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ELEIÇÕES 2026

Lula 3 tem base mais infiel em 30 anos e enfrenta risco político na corrida para 2026

Políticos apontam falhas na articulação, enquanto especialistas destacam mudanças estruturais que fortaleceram o Congresso e alteraram a lógica de negociação com o Executivo, levando a derrotas como a observada no decreto do IOF

28 junho 2025 - 09h10Redação
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva tem sofrido derrotas duras no Parlamento
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva tem sofrido derrotas duras no Parlamento - (Foto: Wilton Junior/Estadão)

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva registra a base mais infiel das últimas três décadas: apenas 72% dos votos de deputados de partidos com ministérios foram favoráveis ao Planalto nas votações de interesse do governo na Câmara dos Deputados. A fragilidade da coalizão ajuda a explicar uma sequência de derrotas recentes, como a aprovação do projeto que derrubou o decreto do IOF - medida apoiada por legendas como União Brasil, MDB, PSD, Republicanos, PP, PDT e PSB, que juntas controlam doze ministérios. As dificuldades ganham ainda mais peso em um ano pré-eleitoral, quando o presidente petista precisa consolidar maiorias para aprovar projetos estratégicos de olho na disputa presidencial de 2026.

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Levantamento feito pelo Estadão, com base em dados da própria Câmara, analisou todas as votações nominais em que houve orientação oficial do Planalto, ou seja, ocasiões em que o governo indicou expressamente como esperava que sua base votasse. Nesse recorte, o desempenho da coalizão ministerial em Lula 3 é o pior desde 1995, empatando apenas com o segundo mandato de Dilma Rousseff, que registrou 72% no auge da crise do impeachment. Presidentes anteriores tiveram índices mais altos: Fernando Henrique Cardoso, 95% no primeiro mandato e 93% no segundo; Lula 1, 91%, e Lula 2, 92%; Dilma 1, 81%; Michel Temer, 93%; e Jair Bolsonaro, 90%.

A última leva de derrotas incluiu a aprovação do projeto que suspende o decreto do governo sobre o IOF, com 63% dos votos favoráveis de deputados de partidos que hoje comandam ministérios, como União Brasil, PSD, MDB, PP, Republicanos, PDT e PSB. O movimento ganhou força após o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautar o tema em votação surpresa - o que resultou em uma reação rara na história do Congresso: em 40 anos, apenas dois decretos presidenciais haviam sido derrubados.

Para cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, essa derrota expressiva e o baixo desempenho da base refletem fatores tanto conjunturais quanto estruturais, como o fortalecimento da maioria de direita no Congresso e o empoderamento do Legislativo após a consolidação das emendas parlamentares, mudando a lógica de negociação com o Executivo. Parlamentares aliados, por sua vez, apontam falhas na articulação política, como a resistência de Lula em se envolver diretamente nas conversas, a falta de diálogo com o Planalto e a demora na liberação de emendas.

Na avaliação do deputado Mário Heringer, líder do PDT na Câmara e cujo partido comanda o Ministério da Previdência, o presidente Lula de fato se afastou das relações com o Parlamento neste terceiro mandato. “É o período em que Lula está mais distante do Legislativo de verdade”, diz, afirmando que a postura contribuiu para uma série de derrotas do governo no Congresso.

Como mostrou o Estadão, Lula é o presidente que menos se reúne com congressistas em agendas oficiais desde Dilma.

O parlamentar ressalta outra reclamação frequente entre deputados: a concentração dos principais ministérios no núcleo duro do PT, apesar de Lula ter vencido a eleição de 2022 com o discurso de frente ampla. “Comparativamente, sem dúvida nenhuma, esse é o mandato em que menos alterações foram feitas pelo Lula. Há muito tempo criticamos o que, na nossa opinião, é uma má distribuição dos espaços no governo.”

O Estadão apurou que a insatisfação já estava presente desde o primeiro ano de mandato, em 2023, quando parlamentares passaram a se queixar do distanciamento e da falta de disposição do presidente em recebê-los no Planalto.

