguaçu (PR). Um grupo de países do bloco, sob liderança da Argentina, divulgou um comunicado conjunto pedindo o restabelecimento da democracia e o respeito aos direitos humanos na Venezuela. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não assinou o documento, posição acompanhada pelo Uruguai.
A avaliação do Palácio do Planalto é que um texto desse tipo, sem contextualizar o cenário internacional, pode ser interpretado como um endosso indireto a uma eventual ação militar dos Estados Unidos contra a Venezuela. Esse risco, segundo o governo brasileiro, não interessa ao Brasil nem à estabilidade da região.
O comunicado não faz referência à escalada de tensão entre Estados Unidos e Venezuela, nem ao aumento da presença militar norte-americana no Caribe. O governo dos EUA, comandado por Donald Trump, não reconhece Nicolás Maduro — no poder desde 2013 — como presidente legítimo e vem intensificando ações na região.
Nos últimos meses, forças norte-americanas bombardearam embarcações e apreenderam navios de petróleo sob o argumento de combate ao narcotráfico. Maduro, por sua vez, afirma que há interesses diretos nas reservas petrolíferas venezuelanas e que o reforço militar busca derrubá-lo. A Venezuela está entre os maiores produtores de petróleo do mundo, e o setor é central para sua economia. Na avaliação do governo venezuelano, as ações podem levar o país a uma asfixia financeira.
O documento divulgado foi assinado pelos presidentes da Argentina, Javier Milei; do Paraguai, Santiago Peña; e do Panamá, José Raúl Mulino, além de autoridades de alto escalão da Bolívia, do Equador e do Peru. Os signatários expressaram “profunda preocupação” com a crise migratória, humanitária e social na Venezuela, país que está suspenso do Mercosul.
No texto, os líderes reafirmam o compromisso com a restauração da ordem democrática e o respeito irrestrito aos direitos humanos, defendendo que esse processo ocorra por meios pacíficos. O comunicado também pede a libertação de presos políticos e reforça a validade do Protocolo de Ushuaia, que trata da defesa da democracia no bloco.
O Mercosul foi criado em 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A Venezuela ingressou como membro pleno em 2012, mas foi suspensa em 2017 após ser considerada em ruptura da ordem democrática, com base no Protocolo de Ushuaia, assinado em 1998.
Embora Lula não reconheça oficialmente Nicolás Maduro como vencedor das eleições realizadas em julho de 2024, o governo brasileiro adota cautela em relação ao tema. No entendimento do Planalto, não faz sentido cobrar uma solução política sem mencionar o risco concreto de uma intervenção militar externa.
Na última quinta-feira (18), Lula afirmou ter conversado por telefone tanto com Maduro quanto com Trump, buscando uma saída diplomática para o impasse. Durante a cúpula, o presidente brasileiro alertou que uma intervenção na Venezuela poderia gerar uma catástrofe humanitária e abrir um precedente perigoso no cenário internacional.
Em discurso aos líderes do bloco, Lula destacou que a presença militar de uma potência extrarregional volta a preocupar a América do Sul, décadas após a Guerra das Malvinas, e afirmou que os limites do direito internacional estão sendo colocados à prova.
Em posição oposta, o presidente argentino Javier Milei adotou um tom duro. Ele classificou Nicolás Maduro como “narcoterrorista” e elogiou as ações militares dos Estados Unidos na costa venezuelana, afirmando que a Argentina apoia a pressão exercida por Washington para “libertar o povo venezuelano”.