Um influente deputado do PSD, sigla que comanda três ministérios, relata que Lula tem ignorado os apelos da bancada por pastas com maior relevância política. Segundo ele, os parlamentares vêm cobrando, de forma recorrente, espaços mais estratégicos na Esplanada. Um dos focos de insatisfação é o Ministério da Pesca, chefiado por André de Paula (PSD), considerado esvaziado pela legenda. Ele diz que já vinham pedindo “um ministério com mais visibilidade dentro do Palácio” e que não vê mais “timing” para uma reforma.

Além da Pesca, o partido de Gilberto Kassab controla as pastas da Agricultura e Pecuária e de Minas e Energia.

Com a queda de popularidade de Lula nas pesquisas, o mesmo parlamentar avalia que a fatura política para apoiar o Planalto tende a subir, enquanto as chances de o partido endossar sua candidatura à reeleição diminuem. Segundo ele, é “cada vez mais desgastante” estar associado ao governo, sofrendo reclamações da base eleitoral.

Na contramão do discurso entre os aliados, o deputado Zé Neto (PT-BA), vice-líder do governo na Câmara, minimiza o impacto da queda de popularidade e afirma que ainda há tempo para o Planalto reverter o cenário de instabilidade. O parlamentar defende que é hora de distensionar a relação entre Executivo e Congresso, e avalia que o governo precisa reunir os partidos com ministérios para “baixar a temperatura” e resolver o que descreve como “pontas soltas” da articulação política.

Uma das pontas soltas mais citadas por parlamentares ouvidos pela reportagem diz respeito às novas regras para liberação de emendas, impostas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, que vêm atrasando o pagamento dos recursos federais. Uma liderança resumiu a insatisfação, dizendo que, “de cada três palavras no Congresso, duas são emendas”. Ele ainda aponta um “jogo casado” entre o Supremo e o governo para retirar do Congresso o controle sobre o Orçamento. Ex-ministro da Justiça e indicado ao STF por Lula, Dino é visto como alinhado aos interesses do Planalto.

O desgaste, reconhecido até por aliados, tem sido explorado pela oposição. Para o líder do PL na Câmara, deputado Zucco, o baixo índice de apoio da própria base revela o isolamento político do presidente e a perda de sustentação no Congresso. Ele avalia que Lula abandonou a construção de maiorias amplas, contrariando o discurso de campanha e perdendo credibilidade.

“Foi eleito com o discurso de reconstrução, mas entrega uma agenda tóxica de aumento de impostos e confronto com o Congresso”, afirma.

Zucco acusa o governo de tentar transferir ao Congresso a responsabilidade por medidas impopulares, como a derrubada dos vetos de Lula a benefícios ao setor elétrico, que devem elevar a conta de luz. Segundo ele, o Planalto tenta colar nos parlamentares a pecha de gastadores e preocupados apenas com a liberação de emendas.

Para o professor de ciência política do IDP Vinícius Alves, o próprio PL, que hoje detém a maior bancada da Câmara, simboliza o ambiente de crescente ideologização da Casa, traço que alcança partidos do chamado centrão, que integram a base de apoio do governo.

Esse cenário, avalia, dificulta a formação de consensos e eleva os custos políticos para que essas legendas votem alinhadas ao Palácio do Planalto, mesmo ocupando cargos no primeiro escalão. “Partidos de direita, mesmo quando no governo, frequentemente antecipam os custos políticos de apoiar uma gestão distante de seu espectro ideológico, o que compromete a coesão da base”, afirma, destacando que a coalizão de Lula é hoje formada majoritariamente por siglas de centro-direita e direita, como Republicanos, PP, União Brasil, MDB e PSD.

As cinco legendas, que somam quase metade da Câmara com 240 deputados, foram decisivas em uma série de reveses para o Planalto. Entre os episódios mais emblemáticos estão a instalação da CPI do INSS, o apoio à urgência para o projeto de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, a derrubada do veto às “saidinhas” temporárias de presos, além da aprovação do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Esses partidos já ensaiam movimentos de oposição para 2026, com possíveis pré-candidatos à Presidência, como os governadores Ratinho Junior (PSD), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União Brasil), que já lançou a pré-candidatura ao Planalto.

Moedas de troca esvaziadas e imagem do governo em baixa

A infidelidade da base no governo Lula não se explica apenas por fatores conjunturais, como o menor envolvimento do presidente nas negociações e o perfil centralizador que desagrada aliados. Para o professor de ciência política do Insper, Leandro Consentino, as dificuldades de articulação também são resultado de transformações estruturais nas relações entre Executivo e Legislativo, intensificadas nos últimos anos com o avanço das emendas parlamentares e a redistribuição de poder no Congresso.

Ele aponta que as duas principais moedas de troca utilizadas por presidentes para manter a base coesa já não produzem o mesmo efeito. As emendas, que antes eram liberadas caso a caso e frequentemente condicionadas ao apoio em votações estratégicas, hoje são majoritariamente de execução obrigatória. “Isso reduziu o poder de barganha do Planalto e ampliou a autonomia de partidos e parlamentares, inclusive os que integram formalmente a base”, explica.

Ao mesmo tempo, os ministérios também perderam relevância como ativo político. Grande parte do orçamento que antes era gerido diretamente pelas pastas agora está carimbada para atender emendas parlamentares, reduzindo a autonomia dos ministros sobre esses recursos. “Com menos margem para executar políticas públicas próprias, os cargos de primeiro escalão perderam poder de negociação com o Congresso”, ressalta.

Como mostrou o Estadão, as emendas parlamentares consumiram, em 2025, o equivalente ao orçamento de 30 ministérios, o que tornou mais vantajoso ser um líder partidário na Câmara. Foi o caso do deputado Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA), que no fim de abril recusou o convite do presidente Lula para assumir o Ministério das Comunicações.

A decisão do parlamentar ilustra uma nova forma de adesão fragmentada ao governo, explica o pesquisador de ciência política da USP Pedro Assis. No caso do União Brasil, por exemplo, a aproximação com o Planalto se deu por meio de setores específicos da bancada, como o grupo ligado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sem o aval da direção nacional, comandada por Antonio Rueda.

Assis pontua que essa lógica se repetiu em outras siglas de centro-direita com ministérios no governo Lula 3. Ele avalia que, ao entrarem no governo por meio de alas minoritárias e sem o respaldo da direção partidária, esses partidos deixam de assumir um compromisso institucional. “Com isso, a ocupação de cargos não se converte, necessariamente, em apoio no Congresso. Ter um ministério não significa mais estar necessariamente no governo”, afirma.

Diante da perda das principais moedas de troca, o pesquisador avalia que a popularidade do presidente era um dos últimos trunfos para manter a base coesa. Mas até esse recurso se esgotou. Na última pesquisa Datafolha, Lula registrou 28% de aprovação e 40% de reprovação — um dos piores índices em seus três mandatos.

Com a avaliação em baixa, o Planalto agora corre para aprovar projetos que possam melhorar a imagem do governo antes das eleições presidenciais de 2026. Entre as principais apostas estão a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a PEC da Segurança Pública, a isenção na conta de luz, a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos e o programa Gás para Todos, que amplia o vale-gás para 22 milhões de famílias. Essas propostas, porém, enfrentam resistência no Congresso.

“Ficou mais difícil, mas aprovar essas medidas é fundamental para as pretensões de Lula em 2026”, completa Assis.

Apesar das dificuldades, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP) acredita que há espaço para avançar nessas pautas. O parlamentar avalia que a derrota do IOF serviu para arregimentar a base que seguirá ao lado de Lula em 2026.

Para Tatto, embora seja necessário baixar a temperatura e evitar confronto direto com os presidentes da Câmara e do Senado, como defende seu correligionário Zé Neto, Lula deverá chamar as lideranças da base para conversar e cobrar maior comprometimento. “O presidente irá cobrar entregas, [votos na Casa]”, completa.

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